Monday, January 29, 2007

Dia 56 - Brodowski, SP - 3.334km (72)

Olá, caros amigos leitores!

Depois de uns dias de descanso na casa dos meus mais novos amicíssimos, Eliana e Rodrigo Telles, criadores do Clube de Cicloturismo do Brasil e fabricantes dos alforjes Arara-Una, em Franca-SP, retomo a rotina de cafés da manhã de hotel, virar o meio-dia sob o mormaço a pino, e correr para alcançar a tão sonhada atualização do blog (as fotos, essas sim pelo jeito vai demorar mais). Nunca esquecendo a programação do horário nobre da Rede Bobo.

Como NÃO era esperado, na terça-feira muito, muito cedo, meus olhos se abriram e minha mente sentiu-se desperta. Fiquei com a impressão de já estar pronto para acordar, mas obviamente tudo estava escuro e quieto, e preferi não olhar no relógio para não contaminhar minha mente ainda potencialmente sonolenta com neuras de horário. Todavia, cerca de dez minutos depois, o despertador tocou. Já eram cinco e meia.
Me levantei sem sofrimento, pois pra isso serve dormir cedo depois de passar o dia comendo e não fazendo nada. Comecei a me arrumar, vi que estava caindo um chuvisco fininho mas inofensivo, e perdi um pouco da pressa ao ver que, àquele horário, tudo estava totalmente escuro, e a padaria obviamente fechada. Erro meu, pois por postergar propositalmente a minha arrumação relâmpago, fui surpreendido no meio da atividade pré-pedalatória pelo clarear completo do dia, deixando ver além do chuvisco o céu completamente nublado. Apesar disso, não estava frio.
Terminei de me arrumar já bem mais acordado, o dia bem mais claro, fui empurrando a bici pesada pela íngreme e semi-escorregadia rampa de acesso à rua, abri o portão, levei a bici para fora, fechei o portão, e fui seguindo pedalando em primeira marcha pela rua inclinada e pavimentada com seixos amarelados, também um pouco escorregadios. Fui seguindo, fazendo as curvinhas nas esquinas, cumprimentando a relativamente grande quantidade de pessoas que já estava acordada àquela hora. Não surpreende que fechem o comércio cedo, se às seis da manhã já tem um monte de coisa aberta! No posto de gasolina, pela última vez, com os dedos cruzados (possuía somente vinte reais ou menos na carteira, então), tentei o golpe do Visa Electron. Cheguei lá, o rapaz do posto me atendeu, tentou passar o cartão, e de novo a linha estava indisponível. "Ai", pensei. Mas ele disse "vamos tentar uma gambiarra" e foi lá atrás do emaranhado de cabos das maquininhas e fax e computador, trocou lá uns cabos, passou de novo o cartão, e dessa vez a coisa funcionou, lá fui eu feliz tomar o café da manhã, com quase setenta merréis no bolso!
Na padaria, também totalmente aberta e funcionante, comi dois sanduíches de presunto (no estilo Chaves, com pão de sal ou cacetinho) e dois cafés com leite. Para levar, mais dois sanduíches de presunto e uma massa doce com cobertura de coco e recheio de creme. Uma curiosidade: a menina ficou quase assustada quando eu perguntei se tinha nata para passar no pão. Acho que ela pensou que eu também ia pedir borra de café para comer de colherinha, ou algo assim. Foi sem nata mesmo, mas estava muito nutritivo e saboroso. Depois do café, saí pedalando, satisfeito com a perspectiva de ter ainda várias horas de luz para realizar a travessia por território semi-desconhecido com relevo bastante acidentado e prognóstico de vários trechos empurrando a bicicleta.
O trecho até São José do Barreiro, já realizado na ante-véspera, não apresentou grandes novidades. Eu me sentia bem por estar com os alforjes e saber que não teria de pedalar tudo aquilo novamente para voltar para o dormitório, e como ainda era cedo, pude pedalar sem camisa, o que melhorou bastante a refrigeração do corpo. Ao passar por uma pousada, vi que um magrão ajeitava uma bicicleta ao lado de um carro com outras tantas bicicletas presas ao teto. Certamente se preparavam para alguma pedalada trilhesca por lá, mas mesmo tendo ficado com vontade de uma conversa, a certeza de no mínimo meia hora de conversa, com todas as perguntas que já sabíamos que iríamos fazer, me levou a seguir viagem anonimamente, sem dar nem uma abanadinha. Que feio.
Ao chegar a São José do Barreiro, pega-se à esquerda em direção à Serra do Rolador. A vila tem um punhado de ruas, muitas pousadas, mercadinho, é bem pequena. Logo ao passar por ela, subindo uma lomba suave, a estrada já fica mais estreita, e a direção indicada pelo GPS aponta para uma cadeia de morros crescentes, estando os morros mais distantes encobertos pela neblina, àquela hora. A estrada segue mais ou menos bem por uns três ou quatro quilômetros, quando aparece a entrada de uma pousada. Ao passar, eu pensei que a estrada fosse aquela, mas não, é só a entrada da pousada mesmo, o GPS apontava uma outra estradinha, essa sim bem mais estreita e cheia de erosões, com um pouco de capim no meio. Ao fazer a voltinha para pegar o caminho certo, vi que algum outro ciclista já havia cometido o engano, pois a freadinha que dei com a roda traseira deixou uma marca sobre a mesma freadinha que o colega desconhecido deixou. Dali em diante, com a estrada já menor, iniciava a subida, bastante puxada, mas possível. No caminho, encontrei um agricultor que me disse que aquela subida ainda tinha uns 2km, e depois dela ficava mais plano. "É chapadão lá, então?" e ele "Ih, o chapadão tá muito longe ainda!". Menos mal que ainda era de manhã cedo...
Segui subindo, e de fato logo a inclinação diminuía. À minha frente, os morros altos que viriam. À minha retaguarda, a encosta da Serra da Canastra, onde era possível ver uma parte da cachoeira da Casca D'Anta, e ao meu lado esquerdo, a paisagem rural com vales e encostas. Mais alguns quilômetros, e a estrada começou a ficar realmente podre, com erosões enormes, piscinas de pedras e córregos atravessando a estrada. Nesse trecho, depois de pegar água numa vertente, comecei a empurrar, e mesmo empurrando a coisa estava puxada, estrada muito íngreme, mas muito bonita, em termos de paisagem. Realmente por ali até jipes teriam dificuldades de passar, em alguns trechos a estrada só resistia porque a erosão já havia atingido a pedra, e havia até uma cachoeira que corria por sobre a estrada, em certo ponto. Ali, a neblina já me rodeava, mas mesmo assim o campo de visão estava suficiente para ver algumas partes mais baixas da estrada, por sobre a beirada cheia de mato rasteiro, e alguns morros ainda mais altos, com vestígios de prováveis trilhas que levavam aos seus cumes. Decerto com tempo bom a paisagem lá deve ser uma maravilha, se mesmo com tempo daquele jeito já estava bastante ao agrado de quem gosta de se enfiar em pedreira, como eu.
Logo em seguida, atingi uma parte mais plana, que creio ser o tal Chapadão da Babilônia. Logo no início dessa parte, a estrada já fica melhor, pedalável, lisa, em meio a um gramado com marcas de pneu de caminhonete, só aqueles dois trilhos paralelos. Havia uma casinha de madeira ao longe, quando cruzei uma porteira, que nem sequer trancada estava, apenas encostada. Depois da porteira, a estrada ia alternando entre trechos bons e destruídos, e nesses últimos havia várias rotas alternativas, provavelmente feitas pelo gado e por motoqueiros insatisfeitos com a estrada existente. Eu consegui, devido à ausência de partes íngremes, ir me equilibrando, em marcha leve sobre as valetas e pedras do caminho. Pouco depois, em um ponto mais alto, gramado, com algumas pedras maiores à beira do caminho, já passando das dez da manhã, resolvi parar para comer um doce, a dita massa doce com recheio. Fiquei com arrependimento por não ter comprado uma dúzia, porque o recheio era super docinho e delicioso, além do que eu já estava com fome mesmo. Sentado ali na pedra, agora com camisa devido ao chuvisco leve e à brisa fresca da altitude de cerca de 1300m, tentei escutar algum ruído que não fosse do vento nas folhagens, mas não consegui. Realmente, a sensação de paz e tranqüilidade dali é grande, ainda mais quando a neblina não deixa enxergar mais do que uns cem metros em qualquer direção. Terminado o mini-banquete, de volta à bici, segui pedalando sem pressa por aquele lugar esquisito e fascinante (adjetivo que odeio, parece coisa de samba-enredo).
A partir dali, os caminhos ficaram menos nítidos, consistindo em rastros esparsos de caminhonete por entre enormes pastos com alguns grupos de bois pastando por ali. Em determinado momento, o GPS indicava uma bifurcação. Ao chegar na tal bifurcação, o que acontecia é que a estrada por onde vinha (apenas dois rastros paralelos de pneu sobre o capim baixo) fazia uma curva para a direita. Bem mais longe, à esquerda, outros rastros muito menos marcados seguiam, algumas vezes quase sumindo, pelo pasto, e se eu não estivesse com o GPS jamais seria possível saber que havia qualquer outro caminho por ali. Já meio com a pulga atrás da orelha, confiei no meu fiel amigo eletrônico, e fui indo, fazendo amplas voltas no meio das baixadas de campo. Ao longe, outros ramos do chapadão ondulado eram visíveis entre a neblina, MUITO ao longe. Como disse o site www.viagensmaneiras.com.br, ali é o lugar certo para quem gosta de muito espaço (esse site tem muitas dicas underground sobre roteiros de ecoaventurismo no Brasil inteiro). Em determinado momento, a estradinha quase invisível descia por uma encosta gramada, depois fazia uma curva e ia em direção a outra encosta gramada, uma subida. No meio daquela dominância absoluta das gramíneas, uma árvore solitária, onde apoiei a bicicleta e comecei a me afastar para fazer uma foto no estilo "espaço amplo". A cada olhada para trás, e no visor da máquina, via que era necessário me afastar mais para dar uma boa noção da amplitude do lugar. Mesmo depois de quase não enxergar mais a mancha vermelha da bicicleta no visor, ainda não tinha conseguido incluir nem um terço da largura das colinas gramadas que faziam parte do quadro. Realmente um lugar que merece ser revisitado.
Saindo dali, algumas adaptações para contornar subidas quase impraticáveis (eram as que estavam no Gepeto), e a paisagem continuava surpreendendo: naquele ponto, um mar de cupinzeiros deixava a grama toda ondulada, como se fosse a superfície de um planeta daquelas histórias de ficção científica bem palha, atrás das quais os alienígenas baixinhos ficavam escondidos. O solo, naquele ponto, era meio escorregadio, e quando fui parar a bici para fotografar os cupinzeiros, a bici andou uns dois metros com a roda da frente travada, escorregando. Credo!
Em algum momento, teria de haver uma descida. A próxima bifurcação - que estava de fato ficando mais próxima - possuía um ponto indicando cachoeira. Cachoeira significa desnível, e eu tinha medo de que eu saísse na parte alta da tal cachoeira sem ter como descer. Mas enfim, se as trilhas de caminhonete seguiam em frente, deviam sair em algum lugar, não? Será?
Enfim, depois de outra porteira, apareceu a tal descida. A paisagem era muito bonita: à esquerda, morros cobertos por campos e pedras e manchas de mato sobre o relevo recortado. À direita, lá embaixo, uma planície com diversos campos cultivados, naquele padrão típico composto de diversos retângulos, cada um de uma cor diferente. Do outro lado do vale em frente, apenas neblina. E no chão logo à frente, uma descida tão íngreme que acho que mesmo um cabrito teria alguma dificuldade de passar por ela. No chão da trilha, apenas pedras, daquelas que são constituídas de vários estratos paralelos, e vão quebrando aos quadradinhos. Os estratos tinham um certo ângulo de inclinação que não era horizontal, nem paralelo à estrada, nem paralelo à inclinação da trilha, o que fazia com que esta fosse uma sucessão de rampas descompensadas, degraus pontiagudos e calhas que dificultavam que qualquer veículo com rodas seguisse algum caminho determinado. Sem falar da inclinação absurda, já que o cara que abriu a picada provavelmente disse "eu quero ir para lá" e virou o jipe direto para o alto e avante.
Eu até tentei descer andando, mas logo desisti, pois como já disse aqui antes, gosto das minhas vértebras todas uma em cima das outras, e dos meus dentes todos dentro da boca. Fui descendo com a bici do lado, segurando os dois freios, usando ela mais para me apoiar do que para outra coisa, com todo o cuidado para que o sacolejo ficasse dentro do limite de tolerância dos alforjes. A descida ocorreu a uma velocidade média de menos de 3km/h, e se eu estivesse com minha full, em tempo seco talvez eu tivesse descido tudo. Daquele jeito, sei não. Lá no finalzinho, quando a inclinação diminuiu, finalmente pude praticar minha nova modalidade de ciclismo extremo, o downhill com alforjes e sem suspensão. Muito emocionante, lembrando bastante o bike-trial, devido à baixa velocidade e às paradinhas para pensar por onde passar (sem tirar o pé do pedal).
Vencido esse desafio, o GPS indicava uma bifurcação, quando provavelmente sairia em uma estrada maior, por onde já havia visto alguns veículos passando, enquanto eu descia. Tudo muito lindo, não fosse por um rio sem ponte. A estrada apontada surgia direto de dentro da água, na margem oposta do riacho, que naquele dia estava bem cheio. Pensei "Ah, não, isso não...", achei que fosse necessário procurar uma pinguela, ou mesmo tirar todos os alforjes da bici para cruzar o riacho, mas no fim acabei atravessando a pé, enxergando as pedras maiores no fundo e vendo que a água não passava do joelho. Voltei, peguei a bici, e lá fui eu empurrando o cafão sobre o leito de areia grossa, estando até mais equilibrado agora que a bici me dava algum apoio. É claro, os cubos, toda a relação e a metade inferior dos alforjes ficaram embaixo da água, mas nada que causasse prejuízos, pelo contrário: a corrente ficou mais limpa.
Do outro lado do rio, a estradinha escorregadia logo levava a uma estrada maior, e enquanto eu tirava a areia de dentro da sapatilha e das meias, começava uma chuva um pouco mais grossa. Retomei a pedalada em uma subida, que levava a uma passagem para o outro lado do morro, lá em cima. Enquanto eu subia, em marcha leve, olhei para trás e vi, na encosta verde, lisa e íngreme do chapadão lá atrás, a lista brilhante e quase branca que refletia o céu nublado, serpenteando morro acima, parecendo mais um desmoronamento ou um lajeado com água escorrendo do que uma trilha. Como disse, credo!
Do outro lado da subida, mais surpresas: à minha frente, um profundo vale, com uma crista de morros bem altos, cobertos de verde e paredões de pedra. Ao fundo, uma rede de estradinhas, lá embaixo. E a própria estrada onde eu estava passou a ser pavimentada com os bloquetes de concreto hexagonais. Logo vi por que, pois a chuva criou vários trechos em que a estrada se transformava num rio, sendo totalmente coberta pela pura e cristalina água corrente da chuva que caía. À direita, enquanto descia com alguma cautela (e falta de pressa, para conseguir ver a paisagem inusitada), era possível ver muitos e muitos cursos temporários de água, descendo a encosta inclinada, e vindo em direção à estrada. À esquerda, um baixo cordão de calçada, e o "precipício" de onde vinha o barulho de muita água corrente. Somente se podia ver a encosta esquerda da estrada vários metros abaixo, coberta de mato com alguns rasgos provocados por correntes de água. É fácil entender por que razão o trecho da estrada foi calçado com blocos de concreto...
Lá embaixo, já no piso de saibro novamente, uma curva à esquerda, cruzando um rio maior, depois uma curva à direita, novamente subindo, já na encosta oposta do vale. Naquele ponto, a chuva apertou, caindo com intensidade suficiente para se tomar um banho de sabonete ao ar livre, coisa que não fiz. Fui subindo, em meio à paisagem despovoada. Apenas em uma ou duas casas alguém casualmente foi olhar se a chuva havia mudado, me vendo e retribuindo meu aceno. Numa dessas casas, pude ver, já vários metros mais acima na subida, ao olhar para trás, que aquela pessoa havia chamado outras, e estas me olhavam com espanto. Que gente, nunca viram um ciclista carregado subindo uma estrada debaixo de temporal?
Quando a chuva diminuiu, encostei a bicicleta e comi um dos sanduíches, não lembro que horas eram, mas já passava da uma, acho. Naquele ponto, fui passado pelo primeiro veículo depois de sair de São José do Barreiro, a uns 20km e várias horas atrás. Na parede esquerda do vale, uma encosta de chapada onde podia ver ao mesmo tempo seis ou sete quedas d'água formadas pela chuvarada. Logo acima da estrada, muitos bois alpinistas iam pastando com calma entre as diversas calhas naturais que vertiam água ruidosamente. Do outro lado, via-se a transição de uma quase planície para uma parte mais inclinada, cheia de bois alpinistas (também chamados de vacaranhas), chegando enfim às paredes verticais da chapada da Babilônia, encimadas por topetes de capim. Alguns proprietários de terra espertamente construíram suas casas lá no meio do reino das vacaranhas, possuindo assim uma vista de dar inveja a qualquer urbaninho. Tomara que eles nunca tenham que sair de noite para ir com urgência ao médico.
Depois disso, uma descida generosa, chegando a uma ponte sobre um rio obviamente transbordante, mas relativamente estreito. Ali, aparentemente o "portal de entrada" para o complexo turístico da Babilônia, a estrada finalmente ficava mais "mansa", e enquanto eu pedalava, olhava para trás para ver as escarpas enevoadas que iam diminuindo à medida que a distância aumentava. Já há algum tempo eu vinha sentindo uma sensação bem desagradável de assadura no saco, e freqüentemente tinha que dar uma ajeitada na bermuda molhada, o que causava bastante dor e desconforto.
Mas a jornada só termina quando acaba: apesar de achar que eu deveria descer muito para chegar ao meu pretendido destino, a cidade de São João Batista do Glória, fui brindado, em uma estrada cheia de poças de água e de barro, com a genialidade da engenharia mineira: após uma enorme descida que chegava ao pé de um morro bicudo, a estrada, ao invés de contornar o morro e continuar em direção à já visível planície lá embaixo, SUBIA diretamente até o topo, para descer do outro lado. Como chovia naquele momento, tive de contar, já na parte alta da subida, que o pneu fosse cavocando o barro por onde ele passava, indo agarrar o chão firme alguns centímetros abaixo, mantendo a tração e permitindo vencer os degraus das valetas e sair de buracos embarrados. Coisa de louco.
Mais adiante, apesar de a inclinação das lombas diminuir, a sucessão contínua de sobe e desce, sempre com desanimadores e muito escorregadios retões, me fez sentir realmente cansado, até por já estar há várias horas pedalando, empurrando e ofegando, louco para chegar de uma vez, e já achando que, dependendo da hora e do aspecto da cidade, seria melhor ir até Passos, por mais 16km de asfalto. Mais frustrante ainda era ver os motoqueiros com as motos 125cc passando a uns 70 por hora entre a lama visguenta sem qualquer sinal de desequilíbrio. Malditos.
Na cidade, de fato pequena e não muito aconchegante, parei em um boteco para comer um wafer e dois sucos de pêssego em caixinha. Sentado, enquanto comia, senti alguns blecautes no cérebro, e achei também prudente tomar um café preto para dar uma avivada. Funcionou.
Segui, peguei informação num posto de gasolina, onde coloquei óleo na corrente e calibrei os pneus, e segui em direção a uma balsa sobre uma represa, na direção de Passos. Depois da balsa, me disseram, só uma subidinha, depois tudo plano até Passos. Três quilômetros de asfalto e uma longa descida após o posto de gasolina, uma pequena balsa, cuja tarifa para bicicletas era de um real. Do outro lado a tal subida, que logo terminava, mas em seguida era sucedida por mais quilômetros e quilômetros de subida suave porém quase constante. Realmente esse povo não sabe nada de subidas, ao menos não cicloturisticamente. A assadura do saco já estava muito preocupante, e até a mais sutil ajeitadinha estava ficando muito dolorida. Seria reação a algum vestígio no forro da bermuda? Contato com sujeira da luva? Mas não há mal que nunca se acabe, e logo estava no perímetro urbano de Passos, que é bem grande. Fui arriscadamente serpenteando pelas ruas ao redor do centro, onde pegava com um e outro informações para chegar na praça, onde havia alguns hotéis. Os motoristas não querem saber de ninguém na frente deles nas ruas estreitas, de preferência nem outros motoristas, que dirá pedestres ou ciclistas. As faixas de segurança vivamente pintadas em todos os cruzamentos são sumariamente ignoradas pelos motoristas que só reduzem a velocidade para ver se vem outro carro, quando reduzem. Tentei ir no hotel Imperador, mas era muito caro. Acabei indo no Grande Hotel, meio espeluncóide (deve ter sido melhor no passado), onde devido a dificuldades em encontrar um quarto com um chuveiro sob o qual eu conseguisse ficar em pé E cujas lâmpadas funcionassem, consegui um certo desconto para ficar duas noites. Tive de explicar ao rapaz da portaria o motivo de andar de pernas abertas pelos corredores, durante a escolha dos quartos. Depois do banho com lavagem de roupas, e dor lancinante nas regiões baixas, cuja pele já estava com textura de casca de tangerina, fui à cata de farmácia, LAN e restaurante, todos na rua que ia em direção à outra praça (sim, duas praças, e bem grandes, a de cima com uma fonte luminosa restaurada). No caminho, fiquei espantado com a quantidade de lanchonetes simpáticas fechadas, assim como inúmeras lojas fechadas (horário de verão é fogo, de fato já eram quase sete da noite e estava bem claro). Acabei comendo pastel de vento na lanchonete duns chineses. Fui atendido pelas atendentes, que já estavam contando os segundos para fechar a pastelaria. Suco, só de laranja, já prontinho dentro de uma jarra. Ao menos era barato.
Com as farmácias, nova frustração: na primeira que achei, fui atendido pelo farmacêutico, explicando-lhe que precisava de alguma pomada com hidrocortisona, um corticóide de baixa potência ideal para reações alérgicas, dermatites de contato e urticárias na pele. Ele não tinha, tentei ver se tinha algo equivalente, mas nada. Fui a algumas de manipulação, uma até do lado do hotel, mas para variar estavam fechadas. Acabei achando só em uma farmácia LÁ em cima, o produto chamava Berlisol, 10 reais o tubo com 30 gramas. Mas era necessário.
Fui à LAN, onde fiquei um tempão, tendo já passado a pomada antes mesmo de sentar à frente do micro. Depois, seguindo a recomendação do rapaz do hotel, fui à Cantina da Mama, que uns rapazes lá compraram recentemente de uns italianos, tendo aprendido as receitas originais. Comi um penne ao molho rosé com bife de frango empanado, acompanhado de um suco de polpa de manga, assistindo o Bog Brother em uma enorme televisão. Muito saboroso o prato, e ótimo o atendimento. Voltei ao quarto para assistir a minissérie Amasiona (uma amásia grande), não sem antes fotografar um belo cogumelo que crescia em um canto do teto no corredor. Dormi com a felicidade de quem não tem que pedalar no dia seguinte.

