Wednesday, November 26, 2008

Relatinho da "Fuga de Camboriú"

E aí, Galera!

Depois de falar da alegria e do entrosamento que foi o Encontro de Cicloturismo, vou passar para a parte da AVENTURA propriamente dita, e do relativo trabalho que me deu para SAIR DE LÁ.


O encontro começou na quinta, mas eu cheguei lá na quarta, e já havia
uma certa chuva bem consistente, como todos já sabem. Fiquei no
alojamento organizado dentro do Ginásio de Esportes, onde chegaram a
ficar montadas 17 barracas de participantes do evento, além dos que
dormiram em sacos de dormir somente.

No dia seguinte, a pedalada começou com um pouco de sol, mas à tarde a
chuvarada tomou conta, inclusive nos fazendo passar bastante frio nos
momentos de espera para reunir a manada. O fim do pedal foi às quatro
da tarde mais ou menos, e estávamos bastante molhados. O resto do dia
foi de descanso, palestras e rango.

Na sexta, devido à chuva contínua desde a manhã cedo, optei por
desistir de pedalar, mesmo sabendo que o pedal saía com chuva e tudo.
Muita detonação da bike, de roupas, do corpinho, além do cansaço e da
preguiça. Me senti um bundão, mas quano saí da barraca percebi que
várias pessoas nem consideravam a hipótese de sair de lá por nada no
mundo, pelos mesmos motivos apresentados. Ainda vimos diversos
corajosos (uns trinta?) passando atrás do ginásio, enquanto abanávamos
da janela. Este dia foi de chuva do início ao fim, só variava a
intensidade, de imperceptível a pancadão. Nos fundos do ginásio, que
davam pra baixada ao lado do rio, havia já um gramado com uma grande
poça d'água, e nos perguntávamos se seria possível atravessá-la
pedalando sem atolar. Mais tarde, depois da janta, percebemos que a
poça havia crescido, e já passava por cima da estrada, onde havia
cavalinhos amarrados, os quais preferiram ficar mais longe. Essa
estrada ligava o ginásio ao Colégio, sede do evento, tendo o rio no meio.

No sábado, dia para o qual eu já havia comprado passagem, a
programação do evento envolvia palestras pela manhã, e um passeio de
fim de tarde que terminaria à noite em Balneário, portanto o plano era
ir no passeio já com todas as minhas tralhas, e ficar por Balneário
mesmo até a hora de pegar o ônibus.
Pois bem, enquanto assistíamos às palestras (ergonomia, velotour no
vale europeu, caminho de santiago), a chuva aumentava, aumentava,
aumentava, e a galera já estava de olho arregalado, olhando um pouco
pro palestrando, um pouco pra janela. Após o almoço, regado a muito
chuva (eu não estava na chuva, mas via a chuva caindo pelo vidro),
resolvi conferir do que se tratava o que o pessoal falava: que já não
passava carro entre Balneário e Camboriú, devido à inundação parcial
de algumas rótulas e acessos.

Pois peguei a bicicleta para ir até a ponte, que não estava coberta.
Entretando, logo após a ponte (sob a qual o rio passava já muito mais
alto que o nível que eu me acostumei a ver), a rótula estava de fato
ficando inundada, com mais ou menos uns 20 cm de água, nada demais, e
eu passei pedalando sossegado, com pé seco. Resolvi seguir a
Balneário, uns 4km além, e aí sim a coisa foi mais complicada, pois
tive de fazer um baita desvio, e só consegui passar seco porque passei
por dentro de uma empresa de cimento, cujo pátio possui um bueiro e
uma pontezinha. A rótula de acesso, que fica ao lado do viaduto da
101, não só estava com água pelo meio da coxa, como também havia muita
correnteza. O pessoal de um posto de gasolina comentou que, com a
subida da maré no fim da tarde, a água já estava invertendo o sentido,
e ao invés de ir para o mar estava voltando para a terra. Alguns
motoristas corajosos arriscavam-se a atravessar na base da ogrice,
fazendo água correr por cima do capô, e levantando ondas meio
perigosas para algum pedestre ou ciclista que estivesse perto.
Voltei bastante preocupado, e me chamou a atenção os comentários de
que o nível estava subindo. De fato, se na ida passei com pé seco, na
volta o ponto mais fundo dava na altura do cubo da roda, e embora
tenha passado pedalando, os pés ficaram ensopadões.