Vai ser fácil contar o que aconteceu na quarta, pois passei seis horas na LAN. Acordei, passei hidrocortisona no saco, agora já não mais vermelho, apenas rosado. Fui tomar o café do hotel, em seguida voltei ao quarto, descansei mais, e saí para pegar o seguro desemprego na caixa federal, depositando em seguida no banco do brasil. A procura frustrada por um lugar decente para almoçar me levou de volta ao Cantina da Mamma, onde havia self-service por quilo. Servi um prato com lasanha de presunto, massa com queijo, filé à parmegiana, alguma saladinha e pudim de mamão. Gostei tanto que repeti, um prato idêntico. Para acompanhar, suco de manga. Saindo dali, fui à cata de um supermercado para comprar balas, minhas companheiras de LAN. Fiquei um tempão numa marquise, sentado em um degrau, por causa da chuva. Se eu tivesse um quadro de pulseirinhas, comporia a típica cena do hippie vendendo coisas. Como não tinha, devo ter passado por morador de rua, mesmo. Quando a chuva diminuiu, fui ao super, mas a bala menos horrível que pude achar foi a sete-belo. Dali, seis horas de LAN, depois uma janta na Cantina. Dessa vez, espagueti à bolonhesa com queijo ralado e tempero verde. Uma delícia, melhor que no dia anterior, o pessoal aprendeu mesmo a receita dos italianos. À noite, Big Bronha e cama, pois havia jogo de futebol depois.

Thursday, January 25, 2007

Dia 52 - Capetinga, MG - 3.185km (65)

Caros colegas, conforme prometido, eis-me.

A noite de sono de sábado para domingo foi ótima, e o despertador tocou cedinho no domingo. Apesar disso, eu estava bastante cansado, com preguiça, e o pior, chovia lá fora. As horas em que fiquei rolando na cama foram palco do velho impasse entre ter de levantar, para ver duma vez algo que eu não teria a vida inteira para ver quando quisesse, e NÃO QUERER levantar, para não ficar horas patinando na estrada molhada e no chuvisco fininho para ver mais uma cachoeira (tenho uma teoria de que, exceto em raros momentos, depois da vigésima cachoeira vista na vida, são todas iguais). Já que a distância até lá não era um exagero (provavelmente uns vinte e poucos), acabei levantando perto das onze horas, e fui direto almoçar no "refeitório" da pousada, já com bicicleta e tudo. O cardápio foi muito parecido com o do dia anterior, comida caseira, tentei me alimentar bem para não sentir fome muito cedo, e me mandei.
Eu havia olhado no Google Earth, como é o parque da Canastra, e fiquei com a impressão de que o caminho de Vargem Bonita até a Casca D'Anta percorreria o vale do São Francisco, devendo portanto não ter muita variação de altitude. Entretanto, logo após sair do perímetro urbano, já me aguardava uma descida horrível, apesar de curta, e do outro lado obviamente uma subida tão horrível quanto. O chão estava molhado, fofo em alguns pontos, e com várias poças de água das quais eu tinha de desviar algumas vezes. Assim foram os quinze quilômetros até a vila de São José do Barreiro, um sobe e desce de matar, com várias vistas bonitas do rio, algumas vezes bem de perto, algumas vezes bem do alto. Se não estivesse cheio o rio e um pouco frio o dia, haveria muitas oportunidades para tomar um banhão. Nas partes altas da estrada, era possível ver todo o paredão sudoeste da Canastra, e algumas fotos foram feitas nesses pontos, muitas ficaram parecidas, mas é irresistível a tentação de bater fotos daquele lugar, mesmo com o dia nublado e chuviscando.
Um pouco antes de chegar ao Barreiro, um casal em um Ford Ka parou um pouco mais na frente e fez algumas das perguntas básicas do pacote-de-interrogatório-do-cicloturista-de-longe. Eles perguntaram como estava a estrada pros lados da cachoeira, e eu disse que devia estar boa, e que se eles já haviam chegado até ali, deviam obviamente continuar. Assim também continuei eu, e devo dizer que me senti quase culpado, pois a estrada dali para a frente ficava podre, com poças gigantes de lama vermelhinha, com vários monstros destruidores de rodas e protetores de cárter escondidos lá no fundo, labirintos de valetas compridas acompanhando a estrada, e pontos perigosamente escorregadios, em declive. Fui seguindo assim, tomando muito cuidado para não beijar o solo pátrio, sofrendo bastante com as subidas horríveis e com o cansaço/preguiça/digestão trancada. De repente, no meio de uma subida, com a estrada já bem estreita, pude avistar o topo da queda da Cascadanta (é mais fácil escrever assim). Fui indo, dividindo a atenção entre a vista crescente da cachoeira, as armadilhas da estrada e a indicação do GPS, que mostrava menos de três quilômetros restantes. Pouco antes da portaria do parque, é possível ter uma vista da queda praticamente inteira, e ali parei para descansar e fotografar. Seguindo, há uma descida, uma ponte, e uma curta subida até o parque, em cuja portaria há um estacionamento para veículos. Conversei com os guardas e paguei uma entrada de três reais, e eles disseram que eu poderia entrar com a bicicleta se quisesse. É claro que eu quis, e desci pedalando a muito estreita estrada de acesso à cachoeira, por onde voltavam alguns turistas a pé. A área de camping, à beira do rio, até que apresentava uma estrutura legalzinha, com banheiros e quiosques com telhado e mesas, mas o gramado estava virado numa savana. Procurei algum ponto balneável por ali, mas acho que o rio só fica bom para banho com menos água, de modo que apenas tomei uns goles e molhei o rosto, os braços e a cabeça, continuando logo depois rumo à cachoeira. Saindo da estrada, começa uma trilha estreita, e devido às pedras deixei a bicicleta presa em uma árvore com o cadeado. Subi caminhando rápido, entre um e outro visitante que cautelosamente se equilibrava entre as rampas escorregadias e os galhos enlameados. Ao chegar na cachoeira, uma mistura de encantamento pela bela e alta queda d'água (mais de 180m), e da sensação de não estar vendo assim algo de tãããão surpreendente. O pessoal do centro do país vai me exconjurar, mas devo dizer que as cachoeiras da nascente do Rio dos Sinos e a da Pedra Branca, em Caraá-RS e Terra de Areia-RS, respectivamente, não devem muito em beleza à Cascadanta. Por outro lado, se unirmos a beleza da cachoeira com a beleza da encosta de chapada da qual ela despenca, e de todo o contexto topográfico e ecológico envolvido, é claro que vale a visita, e muito. Tenho a impressão que o legal mesmo deve ser subir a trilha difícil que dá acesso à parte alta da cachoeira, mas eu estava muito podre para fazer isso, de modo que desci tudo, depois de muitas fotos e algum tempo me refrescando no chuvisqueiro do pé da cascata - lá encontrei, inclusive, o casal do Ford Ka, eles disseram que não foi tão terrível assim, acho que o Kazinho deve estar em processo avançado de fossilização, já. De volta aos quiosques, aproveitei o isolamento e o teto para me deitar no chão e dar uma cochilada rápida. Eram já 15:00 quando me levantei e segui viagem, havia tempo de sobra para não perder a janta. A distância marcada pelo velocímetro da bici foi 25km entre Vargem Bonita e o parque. Fui então pedalando sem pressa, já com idéia de parar em determinado bar que eu tinha visto mais atrás, para comer. Chegando lá, as placas presas na cerca, antes do bar, diziam "doces", "sucos naturais", essas coisas. Na verdade, o cara não tinha assim tanta variedade, e eu acabei comendo três chocolates Laka e tomando dois Toddynho, o que prontamente recompôs muita da minha energia pedalante. Fiquei ali um tempo, o suficiente para conversar com uns capiaus que passavam por lá. Coisa nunca antes vista: um deles entrou no boteco, e tomou APENAS UM COPINHO DE PINGA, saindo logo em seguida, nada de papo furado, nada de novos copos. O mundo ainda tem salvação...
A volta, agora que eu já conhecia o caminho e não tinha possibilidade de me iludir com planícies de areia bem durinha e lisa, foi mais tranqüila, ao menos psicologicamente. Aproveitei para fazer algumas fotos da estrada, nos piores trechos, e como agora chovia, em duas descidas eu tive de sair da estrada para poder frear, já que a parte rodável da estrada na verdade estava rodopiável, de tão escorregadia. Percebi que é necessário andar nas partes onde o piso apresenta areia, que aí o pneu segura e dá pra controlar a bici. Nas partes que só têm argila, caso esta esteja molhada, a bicicleta se transforma num esqui. O que não impede, aliás, os motoqueiros de passarem a milhão, ignorando totalmente as leis da física, e ficando assim automaticamente imunes a qualquer tipo de queda. Malditos!
Já perto da cidade, havia uma placa indicando Cachoeira e Praia da Chinela, uma das poucas recomendações viáveis dada pelo atentente do Baú de Lendas, na véspera. Peguei o rumo da placa, uma descida tão escorregadia quanto as citadas acima, e desci como uma bichona, bem pelo cantinho, onde havia um pouco de areia. Chegando na ponte, que era sobre o rio São Francisco (lembrem: nesse ponto apenas um pouco mais do que um riacho), olhei à esquerda, à direita, e não vi muito sinal de praia nem de cachoeira. Dei meia-volta, pretendendo passar por uma porteira que vi mais atrás, quando me deparei com a quase oculta entrada de uma trilhazinha. Já estava perto da cidade mesmo, pensei, não custa fazer umas explorações por aí. Me dei bem, pois a trilhazinha conduzia, logo após uma cerca fácil de pular, a uma prainha bem generosa. Naquele ponto, a várzea do rio era bem larga, mas era ocupada por uma ampla meia-lua de areia grossa e pedras redondas, que formavam um "banco de areia", obrigando o rio a fazer uma curva ao seu redor. Na parte "rio abaixo" da meia-lua, o refluxo de água formava uma grande e relativamente calma piscina natural. Fui com a bicicleta até uma das bordas do banco de areia e pedras, achei uma pedra maior para encostá-la pelo pedal, como se a pedra fosse o cordão da calçada (é mais fácil fazer isso se a bici estiver numa marcha mais pesada, pessoal), e obviamente comecei a estudar uma boa estratégia para tomar um belo banho. Tirei a sapatilha e a meia, e fui caminhando até a extremidade "rio acima" da praia. Ali, depois de algum micro-fiasco para entrar na água, relaxei e deixei a correnteza me levar até perto da bicicleta de novo. Como a passagem de água era estreita, esta passava em alta velocidade, e foi muito divertido ser levado pelo rio, até porque naquele ponto ele era raso e não havia perigo. Ao chegar ao piscinão natural, que era bem fundo, dei umas braçadas, e saí da água, que não estava tão fria. Dei um tempo ali, pus a camisa para escorrer, e resolvi repetir o passeio. Na ida para o ponto de partida, achei uma parte do banco de areia que havia acumulado um lodo bem fininho. Lembrando os tempos de infância, fiquei sapateando ali dentro, depois peguei uma bolinha de lama na mão e comecei a jogá-la de uma mão para a outra, notando uma interessante mudança na emulsão coloidal formada pela lama, que passou de um gel (emulsão de partículas líquidas em base sólida) para um sol (emulsão de partículas sólidas em base líquida). Como acabei de ver na Wikipédia que o estudo dos colóides é totalmente experimental e inconclusivo, e como ninguém estava lá para ver, vão ter que acreditar em mim, aconteceu mesmo. O fato é que aproveitei a semi-liquefação da lama para aplicá-la também nos braços e pernas, ficando com aquele aspecto de monstro do pântano (resisti à idéia de passar no rosto também, afinal eu não ia conseguir ver e não ia pegar a máquina com as mãos sujas de lama). Depois do passeio, onde a lama foi lavada, senti que estava com aquele cheiro de girino misturado com cobre oxidado, típico das lamas, mas achei que um sabonete resolveria o problema com facilidade. Como já eram seis e meia, tirei as pedrinhas dos pés, calcei a sapatilha, vesti a camiseta úmida, e me mandei.
Na janta, novamente o mesmo cardápio, e comi bastante, indo logo em seguida para o quarto, tomar banho, lavar roupa e assistir o Fanático e o Big Bronha. Devem estar estranhando que eu esteja tão apegado em um programa superficial, mas a superficialidade neste caso é até vantagem, pois deixa o cérebro de molho, sem gastar muita energia, assim como o corpo, atirado na cama. E, de certa forma, me identifico com aquele bando socado em uma casa que não é a deles, e eu aqui, longe da casa que é a minha. É interessante também ver a evolução dos parezinhos românticos, com o bem-vindo atributo da relativa imprevisibilidade, que falta às novelas. Só não pode é criar dependência, ou então ficar xingando os participantes, aí não, pode parar! Nesse dia ainda assisti o Domingo Maior, mas não valeu à pena. Devia ter desconfiado do apelativo título do filme: "Baladas, Rachas e um Louco de Kilt". Lixo puro. Nanei em seguida, com o despertador desligado.

O dia seguinte, segunda feira seria o merecido dia de descanso absoluto, necessário antes do deslocamento sobre a Serra do Rolador até a cidade de São João Batista do Glória, meu próximo destino. Acordei naturalmente, muito tarde, e fiquei horas rolando e me espreguiçando na cama. A manhã estava até meio fresquinha, e pude curtir um edredonzinho, que fazia tempo que não usava. Saí me sentindo meio inchado, para almoçar, novamente o cardápio caseiro com arroz, feijão, carne, legumes e, desta vez, torresmo. Tomei guaraná. Após o rango, fui ao posto de gasolina lá perto da saída para a cachoeira, tentar fazer o lance do Visa Electron: registrar R$ 55,00 e pegar de volta uma nota de cinqüenta, mas naquela hora o cara não tinha dinheiro trocado. Aproveitei para tomar um sorvete na padaria em frente, e um creme dental na farmácia, que havia esquecido o meu em Piumhi (tou dizendo, só não esqueço a cabeça porque tá presa, no domingo eu fui à Cascadanta sem luva, e só notei na metade do caminho. Ao menos minhas mãos não estão mais tão brancas). De volta, aproveitei para conhecer a tal prainha que fica no final da rua onde fica o meu quarto. É uma prainha bem modesta, quase sem local seguro para tomar banho, ao menos não com aqule volume, mas lá tem um bloco de cimento em forma de banco, então tirei a camisa, a estendi sobre o cimento, e deitei ali, para curtir uma sesta. É impressonante como aquela cidade é silenciosa, se não fosse pelos passarinhos e pelos eventuais turbilhões formados nas irregularidades da barranca da margem oposta do rio, o silêncio seria praticamente total. Depois de nada dormir, mas muito descansar, voltei ao quarto, escovei os dentes e deitei mais um pouco. Como disse, o dia era de descanso.
Mais tarde, fui novamente ao posto de gasolina, mas como estava com fome passei em um mercado e comprei um wafer de limão, que se não é a melhor coisa do mundo, até que é bom para dar uma enganada. Dessa vez, o lance do Visa Electron não rolou devido à indisponibilidade de linha, e eu já estava com medo de ter que seguir viagem relativamente descapitalizado. Fui à padaria em frente, e comi um delicioso sanduíche de presunto (aquele do Chaves, com pão de cacetinho, aqui chamado pão de sal) acompanhado de um copo de café com leite. Voltei lentamente para o quarto, onde cheguei com um certo calor. Resolvi tomar um banho de rio, mas depois de trocar a roupa pelo traje de banho, começou a chover de novo, e aí eu deitei mais um pouco, esperando até a hora da janta. Lá fui eu, comi meio estufado ainda (embora tenha repetido uma ou duas vezes), e fiquei sabendo que havia na cidade, na verdade na pousada de cima, um outro cicloturista, que havia chegado nas mesmas condições que eu: esquálido, esfaimado e ávido por um pouso em um rango. Ele já havia jantado, ali mesmo, e logo que a chuva passou eu fui até ali, conversar com ele.
Era um cara de Arcos-MG, que estava com dez dias de férias, e saiu para dar uma volta. Estava vindo da parte alta do parque, tendo percorrido uns 70km de estrada de chão com sobe e desce, naquele dia. Se chama Eduardo, tem 34 anos, trabalha como mecânico de injeção eletrônica, estuda psicologia e sonha em ser médico (totalmente o oposto de mim, hehe). Ficamos conversando inicialmente na pousada, mas depois fomos dar uma volta por aí. Fui mostrar meu quarto e minha bicicleta para ele, que se encantou com o espaço adicional e com a tranquilidade do "chalé", pelo mesmo preço que ele vinha pagando lá na Savana, chegando a pensar em me substituir como inquilino, já que eu desocuparia o quarto no dia seguinte. Dali fomos dar uma volta, e eu resolvi comer um pouquinho, que é bom recarregar a energia em véspera de pedal. Comi duas rapadurinhas cobertas de chocolate, em um boteco, acompanhadas de uma coca-cola de 200mL em embalagem retornável, que custa apenas 50 centavos, e que é coisa daqui, ou novidade, pois no RS nunca tinha visto nada assim. Parece um bom negócio, mas se formos pensar, convertendo em uma de dois litros, ficaria custando cinco reais. É, esse caldo ainda vai conquistar o mundo! Depois de passarmos em frente à praça e vermos uma morena escultural saindo de um boteco cafifento, acompanhada é claro, resolvemos ir dormir logo. Era em torno de dez horas quando eu peguei no sono, e o despertador estava programado para 5:30 da manhã.

Olha, galera, a terça-feira, quando atravessei o chapadão da babilônia, foi o dia mais variado e divertido da pedalada até agora, provavelmente, mas há tanto a contar, e eu já estou tão cansado de escrever, que vou ter que deixar para uma ocasião futura. Me aguardem, não me deixem só, minha gente! Eu voltarei!!

Wednesday, January 24, 2007

Dia 51 - Passos, MG - 3.120km (0)

E aí, Galera Fiquei uma semana longe de computadores, por ter tomado um fartão em Itaúna, onde eu ia à LAN diariamente, e por ter passado pela Serra da Canastra, uma região onde não tem internet (e um monte de outras coisas, também) e onde o ciclista fica bem cansado. Me surpreendi com a quantidade de pedidos emocionados para que eu postasse mais relatos, pedidos feitos por gente que eu nem conhecia, chegaram a citar O Pequeno Príncipe, de Exupéry, para me convencer de que agora não tenho mais o direito de deixar meus leitores a ver navios. Portanto, vou aproveitar o dia de descanso (estou cansado, e me deu uma assadura no saco que detalharei mais adiante) para escrever, e muito, e com detalhes, que afinal é, imagino, a melhor forma de retribuir o apoio e o interesse de todos vocês nessa minha viagem. Para isso, já almocei dois pratinhos de lasanha com ensopado de peixe e bife à parmegiana (com palmito), e estou agora comendo balinhas sete-belo e escutando rock progressivo sinfônico no streaming do site http://www.progarchives.com/, que recomendo extremamente aos amantes da boa música.