De volta ao hotel, fiquei na dúvida entre ir ou não ir. O cara do
guichê na rodoviária disse que eu tinha até as sete e meia para
remarcar a passagem, do contrário corria o risco de perder o valor
(que não é muito, mas eu também não tenho sobrando). Cheguei a ligar
pra Natalia, minha esposa, dando a notícia que só chegaria na segunda
de manhã, e digamos que, com razão, ela não curtiu muito... (afinal eu
já tava "de férias" desde terça de noite!). Resolvi ir mais uma vez
até a ponte, e agora até mesmo o lado de cá da estrada já estava
abaixo da água, ou seja, o nível estava REALMENTE AUMENTANDO RÁPIDO!

Com muitas incertezas, fiquei assistindo a palestra de Santiago de
Compostela, e não por isso, mas pela contrariedade pura, tive uma
"revelação iluminadora", levantei sem dar tchau para quase ninguém, e
direto ao Ginásio. Lá, sozinho, empacotei minhas coisas tão
rapidamente quanto pude, pois já passavam das cinco e meia e logo
começaria a escurecer. Enquanto colocava roupas mais curtas e
"molháveis", o telhado de zinco retumbava com a chuva torrencial, a
paisagem pela janela branca de chuva, a rua atrás do ginásio já um
meio metro mais alta do que da última vez que olhei. Tendo pegado
tudo, me mandei, e ao contrário do que tinha dito pro pessoal, não
voltei ao hotel para me despedir, preferindo garantir o maior número
de minutos possível, se possível com luz do dia.

Como era de se esperar, a rótula logo do outro lado da ponte de
Camboriú estava muito, mas muito mais alagada. O nível da água havia
subido, a extensão submersa da avenida agora tinha uns 300m de
comprimento (até a curva, onde a vista alcançava), e vários pontos
estavam com uma correnteza que inspirava muito cuidado. Tentei passar
pedalando, mas logo percebi que a bici perdia contato com o solo, e
como se não bastasse a corrente caiu, e dali em diante fui empurrando.
Mesmo indo devagar, e com cuidado, às vezes a leve correnteza, aliada
ao nível da água pouco abaixo dos joelhos, empurrava a bicicleta a
ponto de tirar a roda dianteira do chão, e nos pontos de correnteza
mais forte, eu dava passos bem curtinhos, parecia um pajé fazendo a
dança da (não)chuva... Às margens/calçadas, e principalmente nas
cabeceiras da avenida (deveria dizer na nascente e na foz?), filas de
veículos e de moradores observavam com dúvida e consideravam algum
plano de travessia.

Chegando ao outro lado, me recomendaram que pegasse a Av. Biguaçu, que
seria a menos problemática para travessia. Resolvi seguir o conselho,
e já virando a esquina se observava que mais adiante a avenida tinha
virado uma raia de esportes náuticos... Ao menos não havia correnteza,
a água estava mais ou menos parada. Na dúvida entre seguir ou não os
conselhos contraditórios sobre ir pela calçada ou ir pelo meio da rua
(por questões de cair no bueiro e coisa e tal), adotei a estratégia de
ir perguntando, na frente de cada casa, se o trecho era seguro, se
tinha necessidade de alguma precaução, etc.

E assim, fiz, fui avançando, e a profundidade foi aumentando (a
avenida era um levíssimo declive). Confesso que me senti um super
desbravador, afrontando a adversidade dos elementos com minha
determinação em seguir adiante e cumprir meu objetivo superando os
obstáculos impostos...
Foi quando, de repente, ao passar ao lado de uma casa, vi uma moça na
janela, naquela posição clássica que aparecem nos quadros e esculturas
do Brasil colonial... A parede da casa em que ela estava era de
madeira, e a parte inferior das tábuas desapareciam diretamente dentro
da água suja (naquele trecho, a água estava pela metade da minha coxa,
e eu levantava a traseira da bici para não submergir os alforjes).
Dando mais alguns passos, olhando pelo quintal dessa casa, não dava
pra ver os degrauzinhos de acesso, nem as rodas do carrro
estacionado... Olhando para frente novamente, pude ver um rapaz,
provavelmente morador da casa, entrando. Nos olhamos em silêncio,
rapidamente, apertando os lábios e levantando as sobrancelhas com
aquela expressão de quem pensa "Éééé..." De fato, a coisa não tava
fácil, mas não para mim, que chegaria, com um mísero atraso, à minha
casa seca e quente, depois de um feriadão cicloturístico...