O dia seguinte à trilha, segunda-feira, foi um dia de descanso, conforme combinado entre eu e o Sérgio, que se dispôs a me acompanhar em outra trilha na terça-feira. Isso significa que acordei apenas a tempo de tomar o café da manhã do hotel, voltar rapidamente para assistir o Bob Esponja, praticamente a única atração decente do programinha palha da Xuxa (pobres crianças de hoje). Saí já perto da hora do almoço, de bicicleta, com a preguiça típica do dia em que se pode fazer qualquer coisa e não se tem nada para fazer. O tempo, como sempre, continuava nublado e mormacento. Queria comer algo mais caprichado, e saí procurando algum restaurante de comida mineira, que a cidade tem aos montes, mas são todos difíceis de achar. Após desistir de achar o "Panela Mineira", cuja placa já havia visto algumas vezes durante os pedais de reconhecimento na cidade, mas não lembrava onde havia sido, acabei indo parar no D'Lécia, que infelizmente só tinha self-service por quilo, o que não costuma ser boa idéia para ciclistas, e para mim definitivamente nunca é. A comida era boa, havendo quiabo, torresmo, carne, feijão e saladinhas. Imediatamente após, fui à América Latina, onde comprei um extensor bem longo que deveria acabar com o problema de sacolejamento dos alforjes. Os pobrezinhos já estão com os ganchinhos de plástico que os prendem ao bagageiro todos esgarçados, e concluí que infelizmente o que realmente funciona não é um design "clean" e soluções malandras de fixação, e sim o bom e velho extensor de R$ 1,50, que a tudo abraça, aperta, firma e sustenta, indiscriminadamente, e independente de cor, textura, peso ou preço. De volta ao hotel, aproveitei para pôr em dia tarefas há muito postas de lado, como cortar as unhas dos pés que já ameaçavam a integridade das meias, e aparar os fios do bigode, que para mastigar pêlos grossos já bastam os que vêm no torresmo. Para isso, utilizei minha fiel ferramenta, companheira de anos: a tesourinha do canivete do extinto Suisscau, uma cópia de miniatura de canivete Victorinox, que uso para recortar os remendos Vipal (uso aqueles remendos em rolo, não sei por que acho melhor que os estrelinhas).Após essas amenidades, me senti um tanto solitário, e resolvi que sairia logo da cidade. Como disse, andar com a âncora SOBRE o bagageiro, ao invés de deixá-la no hotel ou na casa de alguém, é algo que vicia (não sei como vai ser jogá-la de volta em minha própria casa!), e assim lá fui eu até a bici, parafusar bagageiro, reposicionar o farol, ajeitar o suporte da bolsa de guidão, dar uma pré-ajeitada nos alforjes. Nesse ínterim, o interfone do quarto tocou, e fui avisado de que o Caneschi estava na portaria me aguardando, conforme o combinado, para irmos tomar um açaí na sorveteria. Ele estava dessa vez, não com a Caravan ou com a Kawasaki, mas com um jipe JPX Montez (taí um cara que gosta de veículos bons), e lá fomos nós, não sem antes passar pelo Giscard, um tatuador que já deixou no próprio Caneschi, tatuadas, a imagem da asa-delta dele, a imagem da falecida cadela dele, a Mafalda (que aliás estampa também a traseira dos caminhões da transportadora dele, que não por acaso também se chama Mafalda), além da clássica e versátil expressão "Amor eterno", no lado esquerdo do peito. O cara lá é bom, vi o álbum dele, e ao comentar que só tatuaria algo relacionado com bicicleta, ele mostrou uma tatuagem que havia feito (mais tarde descobri que o tatuado era o irmão mais novo da Gilvana, também ciclista, é claro): um talho do lado esquerdo da perna, por onde penetrava um pedivela inteiro - e não só a coroa grande!Nos despedimos logo, e fomos, a pedido meu, a uma lanchonete, onde comi o xis filé especial, recomendação do Giscard, que me serviu como janta. Imediatamente após, fomos à sorveteria tomar o tal açaí, outro novo vício, tanto meu quanto do Caneschi. Ficamos ali de trololó, e em seguida veio nos acompanhar a Gilvana, que preferiu tomar um sorvete de maracujá. Papo vai, papo vem, começou a dar frio, a Gilvana tinha de ir embora em seu possante Chevette 74 (mas com classe!), então fui conduzido de volta ao hotel, assisti um pouco de TV e nanei.

O dia seguinte, terça, era o dia de fazer a trilha do visual, com o Sérgio, programa que seria feito à tarde, exceto se as condições do tempo permitissem voar de trike. Na quarta, então, ficaria "de sobreaviso" para voar, e independente de ser ou não bem sucedido, quinta-feira seria o dia de partir de Itaúna. Provoque a sede de levantar âncora até não aguentar mais, hehe.Aproveitei a parte da manhã para ir a uma outra LAN, onde era permitido instalar programas no computador, e instalei o GPS Trackmaker, a partir do qual editei alguns arquivos que achei na internet com trilhas, estradas e pontos úteis na Serra da Canastra, meu próximo destino turístico. Passei esses dados para o GPS, imprimi um mapa esquemático, e fui almoçar. Seguindo recomendação de muita gente, fui ao Maria Formiga, restaurante próximo ao hotel, e comi quiabo, lasanha, carne assada, salada, torresmo... Voltei ao hotel para tirar uma sesta, e depois das três e meia da tarde me dirigi à loja, onde já me aguardava o Sérgio. Saímos pedalando pela cidade, pra variar em um ritmo meio forte, que aquela galera lá não poupa pedal. Mesmo tendo descansado um tanto, não estava me sentindo tão bem quanto no domingo, até porque já havia colocado de volta o bagageiro e o suporte da bolsa de guidão. Logo já estávamos no paralelepípedo, depois na estrada de chão, e começamos a pegar mata-burros, porteiras e trechos de pasto com gado, tendo de tomar cuidado para não escorregar nas bordas argilosas das valetas erodidas. Em alguns pontos, era necessário descer da bici para empurrar, devido à inclinação e à quantidade de pedras que, mesmo não sendo grandes, provocavam desequilíbrio. E a trilha foi indo assim, sempre subindo, suave e constantemente, na maior parte do tempo por entre trilhas de gado. Chegamos a comentar que era bom que não estivesse chovendo ou molhado o chão, pois se assim fosse os escorregões e o ski-bunda seriam inevitáveis. Após outra porteira, a trilha ficou mais fechada, com mato dos dois lados, e o caminho tinha apenas um palmo de largura. Havia uma árvore caída para evitar a passagem de motoqueiros, mas já havia também um contorno mal definido em meio à vegetação cheia de galhos e cipozinhos, ao lado da passagem bloqueada. Depois de mais alguns poucos metros, chegamos ao local que dá nome à trilha: uma laje de pedra, comum nesse tipo de morro, que formava uma plataforma que serve como mirante natural, em direção a oeste, e de onde se podia avistar, da esquerda para a direita, as cidades de Carmo do Cajuru, Divinópolis e... uma grossa nuvem de chuva, acompanhada da inevitável cortina branca de chuva, que aparentemente se movia em nossa direção. Tiramos algumas fotos e decidimos nos mandar logo, mas voltamos somente até um pouco depois do desvio pelo mato, quando fomos atingidos pela chuva, inicialmente fraca, engrossando logo depois. Mesmo já tendo sido confirmado vezes sem conta que se esconder da chuva embaixo de árvores não resolve o problema, foi exatamente o que fizemos, e causou certa surpresa o fato de que estava funcionando! É claro, funcionou por cinco minutos, e a chuva não havia diminuído significativamente, de modo que optamos por seguir na chuva mesmo, com todas as conseqüências escorregadias que isso teria. O Sérgio não parava de falar que "a trilha devia estar escorregando igual um quiabo", com seu característico sotaque mineiro. Mesmo assim, o astral estava em alta, e logo descobrimos que o medo do ski-bunda não era de todo justificado, pois a trilha molhada estava segurando bem (vale lembrar: se algum mineiro disser que o carro agarrou na lama, isso significa que ele atolou, ou seja, a lama "agarrou" o carro). Isso significou que descemos empolgadamente, no limite do que a visibilidade precária, as bordas das pedras e o tamanho das valetas permitiam. Tomamos ainda uma outra trilha para voltar, usada por motoqueiros, e vimos mais uma vez por quê os proprietários de roças derrubam árvores para impedir o acesso dos motoqueiros (chamados por alguns de "mocotreiros", sarcasticamente): valetas enormes, várias trilhas paralelas e todas escalavradas e cheias de erosão. Escolhemos a menos pior e fomos, e confesso que me surpreendi positivamente com o desempenho de minha bicicleta, especialmente dos pneus, e de toda a tralha pendurada que interferiu pouco em sua manobrabilidade off-road. Saímos da trilha com a carcaça suja, mas com a alma lavada, como sempre, e seguimos de volta à cidade. Deu para perceber que o Sérgio sentiria falta do novo amigo trilhesco (eu), pois falava insistentemente que havia por lá ainda trilhas muuuuuito melhores, que o ideal seria que eu passasse mais tempo lá, ou então que voltasse logo, que fosse de avião para poder andar mais por lá, que ele gostaria de um dia ir ao Rio Grande do Sul para pedalar por lá também, e essas coisas. Disse a ele que era difícil imaginar um retorno a Itaúna tão breve, por questões de tempo, e disse a ele também que não se preocupasse, pois ele ainda era jovem, e quando a gente envelhece os conceitos de distância, proximidade, custo e "muito tempo" se relativizam bastante. Mesmo assim, também lamentei não poder ficar mais tempo para fazer mais trilhas por lá.
De volta ao centro da cidade, já sem chuva, me despedi do Sérgio, após lavar a bicicleta no posto de gasolina (ele preferiu não lavar) e achar uma lanchonete para lanchar. Comi uma coxinha e dois sucos de pêssego em lata, e fui para o hotel, onde tomei banho. Na hora da janta, resolvi inovar, indo ao Bar do Peixe, perto do hotel, e comi um PF que veio muito fartamente servido, embora meio caro. Tomei também dois enormes sucos de manga, feitos com polpa, pois geralmente depois do pedal a sede acaba sendo maior que a fome. E esse foi meu último dia de trilha em Itaúna.

Quarta-feira, o plano era ratear de manhã, e tentar voar à tarde, sem muita esperança, pois além do tempo bom, era necessário que o Caneschi estivesse com tempo livre, o que nem sempre era possível. Aproveitei a recém descoberta LAN para mandar todas as novas fotos para o álbum, cujo link nesta página não funciona. O link correto é este: www.flickr.com/photos/heltonbiker , clica aí! O site é bom porque disponibiliza um programinha, o Uploader, que manda as fotos automaticamente, facilitando muito a vida. Feito isso, fui almoçar no Sandoval, por ser a opção mais próxima e econômica. Após o almoço, liguei para o Caneschi, e infelizmente fiquei sabendo que não seria dessa vez que iria descobrir por quê os passaros voam... Paciência, valeu a intenção, e ao menos o açaí de cada noite era algo com o qual eu ainda poderia contar. Fui então ao hotel, e fiquei lá dando um tempo, até que resolvi sair e dar uma volta de bici pela cidade. Escolhi a prainha, onde procurei algum lugar para fazer um lanche. Depois de ir e voltar uma vez e meia, parei em um bar lá que era o único aberto. Vi com espanto que as lojas por aqui fecham muito cedo, e os bares não ficam abertos o dia todo, abrindo depois que as lojas fecham, o que dificulda bastante a logística de quem não está acostumado com isso. O bar onde parei era dos poucos que estava aberto àquela hora, e pedi um prato típico por aqui: bola de carne, que vem a ser a conhecida almôndega, acompanhada de molho, farinha e catchup. Enquanto comia, fiquei apreciando o movimento de beldades que passava esporadicamente pela calçada e pelo calçadão formado pelo canteiro central da avenida (aqui também não é calçada, é passeio). Já semi-alimentado (ô, saco sem fundo!) resolvi fazer um pré-aquecimento para o dia seguinte, pegando um trecho de estrada na direção de Divinópolis. Antes, passei no posto de gasolina para dar uma calibrada nos pneus, e lá fui eu. Vale lembrar que eu estava sem luva, sem sapatilha, sem capacete, e como o sol estava de frente e já meio baixo, tirei também a camisa, para bronzear um pouco o peito branquelo. A estrada logo que sai de Itaúna está meio ruim para ciclista, com muito movimento de caminhões e carros, pouco acostamento e bastante capim alto crescendo para dentro da pista, diminuindo a visibilidade nas curvas. Há também muitas subidas e descidas por ali. Determinei que pedalaria por meia hora depois daria volta, mas preferi encurtar o passeio antes disso, o que se mostrou uma boa idéia, pois logo depois percebi que a razão do bamboleio que vinha sentindo não era a pedalada quadrada e nem ondulações do asfalto: minha mania de andar sem a tampinha do ventil fez com que sujeira ficasse acumulada na válvula, e após a calibrada no posto a válvula ficou com um vazamento microscópico, porém suficiente para me impedir de seguir pedalando. Como eu estava com meu traje "casual", além de não ter sapatilha, luva e capacete, obviamente não tinha bomba também. Obviamente, isso significou ter que empurrar a bici por mais de cinco quilômetros até a entrada da cidade. Obviamente, isso me deixou com raiva de mim mesmo, mas é bom para aprender que não basta ter pneus à prova de furos se a gente é ratão. De volta à cidade, já suado, cansado e com fome de novo, fui ao posto, calibrei decentemente o pneu, testando a válvula com um cuspe, e vendo que essa não apresentava vazamento dessa vez. Satisfeito com o resultado, e ainda com tempo sobrando, fui à quadra sintética, aquela onde houve a partida de futebol feminino na semana anterior, e comi mais um belo prato de espaguete à bolonhesa com queijo ralado, milho e maionese, um prato bem substancial pela bagatela de R$ 2,80 (sim, dois e oitenta!). Imediatamente após devorar o prato, fui até a sorveteria onde tem o açaí, e àquela hora sim, a prainha já estava bastante movimentada, com muitas meninas bonitas (devia haver homens também, mas não reparei) circulando para lá e para cá com suas roupas justinhas apropriadas à atividade física. A sorveteria estava igualmente cheia, e tive de pegar uma mesa mais afastada, na rua. Pedi o açaí de 500ml com rodelas de banana e castanha moída, e fiquei ali, comendo, lentamente para não doer a goela por causa do frio. Ao terminar, satisfeito, paguei no caixa e subi na bicicleta para ir ao hotel, quando ouço alguém chamar meu nome. Olho para trás e está o Caneschi, sorridente como sempre, descendo de seu jipe, acompanhado de uma amiga, para comer sua dose diária de açaí. Desci da bici e voltei à mesa, para bater um papo. Logo em seguida, chegou a Gil, e ficamos ali conversando. Ver o Caneschi comendo a deliciosa massa púrpura me levou a pedir mais uma dose, dessa vez de 300ml (me arrependi depois, quando essa acabou, devia ter pedido de 500 de novo... sério!). Não muito depois, chegou o Sérigio, que havia dado sua corrida vespertina já. Ficamos ali conversando, e foi quando aproveitei para fazer algumas fotos da turma reunida. Como no dia anterior, logo todos tiveram de seguir seus rumos, e fui pedalando ao hotel, tomei banho, assisti um pouco de TV, e nanei, que no dia seguinte haveria uma âncora no bagageiro para carregar.

Quinta-feira o despertador tocou cedo, mas a preguiça me levou a não sair tão cedo assim. O dia estava bonito, com bastante sol. Tomei o café e saí, sacolejando um pouco nos trilhos do trem e nas irregularidades do asfalto, embora já notando o efeito decisivo do extensor em volta dos alforjes, e desviando dos apressados e nada solidários motoristas, até ganhar a estrada novamente, indignado por ter achado finalmente o Panela Mineira, na saída da cidade, agora tarde demais (ou cedo demais para almoçar, hehe). Àquela hora, felizmente, o movimento de caminhões era bem menor que na véspera, e o pneu não havia murchado mais, de modo que o trauma foi vencido (temporariamente, mal sabia eu). Logo na saída, tem uma ponte por cima das comportas de uma pequena represa, algo bem interessante, ainda mais devido ao forte barulho de água devido à cheia do rio. A estrada depois daquele trecho que eu já conhecia melhorava bastante, ficando naquele longo sobe e desce com várias baixadas em reta, e acostamento suficiente para andar com toda a segurança. Antes de Divinópolis, parei para tomar dois sucos de pêssego com coxinha, que o dia estava quente e a hidratação é importante, assim como a alimentação nada light. Levei uns dez quilômetros para cruzar o perímetro urbano de Divinópolis, que parece ser uma cidade bem grande. Logo depois de passar por ali, onde fui cumprimentado rapidamente por um ciclista que me alcançara na estrada, fui cumprimentado por OUTRO ciclista que também me alcançara na estrada (assim é fácil, eu todo pesadão...). Ele se chamava Reginaldo, era mais velho que eu, e estava em uma Specialized bem legalzinha. Disse que dava aula de educação física em Itaúna e em Formiga, mas não conhecia nenhuma Gilvana (e aí, Gilvana, tem algum professor Reginaldo?). Ele me deu algumas dicas sobre como é a cidade de Formiga, meu destino do dia, além de dar algumas sugestões sobre as opções de almoço no caminho. Logo ele deu meia-volta, nos despedimos fraternalmente, e eu fui indo, esperando a fome e a canseira horrível se abaterem sobre minha carcaça. Isso aconteceu nas proximidades do Café do Motorista, uma das recomendações do Reginaldo, e foi ali que parei.
O restaurante servia prato feito, e eu pedi o meu com bife de porco, sentando ao ar livre. Para acompanhar, pedi um guaraná 600ml, mas me serviram um de 500ml, pois agora essa era a nova medida que eles estavam mandando. Perguntei se o preço havia baixado, o garçom disse que não, e comecei a considerar muito seriamente que devo diminuir o consumo de refrigerante, não por achar que ele seja ruim, mas para não mais compactuar com essa forma abusiva e mercantilista de obter lucro a partir da sede alheia. Isso não me impediu, entretanto, de pedir OUTRA garrafa de guaraná 500ml. Realmente, a sede transtorna as pessoas. Não consegui comer todo o prato, até porque há limite para o tamanho da voracidade de qualquer pessoa, e eu havia comido há não muito tempo. Remei e empurrei o que pude, e depois fiquei com a cabeça encostada na grade, parecendo um náufrago agarrado a uma tábua no meio do mar com sol a pino (eu estava na sombra, porém), com cara de cavalo moribundo. Ao todo, foram duas horas de parada, o dobro do meu intervalo normal de almoço em viagem, mas eu já aprendi faz tempo que temos que ouvir o corpo, e se ele quer ficar parado, fica-se parado, e fim de papo.
É claro que o descanso funcionou, e então de repente me levantei, paguei, escovei os dentes, enchi as garrafas de água e me mandei.
O trecho de estrada que peguei depois disso eu não recordo muito como era, só lembro que tinha sobe e desce constante, sol, pouco movimento de veículos, acostamento bom, e muitas vezes eu desci da bicicleta para empurrar, descansando as pernas e a bunda dormente. Em determinado momento, encostei a bicicleta em um barranco e fiquei sentado à sombra, no acostamento, olhando o movimento. Os motoristas que me viram ali devem ter pensado que eu era louco ou estava passando mal, mas na verdade eu estava muito satisfeito com minha condição marginal, digo, à margem da estrada, na sombra. Quando volto para pegar a bici, vejo consternado que o pneu dianteiro está vazio. Tento encher depois de desembrulhar a bolsa de guidão e pegar a bomba, mas vejo que o furo é ao redor da válvula, fruto garantido dos quilômetros em que empurrei a bici com o pneu vazio, mastigando a câmara. Retiro a roda dianteira com a bicicleta atirada de lado no capim alto, acho o furo ao lado da válvula, numa zona passível de remendo, e prefiro remendar o furo a trocar por uma câmara nova. A tarefa toda não durou muito, e foi bom me envolver em outra atividade, para descansar o corpo de pedalar apenas. Monto tudo, parafuso, guardo, amarro, procuro no chão pra ver se não ficou nada, e me mando, sentindo o pneu firmemente cheio sob minhas mãos, embora não tão cheio quanto antes, por precaução, mas com aquela sensação de que a invulnerabilidade foi definitivamente abolida, e de que dali pra frente a série frustrante de furos me seguiria até o fim da viagem, coisa que obviamente não tinha motivo para acontecer. Não muito depois, tive de parar novamente, por sede, em um povoado à beira da estrada, onde tomei duas garrafas de coca-cola (com minúsculas, em protesto), novamente assumindo a expressão de cavalo moribundo ao olhar para o vazio enquanto a química ianque se infiltrava em minha corrente sangüínea, para meu alívio.
Dali a Formiga não demorou mais muito, e se não me falha a memória cheguei lá abaixo de chuvisco. Parei em um posto antes da entrada da cidade, onde me recomendaram um hotel que fica perto da Faculdade. Desci pela BR, entrei à esquerda para a cidade, subindo uma comprida lomba. Lá de cima, vi a rua onde fica o hotel indicado, mas achei muito afastada de tudo, e preferi seguir até o centro, descendo pela avenida até a praça central, cruzando uma linha de trem (lá o trem também passa constantemente, como em Itaúna, e se bobear é o mesmo trem). Me indicaram alguns hotéis, e acabei escolhendo ao acaso, ficando no Hotel Bandeirante. Foi uma má escolha. O preço até que era bom para um quarto no térreo (sem escadas para carregar a bici) com banheiro e TV, pena que o quarto era pequeno e o banheiro era meio precário, pois o chuveiro só funcionava no inverno. Após o banho, atravessei a rua e jantei numa lanchonete em frente ao hotel. Ao olhar o cardápio, meus olhos pousaram logo no xis tudo, rapidamente indo para o xis tudo especial, e finalmente se acomodando no xis tudo especial super (sério, era esse o nome!), que foi o que pedi, acompanhado de um suco de polpa de manga. Quando veio o tal xis, me espantei com as proporções dele, pois era praticamente esférico, as duas partes do pequeno pão sendo eclipsadas pelo hamburger, presunto, bacon, calabresa, queijo, ovo, abacaxi (!) catupiry e outras frescuras do tipo, que faziam o avantajado sanduíche quase não caber no envelope plástico. Sem hesitar, pedi um prato e talheres, e mandei ver, pedindo mais um suco, dessa vez de morango (suco em lata e em polpa, de morango, é tri; em lata, nunca peça laranja e em polpa, nunca peça pêssego, pois não ficam bons depois do processamento). Fui ao hotel e então descobri por que não foi uma boa escolha. Na portaria, praticamente tive de pedir favor para passar, pois se aglomerava uma jaguarada, falando alto, e com cara de que estavam planejando algum assalto a banco. Da sala de TV provinham mais alguns decibéis de ladainha de botequeiro. Assisti um pouco de TV no quarto, mas quando tentei dormir o som da TV do vizinho (cuja janela dava para o corredor, assim como a minha, e portanto as duas ficavam de frente uma para a outra, e a dele estava aberta), juntamente com a quase interminável conversa de pessoas que iam dum lado pro outro do corredor e ficavam abrindo e fechando portas (dá até pra imaginar que se eu abrisse a porta subitamente veria todos fazendo barulho de propósito à minha volta só para não me deixar dormir...). Quando a zoeira do entra e sai terminou, aí foi a vez da TV do vizinho, com som de explosões, helicópteros, metralhadoras e coisas do tipo. Quando escutei (como não escutaria?) coisas como "no problemo" e "hasta la vista, baby", me dei conta de que se tratava do Exterminador do Futuro 2, e liguei então a TV para ver o filme, de que gosto, já que dormir não conseguiria mesmo. Assisti um pedaço do filme, com mais algum tiroteio (adoro a parte que ele chuta a mesa e aparece no alto do prédio com a metralhadora giratória, detonando os carros da polícia), mas já havia assistido o filme há pouco tempo, então me conformei e tentei dormir apesar de tudo, pois ouvia também os roncos do vizinho do lado e percebi que ele demoraria a abaixar o volume da TV. Em algum momento, peguei no sono.

Acordei na sexta com o despertador, que havia ficado carregando ao lado do ventilador (outra fonte de ruído branco que abafou um pouco a zoeira da TV do vizinho. O café até que era bom, com pão de queijo e tudo, e mais uma vez se confirmou minha recém-criada teoria de que os elementos que perturbam durante a noite nunca aparecem para tomar o café da manhã. Saí pela cidade para ir à LAN pegar o contato do Rodrigo Telles, que em breve me receberia em Franca, já que provavelmente na Serra da Canastra não deve haver muitos pontos de internet. Também aproveitei para comprar dois pares de pilhas, outro artigo precioso para o ciclista gepeéssico e fotográfico que percorre locais ermos e fotogênicos. Voltei ao quarto do hotel, arrumei tudo, e dei uma completada na calibragem do pneu. Ao empurrar a bicicleta para fora do quarto, percebi que ele estava murchando, e não era na válvula (teste do cuspe). Resolvi acabar com aquela palhaçada, paguei rapidamente o hotel, saí, e fui à garagem, onde substituí a câmara por uma nova, além de instalar uma fita de aro nova que trazia comigo (ahá!), e deixar a tampinha da válvula NA válvula... Na saída para a cidade, passei em uma loja e comprei outra câmara Kenda, a única marca que uso, por ser barata e boa. Cortei um pouco a série de perguntas que começaram a me fazer na loja (tenho que melhorar meu humor para conversar com as pessoas, mesmo quando atrasado e com coisas a resolver, isso pode estar prejudicando minha imagem como cicloturista...) e me mandei. Os primeiros trechos da estrada apresentam muitas placas falando da represa de Furnas, do parque Furnastur, pois ali está a represa de Furnas, uma das maiores do país que eu saiba, e a região é conhecida como o Mar de Minas, afinal estamos muuuuito longe do mar. Pelo que deu para entender, antes de ser um piscinão de Ramos, ou apesar disso, lá é um lugar que deve ter dúzias de condomínios, marinas, rampas para barcos e coisas desse tipo. Coisa chique. Com toda a função de tarefas e atrasos, logo senti fome, e parei para almoçar no Estância Gaúcha, onde a comida era mineira, e pude comer coisas leves, como feijão tropeiro, torresmo, banana à milanesa, dobradinha, costela na panela, massa e um suco de laranja. Depois de pagar, aproveitei uma sombra em um canto do enorme estacionamento para tirar uma sesta, me deitando sob as árvores, tentando encaixar os ossos nas concavidades mais confortáveis do piso de paralelepípedo, esperando a comida baixar e o ânimo subir.
O dia estava de fato bastante quente, e eu ia indo, pedalando, vendo se aproximar uma serra bem considerável, embora não pudesse ser a serra da Canastra, e o sobe e desce era constante, pior ainda que a estrada era reta, então ao chegar no topo de uma descida dava para ver lááá longe a enorme e contínua subida. Isso se repetiu algumas vezes, muitas vezes eu empurrei a bici, e a maior dessas baixadas era na cidade de Pimenta, última cidade antes de Piumhi, às margens do lago de uma pequena represa. Ali, parei para tomar um guaraná e encher as garrafas de água, estando com bastante calor. Faltavam ainda uns 15km para o fim do trecho do dia, e quando me senti melhor fui adiante, fazendo força mas andando devagar, acho que pelo calor e pelo cansaço.
Nessa vidinha de sobe e desce, em um certo momento, depois de estar já contornando a serra que estava agora bem próxima (confesso que fiquei com medo ao ver que a estrada seguia diretamente para ela, mas na última hora ela fez uma curva), senti um cheiro característico de uva madura, mas lembrei que ali não tem uva, e imediatamente lembrei que sentira o mesmo cheiro ao passar por uma mangueira alguns dias atrás. Era uma subida, e eu imediatamente freei e olhei em volta, para achar satisfeito uma enorme mangueira, com várias mangas amassadas ao pé da árvore, e mais mangas ainda penduradas nos galhos, a maioria verdes.
Fui até ali, encostei a bicicleta no rodapé da estrada (ou algo que serve como rodapé, enfim), e comecei a busca. No chão, só mangas muito passadas e já roídas de bichos, e na árvore, à primeira vista, só mangas verdes. O trecho da estrada era uma forte lomba com boa visibilidade acima e abaixo, então eu periodicamente tinha de olhar para os dois lados, antes de começar a percorrer a periferia da árvore, procurando possíveis vítimas, e havia algumas. Desenvolvi a óbvia técnica de pegar as mangas caídas que não estivessem muito moles, e atirá-las na árvore, para derrubar as mangas potencialmente maduras (e, sempre, mais algumas que não tinham nada a ver com a história, mas que acabavam virando lanche, ou munição). Rapidamente desisti de manter as mãos limpas, e descobri que é bem fácil descascar a manga a partir da ponta, usando os dentes, como se ela fosse uma banana. Fiapos no dente, ficaram vários. (referência musical: joelho de porco - mardito fiapo de manga "Debaixo daquela mangueira..."). Os motoristas passavam, caminhões voavam, muitas vezes aproveitando a reta e a descida para ultrapassarem-se uns aos outros mutuamente, e eu ali, feliz por estar em um veículo que, apesar de cansativo, me permitia enxergar mangueiras e parar para comer seus frutos. Depois de saciado (não completamente, mas achando que já não valia a pena o esforço adicional), lavei as mãos usando a eficiente técnica de colocar a caramanhola, com o bico puxado, entre os joelhos, apertando com as pernas e aproveitando os pingos. Subi na bicicleta, dei tchau para a mangueira e agradeci, e segui viagem, que Piumhi estava a dez míseros quilômetros, que foram pedalados com a costumeira sofreguidão, diminuída um pouco pelo sol que já estava um pouco mais baixo. Entrei na cidade, e após pedir informação daqui e dali (alguns senhores também começavam a me fazer um monte de perguntas, e teimavam em responder minhas próprias perguntas da maneira dispersa e imprecisa que é característica do pessoal daqui), optei por ficar no hotel Caiçara, uma ótima escolha. Entrei no hotel com aquela cara de "me dá um quarto bom, logo", e fiquei num quarto simples porém espaçoso, com pia, duas camas, e espaço para três bicicletas até. A senhora que me atendeu foi atenciosa, e enquanto me ajeitava para o banho ela ficava circulando cantando e assobiando pelos corredores, que figura. Vi que na sala de TV estava uma morena daquelas que faz a fama de Minas: atirada no sofá de bruços, abraçando um dos braços do sofá, deixando uma das pernas cair quase até o chão, morena, cabelo liso, tipo uma Luisa Brunet mais jovem, mais "fortinha" e mais escura. Só deu alguns desdenhosos olhares em minha direção, enquanto eu preenchia a ficha do hotel, respondendo as perguntas da recepcionista distraidamente. Mulher que sabe que é bonita é fogo.
Fui então tomar o tal banho, que incluiu lavagem de roupas. O sol atingia a janela do banheiro, e deixei a lâmpada desligada, uma das vantagens de se tomar banho de tarde (não sei por que, mas acho que fica um clima mais legal no banheiro com luz natural). Ao sair do longo banho, pude fazer algumas fotos do pôr do sol, a partir da janela do meu próprio quarto. O céu estava bastante limpo, mas havia aquelas nuvens avermelhadas para dar um efeito. Fui à recepção, onde a morena já não estava mais, e me informei com a tia assobiadora da recepção, sobre lugar para jantar. Da sacada do hotel, onde estávamos, vi várias beldades passando, inclusive um triozinho de bicicleta, naqueles trajes típicos de fitness que caem tão bem às meninas. Acabei indo jantar no Bola Branca, um comercial com arroz, feijão, três tipos de salada, bife, batata frita, em quantidades impossíveis de comer tudo. Acompanhando, suco natural de limão. Saí muito satisfeito, e fui ao hotel fazendo um zigue-zague por entre as ruas, vendo se achava algum movimento. Entrei no Hotel com aquela conhecida sensação que provém da certeza de estar perdendo algo, de, apenas por detalhe, não saber onde fica o local secreto onde todas as gatinhas da cidade se reúnem para tomar suco natural e ficarem comentando como a vida é monótona nesta cidadezinha, e que seria muito legal se aparecesse um cicloturista gatão e cheio de novidades para contar. Como isso nunca acontece, me conformei e fui assistir novela. Para minha surpresa, a morena aquela estava lá, com sua mãe (que obviamente estava sentada em um local que ficou bloqueando minha urubuservação). Enquanto assistia a novela, podia apreciar discretamente as pernas morenas, o pé bem feitinho, o perfil de Luiza Brunet, o cabelo absolutamente escuro e liso. Alguns magrinhos magalescos passaram na rua com o som do carro a toda, tocando o pior tipo de música possível, e a morena já se requebrou todinha, enquanto mantinha os olhos fixos na televisão (safada! pensei... deve ser a locomotiva do Bonde da Maria Gasolina...). Quando começou o Globo Reporter, me desinteressei de televisão, e quando levantei para dar boa noite, a morena se levantou também, e olha, era uma senhora morena, ao menos em estatura. Durmamos, pois, lá fomos nós, cada um pro seu quarto, claro, sem trocar uma palavra, claro. Deixei as janelas abertas, e a ventilação natural da noite estrelada permitiu um sono tranqüilo.

Outro dia, sábado, acordei sem muita pressa, pois a previsão era de no máximo 70km até Vargem Bonita, já na Serra da Canastra, com possíveis trechos de estrada de chão. Fui tomar café, aproveitando para comer bastante e levar no bolso um pão com margarina e doce de goiaba. Pude ver passar, pela última vez, a bela morena, que pra variar estava com a mesma roupa da véspera, uma blusa e uma saia frisada, ambas não muito longas. Após o café, botei a roupa já quase seca, e fui ao supermercado comprar pilhas, já com a bicicleta pronta e todo fardado. Por muito, mas muito acaso, o porteiro do hotel de Formiga estava entrando no mesmo supermercado onde escolhi entrar, e ele me falou assim como quem não quer nada: "não era você que estava no hotel em Formiga? Esqueceu o carregador do telefone lá". Na hora, o mundo caiu. Puuuta merda, e agora, eu precisava do telefone para ligar para Deus e o mundo, e era um maldito Samsung que ninguém tem o carregador, e eu estava de bicicleta, já de saída lá pro quinto dos infernos, e Formiga ficava láááá atrás de um monte de subidas horríveis, e eu ia perder o dia de viagem, morrer pedalando, e um carregador novo, se eu conseguisse achar, seria muito caro, certamente, que merda, por que eu sou tão trouxa, como é que eu esqueço um troço desse, e se fosse o GPS, ou a máquina, só não esqueço a cabeça porque tá presa, e assim prossegui a torrente de raciocínios que envolviam auto-culpa, auto-raiva e alta desorientação. Peguei o telefone do hotel e já ia indo para o orelhão, quando resolvi abrir mão da economia e pelo menos tentar descobrir o preço de um carregador de telefone. Depois de alguma pesquisa, onde novamente me desvencilhei de maneira bastante pouco polida das perguntas que os transeuntes faziam sobre de onde eu vinha, pra onde eu ia, por que meu cubo era tão grande, se minha bicicleta era de corrida, se eu tava dando uma pedalada por aí, etc. Uma pena, muito simpático o povo lá, mas já deu pra ver que o tipo de gente que pára pra conversar são os mais jaguara possíveis. Entrei numa loja lá de acessórios, e ela não só tinha o tal carregador (genérico, é claro, tomara que não queime meu telefone), como este custava míseros R$ 15,00, mais barato do que passagem de ônibus de ida e volta a Formiga. Surpreso com a facilidade com que meu drama havia se resolvido em quinze minutos, comprei mais um par de pilhas alcalinas, e tomei meu rumo para Vargem Bonita, já passadas onze da manhã.
O asfalto para lá é novo (o trecho de chão felizmente não existe mais), bom, e o trânsito é mínimo. Ao longo do inicialmente suave sobe e desce da estrada, pode-se ver no horizonte o degrau formado pela borda sudoeste da Serra da Canastra, que ocupa boa parte do horizonte, formando uma barra verde-escura empalidecida pela distância. As margens da estrada estão repletas de plantações, em sua maioria cafezais, e a povoação é mínima. Em um trevo lá adiante, parei para tomar dois sucos em lata e pedir informações, e ao saber que para São Roque de Minas (na verdade, meu destino inicial) eu teria de andar mais longe e subir mais lombas, preferi seguir para Vargem mesmo, que aliás ficava mais próxima da cachoeira da Casca D'Anta e da estrada de terra por onde eu continuaria viagem. Não muito depois desse trevo, passei por uma ponte em reforma (talvez devido às cheias deste ano), que ficava no fundo de um vale. Ali começava um trecho com subidas e descidas longas, que me cansaram bastante. Ali também fiquei pasmo, pois logo após a ponte, na subida, achei várias latas de refrigerante jogadas no acostamento, e estavam inteirinhas, limpinhas, era coisa recente de gente muito porca, provavelmente enquanto esperavam a liberação da pista durante alguma obra na ponte. Mesmo lá no meio de outras estradas onde seria inimaginável alguém jogar lixo na estrada, vi muito disso, latinha, saco de salgadinho (geralmente é comida que não presta, ainda por cima). Uma pena, realmente. Não juntei tudo porque estava de bicicleta, e infelizmente ficava pouco prático para mim consertar o erro alheio, naquele momento.
A cada quilômetro que passava, a estrada ficava mais sádica, e depois de passar em um povoado em cuja entrada havia duas placas, cada uma delas dizendo "bem-vindo a tal lugar", e cada placa dava um lugar diferente, ambos diferentes ainda do nome que aparecia no GPS, peguei uma subida de matar, onde empurrei a bicicleta em uma velocidade sub-lesma-tetraplégica, com o rendimento já muito comprometido pela falta de almoço, deviam ser mais de três da tarde já. E assim fui indo, a uns dez quilômetros da Vargem tomei uma chuvarada refrescante e ensopante, fui moendo os quilômetros um a um, com a serra já não tão longe sendo rapidamente engolida pela parede de chuva que passava. O último quilômetro e meio é uma descida animal, semelhante à que leva a Urubici para quem vem por São Joaquim, onde mesmo com piso molhado atingi uns 75km/h. Ao entrar na cidade, as placas: "ponte sobre o Rio São Francisco" e "bem-vindo a Vargem Bonita, a primeira cidade banhada pelo Rio São Francisco". Legal.
Subi pela outra margem, uma rua íngreme, no topo da qual havia um mercado com um monte de gente na frente. Parei para pedir informação, e o tamanho minúsculo da cidade diminuiu minha rabujice, levando-me a responder longamente de onde eu vinha, pra onde eu ia, etc, etc. Me indicaram algumas pousadas, e também a loja Baú de Lendas, de artesanato, onde eu poderia encontar panfletos e folders sobre o parque. Fui até lá, vi algumas fotos, pedi algumas informações ao rapaz, e como sempre os pontos indicados eram os mais manjados, as fotos que eu mais gostei eram de cachoeiras difíceis de achar, de acesso proibido, ou longe pra burro. Vi que a coisa não ia ser fácil por lá. Um cara que estava por lá, ao confirmar que eu era cicloturista, me perguntou se eu não conhecia o Vander, assim como se o Vander morasse no mesmo prédio que eu. Disse que não conhecia, aí ele explicou que era um chileno que veio até São Paulo, que ele tinha um site, recomendou que eu desse uma olhada... É uma pena que os cicloturistas não formem uma comunidade TÃO coesa, ao menos ainda não, mas é curioso ver como os ciclistas ou aqueles que têm algum conhecimento de cicloturismo acham que sim. Me despedi, depois de responder algumas perguntas inevitáveis sobre a bicicleta, o mais gentilmente que pude, e fui procurar as tais pousadas.
Fui direto à pousada Savana, numa esquina da praça. Casa minúscula, me atendeu uma senhora baixinha e gordinha. Estavam lá dentro também uma moça com uma criança pequena no colo. Ela mostrou o quarto, disse que era quinze, ops, vinte, e eu vi que ali eu não ia ser feliz, disse que ia ver, ia pensar, e me mandei. Desci a rua pela mesma calçada, e chamei na janela da Pousada São Francisco, onde ninguém atendeu. Uma moça baixinha passava pela rua, e eu perguntei onde andava o pessoal da pousada. Ela disse "a essa hora não tem ninguém aí não" "e tu sabe quando volta, ou como posso fazer pra achar?" "sei não", e ficou me olhando, sorrindo, indiferente à minha óbvia desorientação e necessidade de ser ajudado. Ultimamente em Minas tenho notado isso, tu pergunta alguma coisa, eles respondem e deu, não complementam, não sugerem, nada. Deve ser resultado das origens portuguesas, dizem que em Portugal é pior. Fui ao hotel Aconchego Canastra, muito bonito, fui bem atendido, só que a diária era quarenta reais, muito para mim que pretendia dormir três noites e estava com o capital contadinho, numa cidade sem Banco do Brasil. Quando estava já puto da vida, tendo desabafado um pouco com o cara do hotel, que me advertiu que por aqui o atendimento era assim meio simples ("simples não, é precário! Simples é outra coisa", retruquei prontamente, mas o cara do hotel ao menos já tinha visto que eu estava cansado e achou meio engraçado), resolvi fazer um lanche na padaria, pois não havia bar, nem janta, nem restaurante, nem nada por ali, onde tudo fechava cedo e as pessoas se alimentavam da brisa do anoitecer. Comi tremulamente uma coxinha e um litro inteiro de iogurte. Fui atendido por uma moça magrinha, com uma expressão de cachorro com fome, mas até meio bonita, com olhos grandes com cor de água de rio depois da chuva (ou seja, castanho claro, mas um castanho diferente dos outros, um tom muito forte e difícil de ver por aí). Já alimentado e minimamente mais lúcido, fui à tal pousada São Francisco novamente, e estava lá a tal da dona, que o cara do hotel me disse ser a dona Mariana, mãe do prefeito da cidade. Fui lá, ela me atendeu direitinho, disse que todos os dias de segunda a segunda ela servia almoço e janta, pois fazia comida sob encomenda para a Companhia Elétrica de Minas Gerais, que andava fazendo obras por lá. Me levou para ver os chalés que ela aluga, por quinze reais a diária, na verdade são apartamentos com banheiro e televisão, bem simples sem chegar a ser precário, nos fundos de um terreno à beira do rio São Francisco (não se enganem, naquele trecho o São Francisco é pouco mais que um riacho). Vi que tinha me dado bem, fiquei num lugar onde teria comida boa e barata, e acomodação ampla e tranqüila. A dona Mariana deu uma ajeitada lá no quarto, trouxe toalha, sabonete e roupa de cama, e se mandou. Tomei um banho, lavei roupa, e quando já era perto de sete horas subi para jantar, que depois das sete ela e as funcionárias se mandavam e fechavam tudo.
Eu nem estava com muita fome, mas a comida era bem boa, feijão, arroz, farofa de carne, mandioca, vagem, essas coisas. Me servi direto no fogão, ocupei um cantinho da mesa, peguei uma garrafa de água na geladeira, e mandei ver. Acabei repetindo duas vezes, mas isso só porque o prato, apesar de fundo, era meio pequeno, hehe. Saindo dali, fui pro quarto, onde ajeitei poucas coisas, vi um pouco de TV, e logo fui dormir. Tive de levantar umas duas vezes para matar bichos voadores que entraram enquanto deixei a janela ou a porta aberta com a luz ligada, mas exceto por isso o silêncio era absoluto, e dormi muito bem, pretendendo levantar cedo no outro dia para visitar a Cachoeira Casca D'Anta, uma das maiores do país.

Mas essa história, e outras, só conto amanhã ou depois, pois estou já de saco cheio de escrever, e pretendo sair para jantar e dar uma volta rápida, pois faz uma cinco horas ou mais que tou na LAN. Tudo para os meus queridos leitores. Um abraço a todos, e até breve!

Monday, January 15, 2007

Dia 42 - Itaúna, MG - 2.660km (4)

Caros colegas

Acordei cedo mesmo, às cinco e quarenta, para me arrumar para ir para a trilha. Como fui dormir cedo, não foi difícil, e a emoção de uma pedalada aumenta a disposição, também. Me surpreendi positivamente com a descoberta de que o café da manhã era servido a partir das seis, então pude poupar meus mantimentos comprados na véspera - iogurte, cuca e roscas de polvilho. O café da manhã do hotel era bem completo, com molho de cachorro quente, banana, roscas, café com leite, pão... Comi o suficiente para pedalar até a hora do almoço, terminei de me fardar e separar a tralha, e fui até o posto de gasolina, chegando lá às seis e meia, que era o horário combinado. Logo já chegaram aos poucos os outros ciclistas, e enquanto aguardávamos vários se deitaram no chão, para cochilar um pouco.
A pedalada seria até o topo do Morro do Elefante, na cidade vizinha de Mateus Leme. Saímos pedalando pelo asfalto, fazendo várias voltinhas por dentro da cidade, atravessando pontes estreitas e trilhos de trem. Ao chegarmos na estrada de chão, inicialmente plana, muitas poças de água enlameada, das quais o grupo ia se desviando, sempre pedalando em um ritmo bom, sendo necessário também desviar dos respingos daqueles que escolhiam um caminho com muitas poças de água. Algumas paradas para esperar após as primeiras subidas, iniciamos a parte com morros mais íngremes, pelo meio de várias fazendas e sítios da zona rural. Havia muitos mata-burros ali, e era necessário cuidado porque em Minas a parte central do mata-burro não é gradeada, e quem passar por ali cai com bicicleta e tudo dentro de um enorme buraco. A noite de sono e o café reforçado fizeram efeito, pois nas subidas eu me sentia muito bem, forçando bastante e várias vezes andando bem na frente. Nas descidas, muita emoção devido a muitas erosões cheias de pedras, e curvas com pouca visibilidade. Eu, estando de garfo e pneu sem garras, até que não deixei de abusar da sorte, mas nada de mau aconteceu, ainda bem. A última subida antes de Mateus Leme era bem íngreme, e a última descida era mais íngreme ainda, com a maior parte do trecho coberta com calçamento. Chegamos a Mateus leme com uns 30km rodados, às onze da manhã, cansados, famintos e com o saldo de um tombo, um câmbio e uma gancheira empenados, um raio estourado e alguns pneus furados (nada disso aconteceu comigo, ufa!). Paramos em uma padaria onde eu tomei suco de pêssego em lata, Energil (um Gatorade genérico) e um pão de queijo. Os amigos tomaram e comeram de tudo, também, e depois de darmos um tempo sentados à sombra, fomos para o tal morro, que pode ser avistado da cidade, tendo 400m de altura da base.
Logo no início da subida, o Márcio (o cara que levou o tombo teve uma contusão na perna) desceu da bici e foi empurrando, acompanhado por outro amigo que não lembro o nome. O Juninho e o Sérgio se tocaram na frente, e eu fui indo pelo meio, pedalando em um ritmo relativamente forte, mas parando de tempos em tempos para descansar e esperar. Depois de várias rampas íngremes, curvas fechadas e até trechos de calçamento, começou uma garoa que depois virou uma chuvarada, com vento frio, que me acompanhou até o topo, onde me abriguei junto com o Sérgio e o Juninho, que haviam chegado bem antes, sob a marquise de uma capelinha. Logo a chuva deu uma aliviada, mas não foi possível ter uma vista panorâmica legal de lá, apesar de que mesmo a vista parcialmente encoberta que tivemos já era bastante bonita. Lá de cima deveria ser possível avistar até Belo Horizonte, droga... Não há de ser nada, a pedalada e a companhia valem à pena. Depois de retirarmos o câmbio do Márcio (que o jogou no lixo) e encurtarmos a corrente, iniciamos a descida, ainda abaixo de chuva. Me aproveitando do chão úmido e dos dedos enrijecidos de frio (não estão acostumados com isso...), disparei na frente, fazendo curvas em alta velocidade e dando umas freiadas animais, isso sim é que é diversão. Parei lá no meio para esperar o pessoal, pois havia a entrada de uma trilha por ali.
A trilha, sugestivamente chamada Trilha do Rodo, começava com um trecho muito liso, de barro limoso, onde muita gente deu sua esquiada, alguns de bunda. Em seguida, a trilha se transformava em uma calha gigante (resultado de muito tempo sendo percorrida por motos, provavelmente), cujo piso úmido e cheio de raízes estava situado vários palmos abaixo do solo ao redor. A trilha ia serpenteando, e eu me sentia como se estivesse em um toboágua natural, onde ao invés de água e fibra de vidro havia lama, raízes, árvores e pedras, sempre em descida. Logo ali embaixo, saímos na estrada, que agora estava bastante escorregadia, o que rendeu tombo ao amigo cujo nome eu não lembro. Mais abaixo, entramos em outra trilha, mais estreita e escorregadia, onde foi minha vez de abrir o espacato por cima da bici. Vale lembrar que eu estava de paralamas, e isso tornava necessários alguns cuidados para não embolar tudo. Mas valeu a pena levá-los, pois fui o único a terminar o passeio com a bicicleta e a roupa sem barro.
Chegando de volta à cidade, com o corpo sujo e a alma lavada, o famindo Juninho nos levou até um restaurante, onde logo me acomodei em frente a um enorme prato cheio de saladas, massa, lasanha, torresmo, bife empanado... Comi pra caramba, e a comida estava verdadeiramente deliciosa, por um preço módico. O Juninho e o Márcio me acompanharam, sob o olhar espantado do Sérgio, que não entendia como era possível encher a pança antes de pegar a estrada de volta. Eu é que não entendo como é possível pedalar SEM encher a pança de nutrientes. Saindo dali, fomos a um posto de gasolina, onde enchemos as garrafas de água e colocamos óleo nas correntes, tomando o asfalto em direção a Itaúna, em um ritmo semi-forte, já que nosso amigo Márcio estava com uma marcha só. Ao chegarmos, já na cidade, uma grossa pancada de chuva. Paramos sob uma marquise para nos despedirmos do Márcio, e aproveitei para entrar sob uma calha, tomando um banho para tirar o suor, a podridão e a canseira do corpo, sob o olhar de espanto dos amigos. Dali, fomos seguindo, e o Sérgio me apontou a direção do hotel. Antes de chegar ao hotel, ainda parei em um posto de gasolina, onde peguei emprestada uma mangueira para lavar as rodas e a corrente da bicicleta, assim como as luvas.
Chegando ao hotel, um longo banho, durante o qual lavei todas as roupas. Depois do banho, algum tempo torcendo e estendendo tudo ali por dentro, por cima da bicicleta, na cabeceira da cama, em um cabide, para depois ir à LAN escrever bastante, papear e olhar a previsão do tempo. Jantei no Sandoval e fui pro hotel, desistindo de ir ver o movimento na Prainha, pois estava cansado e preferi ficar vendo o resto do Fanático Show da Vida e do Big Bronha Brasil antes de nanar.

Agora, veremos se aparece alguma outra atividade emocionante por aqui, pois confesso que o instinto de levantar acampamento e sentir novamente o vento na cara e o peso dos alforjes está aflorando com força. Isso vicia, minha gente! Abraço a todos!

Sunday, January 14, 2007

Dia 41 - Itaúna, MG - 2.656km (+/-60)

E aí, galera!

No outro dia, quinta feira, como era esperado, fui acordado bem cedo para tomar café e nos mandarmos logo, já que a loja do Luciano tinha que ser aberta, então depois de um rápido desjejum à base de pão e café com leite, nos mandamos eu e o Júnior, de bicicleta. Eu achei que deveria ter sentido de forma mais nítida a diferença por estar andando sem a tralha na bike, mas acho que talvez tenha descansado menos do que deveria. Chegando à loja, que não fica longe da casa, ajudei o Juninho (modo como o Júnior é chamado) e o Virgílio (seu fiel escudeiro na oficina) a abrir a loja, varrer a calçada, colocar os suportes de bicicletas usadas na rua, tirar todos os cafões de dentro da loja para colocá-los no bicicletário formado pelos três suportes em frente à loja, e era isso. Fiquei lá conversando com os dois mecânicos, indo ao balcão para falar com o Luciano e com a Micaela, que é uma menina que trabalha lá como caixa e faz-tudo (quase tudo, não me entendam mal). Entraram alguns clientes, e entre eles fiz amizade com o Sérgio Eloy, um guri de dezesseis anos, de pele, olhos e cabelos inusitadamente claros, bastante camarada e muito falante, com um forte sotaque mineiro (aliás, caso não tenha comentado, quase todo mundo lá tem um FORRRTE sotaque mineiro. Coisas como "uai" e "sô" DE FATO existem, mas não ouvi ninguém falando "uai, sô", assim como pouca gente fala "barbaridade, tchê" no Rio Grande). Na hora do almoço, me recomendaram o Sandoval 24h, uma lanchonete/restaurante/espeluncão que, obviamente, funciona sem interrupção, e onde são servidos alimentos a preços e condições populares. Pedi um PF que veio meio pequeno: arroz, feijão (me deu um susto, por estar totalmente escondido embaixo do arroz. Parece que aqui gostam disso), um tiquinho de salada, um tiquinho de batata frita (tiquinho, em Minês, é pouquinho), e um saboroso bife. Acompanhava (sem custo) uma garrafa de um litro de água parcialmente congelada, dessas PETs de refrigerante que são indefinidamente recicladas para esse fim. Até que era gostoso, mas saí de lá com a sensação de que faltou volume. Voltei à loja e continuei mais um pouco naquela de ficar vagando por ali, olhando o ambiente, pensando em usar o computador... O que aliás, não foi possível, pois o Luciano é um cara esperto e passa bastante tempo na frente do PC fazendo pedidos de peças, respondendo emeios, utilizando internet banking. Continuei por ali, mas rapidamente as opções de distração sumiram.
Ao perceber que havia ficado sem ter o que fazer, fui catar uma LAN house (que é a mesma desde que cheguei a Itaúna, deixo até créditos na casa para usar depois, 1,50 por hora). Muitos emeios li, scraps respondi, previsões de tempo olhei (o que não foi muito otimista), MSNs furunguei, até post para o blog escrevi. Conversei com a Gilvana por ali, e ela combinou de passar lá na loja no fim da tarde, para fazer algo. O restante da tarde foi gasto na loja, vendo a tarde passar. Quando a Gil apareceu, fomos de bicicleta até uma quadra de grama sintética onde se joga futebol, já que na quinta-feira é o dia do futebol das mulheres. Nos acompanhou, também de bicicleta, a Elenice, mãe do Juninho e amicíssima da Gil, e lá fomos nós. Lá funciona também uma lanchonete, e sentamos em algumas cadeiras de plástico em volta de uma mesa, enquanto aos poucos chegavam mais e mais meninas, a maioria com o tipo físico unânime da região: olhos e cabelos escuros (estes geralmente lisos ou ondulados), pele morena. Loiras são bem raras, o que de forma alguma diminui a proporção de mulheres bonitas na população daqui, que é bastante agradável. Quando o jogo começou, logo convenceram a já cansada e sonolenta Gil (que anda sendo "sugada" pelo trabalho ultimamente) a jogar também, e pude acompanhar por algum tempo a clássica cena de dois times jogando, mas poucas pessoas se matando de correr atrás da bola, e outras apenas acompanhando o movimento e contando com o acaso, que é o que sempre se vê nesses jogos. Mesmo assim, houve vários lances engraçados, como chutes a gol onde a bola foi para fora, mas o tênis foi para dentro. Vale notar que os goleiros eram homens, por uma provável questão de cavalheirismo. Quando o jogo acabou, eu estava no meio de um gostoso e barato prato de espaguete, com molho de tomate, carne moída, milho e queijo ralado. Uma bela janta.
Acompanhei a Gil e uma amiga de bicicleta até a esquina da casa dela, e segui para casa. Lá chegando, conversamos um pouco, nós três, ao som de um DVD da cantora Dido, que extraía elogios do seu mais fervoroso fã mineiro (o Luciano, claro). Ao sentirmos uma tardia fominha, resolvi dar o golpe de misericórdia nos meus velhos companheiros gastronômicos de viagem: o já bastante desidratado queijo, enrolado em meia toalha de mesa de papel que peguei em Itariri-SP, dois amassados pães da espelunca em Taubaté-SP, e a copa e a goiabada, compradas junto com o queijo em Curitiba-PR. Usei cada um dos pães como se fossem uma fatia, cortei duas seções do queijo, espremi um grosso fio de goiabada, e mandei ver o sanduichão, regado a uma caramanhola inteira de Toddy feito com leite em pó. Para sobremesa, copa, da qual só foi possível extrair o miolo, pois a superfície externa estava esverdeada e coberta pela característica camada de provavelmente inofensivas bactérias. Felizmente, me livrei dos volumosos e pesados restos de comida, e de agora em diante não mais os comprarei, pois concluí que esse tipo de dieta é muito bom para dois ou três dias de desbravamento em lugares remotos, onde a fome é muita, a disponibilidade é pouca, e a necessidade planejamento dietético de longo prazo é mínima. Em outras palavras, ninguém agüenta comer aquela ração por muito tempo. Não muito tarde, fomos dormir, ao som de uma rádio que tocava (em volume baixo, fui lá baixar) os grandes sucessos do passado. Música de bom gosto, que embalou minha mente enquanto minha ressacada carcaça jazia imóvel sobre o colchão, descansando. Pena que, mal sabia eu, aquele sono me faria falta.

No dia seguinte, sexta-feira, não poderia ser diferente: tocaram as cornetas do quartel, e lá fomos nós comer comer, e em seguida pude variar um pouco minha rotina, fazendo exercícios para os braços ao ajudar a descarregar um reboque de toras de eucalipto e recarregá-lo com telhas de barro, dessas tipo calha que se usa para assar e cozinhar coisas. Até que não me saí mal, para um ciclista, mas suei como um jegue com o sol do azulado dia e vi que o calor não seria pouco. Fomos para a loja, eu e o Juninho de bicicleta, e desta vez eu estava devidamente fardado, pois havia combinado com o Sérgio de dar uma pedalada à tarde, até o alto do Morro Bonfim. Ajudei a abrir a loja como no dia anterior, e em seguida apareceu um guri lá, o Faber, todo equipadinho, perguntei ao Juninho sobre ele, e acabamos saindo para dar uma pedalada, indo até o topo do Morro do Bonfim, o ponto culminante da zona urbana de Itaúna (talvez do município todo), cuja subida é muito usada para treino. Lá fomos nós, e depois de uma rápida passagem pelo trecho urbano, pegamos uma subida daquelas que todo o ciclista, menos os doentes mentais (e há vários) odeiam: íngreme, com piso de cascalho sulcado por algumas significativas erosões, e curvas que sempre revelam mais subida. Assim fomos nós, ninguém querendo fazer feio para o outro, socando pedal lomba acima. Chegamos lá praticamente juntos, mas eu estava bastante cansado, definitivamente não nasci para acordar cedo, sem falar que o calor não era pouco, e a suadeira vertia de nossas carcaças. Lá de cima, avista-se a cidade inteira, que até não é tão pequena, não. Fiz algumas fotos, onde apareci pela primeira vez com a camisa que ganhei do Luciano, naquele mesmo dia, uma camiseta de ciclismo com a marca da loja (que depois descobri que todo mundo usa por aqui). Condição: vesti-la imediatamente e usá-la sempre (o que acabei descumprindo no domingo porque ela é bastante quente, apesar de secar inexplicavelmente rápido depois de lavada). De qualquer forma, é uma bela camiseta e guardarei e usarei com muito carinho durante e depois de minha volta para casa.



Depois de satisfazer o anseio contemplativo e deixar sair o ácido lático dos musclinhos, baixamos o banco e socamos a bota na descida. Após um trecho veloz e por vezes assustador no saibro (onde fiquei aliviado ao ver que meus pneus de uso misto se saíram bem), pegamos um trecho de single-track com muitos galhos no rosto e pedras no chão, onde fez falta uma suspensão, e onde a possibilidade de capotar existiu, mas foi controlada. Algo que deu uma boa adrenalina.
De volta à loja, nos despedimos, e fui para a oficina. Após uma frustrada tentativa de ajudar a raiar uma roda (acontece com os melhores pseudo-mecânicos), dei uma rápida passada na LAN, e depois, como combinado durante o futebol feminino, fui almoçar com a Elenice, que me levou à Casa Nobre, com buffet (ops, "self-service") bem caprichado, comi um pratão e depois peguei vários pedaços de laranja para comer e fazer as vezes de suco. Depois do almoço, uma passadinha na LAN (tão perto, tão barato, tão tentadora), e voltei para esperar o Sérgio, que havia combinado de passar lá para treinar.
A tarde passou mantendo um calor sufocante e céu limpo, com muito sol, de modo que imaginei que o atraso do Sérgio (chegou depois das quatro) fosse devido à preguiça e ao calor. Como a Gil disse que passaria na loja para dar um oi, combinamos de transferir o treino (uma nova subida ao Bonfim) para mais tarde, com o sol mais baixo, plano que obteve a adesão do Juninho. Ao ser fechada a loja, fomos à casa dele pegar o material ciclístico, e depois fomos ao morro. Mal sabia eu que aqueles dois doentes são viciadinhos que não conseguem andar a menos de trinta por hora, e todo o percurso entre a loja, a casa e o pé do morro foi feito com o pé no fundo, o que me deixou quase com a língua de fora. Percebi que a magia da ausência dos alforjes estava sob o efeito de alguma criptonita (sonolenta), ou então os dois (ambos com dezesseis anos) são uns demônios, pois mesmo na subida mais íngreme, eles se mandaram na frente. As sucessivas curvas me permitiam ainda ver os dois se afastando, afinal eu não podia fazer tão feio, mas cheguei entre um e dois minutos atrás. Depois de um tempo para descanso e contemplação rápida, fomos para a trilha DO OUTRO LADO do morro. Vi que eles abaixaram muito o banco, e senti que lá vinha bomba. De fato, o chão arenoso com aquela vegetação grossa e áspera do morro era cortado por uma trilha íngreme, em alguns trechos bastante erodida tanto diagonal quanto longitudinamente, com muitas valetas e pedras fixas e soltas, e muitos pontos onde optei por passar apoiando um dos pés no melhor estilo picapau cagão (gosto das minhas vértebras, ossos do carpo e cartilagens nasais nos lugares onde estão). O trecho não foi todo assim, e os guris falaram que a trilha estava destruída, mas mesmo assim praticamente me deixaram comendo poeira, é claro, e eu não imaginei outra coisa dadas as condições. Saímos do outro lado do morro, tomando uma estrada de paralelepípedo (chamado por aqui de calçamento), direto à prainha, onde o Juninho me recomendou um determinado restaurante, enquanto ele ia ver uma coisa em outro lugar. Não gostei do restaurante por não ter sucos naturais, e fui a uma sorveteria, onde atrás do balcão por sorte havia um enorme cartaz com a figura de uma suculenta, gelada e deliciosa tigelona de açaí. A escolha estava feita, pedi a tigela de 500ml com acompanhamento de rodelas de banana e granola. Fui logo encontrado pelo amigo da Gil, o aviador, que descobri também ser moticiclista, no momento em que ele estacionou sua nada discreta Kawazaki ZX10 bem na minha frente. O nome dele, que eu havia esquecido, aliás sobrenome, é Caneschi (lê-se Canesque). Ele também pediu um açaí, e logo os dois guris chegaram e sentaram-se à mesa, espantando-se com nossa voracidade e questionando nossa capacidade de devorar por inteiro toda aquela massa gelada. Não só devorei toda a massa gelada como ainda comi uma mini-pizza (não pedi outra porque achei meio cara pelo tamanho) e um pote plástico com umas seis bolas de sorvete e muita calda de morango. Depois dessa frugal ceia, eu e o Juninho tomamos o rumo de casa. Ficamos lá bastante tempo conversando, depois apareceu o pai dele, e perto da meia-noite ajeitei minhas coisas para dormir. Coloquei o colchão atrás do sofá, pois o Luciano foi assistir um pouco de televisão.
Acordei à uma da manhã, com o som da televisão, e o Luciano dormindo no sofá. Pé ante pé, fui até a TV e a desliguei. Em seguida, vi que ele acordou, e foi para seu quarto. Mesmo assim, o barulho pulsante do controlador da cerca elétrica, muito semelhante a uma torneira pingando, me fez preferir transferir minha portátil cama para um quarto dos fundos, onde finalmente peguei no sono.

No dia seguinte, sábado, estava marcado um passeio com a Gil, o Sérgio e o Marconi, um dos amigos que conheci na loja durante a semana. O horário marcado em frente à loja era 6h45min. Acordei podre, às 6h20min, com o Juninho me avisando que a Gil tinha ligado cancelando temporariamente o passeio devido à chuva. Estava me sentindo como se tivesse sido mastigado pela vaca e cuspido na ribanceira de um barranco, tanto que preferi ficar dormindo um pouco mais a tomar café. Ao ir para a loja, tomei um iogurte numa padaria. Naquela manhã, concluí que, infelizmente, os horários e a dedicação que a loja impõe ao Luciano impediam que ele pudesse me dar muita atenção, de modo que o melhor a fazer seria ir para um hotel, e mais tarde durante a manhã, a Gil e o Sérgio, que apareceram na loja, me acompanharam pela busca a um hotel. Felizmente, o Hotel Esplanada, não muito longe da loja, reunia bom preço e boas condições, o que me fez descartar um hotel mais caro e uma espelunca. Feita a escolha, seguimos pela cidade, subindo e descendo, cruzando pontes e linhas de trem (na cidade há um rio pequeno e uma ferrovia. O rio parece bem limpo, talvez pela chuvarada que tem caído por aqui há um tempo já, e a ferrovia tem bastante movimento de carga - o trem apita histericamente sempre que passa, e a locomotiva é precedida por um batedor de moto, que multa até ciclista que atravessar depois dele ter fechado a via, segundo o que me contaram. O trem anda muito devagar no trecho urbano, e há algumas estações desativadas na cidade, bem como uma praça com uma locomotiva antiga, perto até do hotel, situado a uma quadra dos trilhos) FECHA PARÊNTESE. O passeio foi rápido e não muito longo, pois não era apenas eu que me sentia moído, os outros dois estavam também podres de sono e com uma preguiça absurda. Voltamos à loja, onde a Gil posou de modelo - com um talento notável - para fotos do site da América Latina Biker's, obviamente fazendo poses sorridentes sobre uma bicicleta, devidamente fardada e encapacetada. Ao final da sessão de fotos (da qual fui informado que farei parte em breve, obviamente usando minha camiseta da loja, em um tom exclusivo de azul claro), fui convidado a ir à casa da Gilvana, visita que concentrou várias oportunidades de conhecer as características de Minas: a rua da casa dela é uma ladeira que dá vontade de chorar (a não ser os free-riders que gostam de pular os degraus das saídas de garagem, que são enormes e inúmeras rampas naturais, apesar da calçada estreita), e naturalmente tão pouco movimentada que cresce um capinzinho entre as pedras; a família dela, composta por pai, mãe, irmão, irmã, sobrinho, é obviamente harmoniosa e unida, e fui muito bem recebido por todos; o cardápio era feijão carioquinha, arroz branco, frango com quiabo e angu (que é a nossa polenta. Ela disse que polenta é quando se mistura carne. O que para ela é polenta para nós é polenta com carne. Ela desconhece polenta frita, que pra ela seria angu frito, e muito menos polenta frita com queijo ralado derretido em cima). Para acompanhar, suco de acerola, feito em casa com acerolas colhidas no quintal. Pedi para ver uma acerola, e descobri que é a mesma coisa que vi durante a manhã no passeio que fizemos, sobre uma calçada, caídas de uma enorme árvore que crescera sobre um muro, enormes, vermelhas, desleixadamente abandonadas ao esmagamento pelos pés do transeuntes, às dúzias. Quando estava indo almoçar, avisei que estava com uma fome animal, e imaginei que iria comer feito um porco, mas percebi que sorvete e açaí é uma coisa, e frango com quiabo, feijão e angu é outra, de modo que remei para terminar o modesto prato que servi. No suco sim, eu caprichei, tomando quase uma jarra. De sobremesa, rapadura de amendoim e canudinhos de festa recheados com doce de leite (produzido por uma cooperativa de Itaúna mesmo). Comentei que no sul se comia aquilo salgado, recheado com salada de maionese ou carne moída, e ela fez uma cara de desaprovação como seu eu tivesse dito que botava ketchup no Nescau. É, gente, viajar é tudo!
Como naquele dia o Luciano iria viajar com o Juninho para um sítio deles, logo após o fechamento da loja às duas da tarde, esperei uma rápida porém forte pancada de chuva passar para seguir meu rumo e pegar minhas coisas para ir para o hotel. O Juninho pe acompanhou de bici até em casa, andando devagar para não nos molharmos. Chegando lá, parafusei tudo de volta, prendi os alforjes, e segui pela avenida para o hotel, não sem antes agradecer a ele a ao pai dele pela solícita porém curta estadia. Ao pedalar pela avenida com todo o peso de volta, senti novamente a viciante sensação de estar em movimento, em migração, chegando a estranhar que a bolsa de guidão estava presa ao bagageiro ao invés de estar em seu característico lugar sob minha visão direta, encobrindo a vista do pneu dianteiro. Quero ver quanto tempo vou conseguir ficar sem isso quando voltar para casa...
Chegando ao hotel, entrei no quarto, um de fundos bem perto do banheiro coletivo (me sinto quase o dono exclusivo dele), com ventilador de teto, duas camas, TV e uma eficiente janela, o que é ótimo para secar roupas e tralhas molhadas. Depois do longo banho, fui a uma padaria lanchar e comprar coisas pra comer, e o resto da tarde fiquei na frente do MSN matando a saudade dos amigos. Mais tarde, fui ao Sandoval comer um PF, e vi que aquilo vira um ponto de encontro de gente estranha, à noite. Mesmo assim, notei já que por aqui é raro ver um ambiente barra-pesada, mesmo nos piores botecos. Voltei para o quarto, indo dormir às dez da noite, pois o sono atrasado tinha que ser posto em dia, já que no dia seguinte, às seis e meia, eu deveria estar no posto de gasolina para irmos pedalando por estradas de terra ao Morro do Elefante, no município vizinho de Mateus Leme, onde há trilhas. Havia uma animada reunião no terreno em frente à janela, mas mesmo assim, como disse, poucos sintomas de bagaceirada, e a ótima e provavelmente involuntária elegância de não estarem ouvindo música alta.

Hoje, domingo, é o dia que fiz a trilha, mas como tenho tanto a contar sobre isso, vou deixar para amanhã. Basta dizer, por ora, que foi animaaaal, com muita estrada de chão com subidas sádicas e descidas com várias oportunidades de se matar, panes e tombos, barro e barulho nas bikes (menos na minha, que estava com os paralamas), um visual de cima do morro que não pôde ser totalmente encoberto pela neblina, grossas e geladas pancadas de chuva, um almoço divino em um restaurante adequado, e uma volta "no laço" pelo asfalto. Um dia completo, enfim.

Galera, um grande abraço, e se tudo der certo, até amanhã!