Chegando à Rodoviária, confirmei com o rapaz da Penha, com o qual
havia falado durante o dia por telefone, que eu estava presente e o
embarque estava confirmado. Fui procurar um lugar para jantar, e
acabei indo parar em um posto de gasolina, onde o frentista
rapidamente veio me cumprimentar. A primeira coisa que ele disse é que
tinha vindo pedalando de Belo Horizonte até Balneário, onde morava
atualmente, e que adorava bicicletas. Pedi para ir ao banheiro, que
por sorte era espaçoso e limpo. Entrei com bici e tudo, tranquei a
porta, e me senti como se estivesse em um hotel, depois de toda aquela
molhaçada, lama, correnteza e tal. Fiquei uns 15 minutos tirando e
guardando roupa molhada, colocando roupa seca que etava no alforje,
lavando o tênis, que continuou molhado durante toda a viagem. Saindo
de lá e me sentindo mais ou menos renovado, fiquei aguardando a chuva
diminuir para ir jantar. Apareceu o frentista novamente, e conversa
vai, conversa vem, eu disse a ele que estava pensando em jantar no
Shopping (um Giraffas com feijão, arroz, costela, batata frita,
salada, farofa e refri, por 12 pila, recomendo muito!!!). Ele sugeriu
que eu cadeasse a bici no fundo da garagem de troca de óleo, e foi o
que fiz, bastando atravessar a rua para chegar ao Shopping, já
congestionado de veículos em sua entrada.

Por ser sábado, o Shopping estava cheio, mas mesmo estando vestido
como um mendigo (tênis cinza ensopado, calça de ciclismo da fox,
jaqueta de nylon cor de laranja, cabelo totalmente maloqueiro), não me
intimidei e achei todo aquele conforto genial. Ao perguntar para a
moça do balcão por um telefone, ela não soube me informar, mas
comentou que o acesso ao estacionamento no piso inferior estava
interditado, pois o mesmo estava cheio d'água... Pobres autinhos...

Saindo de lá, peguei a bici sã e salva, e fui pegar o ônibus.
Entretanto, àquela hora até mesmo as ruas que davam acesso à
rodoviária já estavam alagadas, de modo que novamente tive de enfiar o
pé na água, chegando à rodoviária com o zíper do tornozelo aberto em
ambas as pernas da calça, que quadro...
Desmontei a bici com toda a calma para não suar, guardei e embalei
tudo (uma dica, quando disserem que tem que entrar com a bike embalada
no ônibus, não significa vir em alta velocidade, com a bike "bem
embalada" para entrar no bus...). Sentei no chão da área de embarque
mesmo, onde fiquei esperando hora e meia, contemplando a chuvarada,
descansando, meditando, curtindo o ar livre, já que não estava frio.

O que se segue está dentro do que vimos no jornal, do qual relato
agora resumidamente:
1) O ônibus chegou no horário, mas a PRF mandou voltar pra Itajaí
depois de menos de 10km de estrada, porque o Morro do Boi estava
interditado;
2) Criou-se uma confusão no bus, porque nem a polícia, nem a empresa,
nem o motora e nem os passageiros estavam em consenso sobre qual a
melhor conduta: desistir, esperar, pegar desvio, mas no fim acabamos
voltando pra Itajaí, onde comemos, fomos ao banheiro, esticamos as
pernas e alguns (não eu) dormiram.
3) Três da manhã a empresa ligou pro motora, e seguimos viagem. Após
um certo trecho trancados no pé do Morro do Boi, chegou a nossa vez de
passar (eu meio sonolento vi pela janela fumê, respingada de chuva, um
veículo da PRF passar buzinando algo muito semelhante a um código
morse... que coisa meio irreal...). A subida do morro foi em meio a
cones de sinalização, muito barro, zigue-zague na pista, montes de
terra e pedras gigantes, árvores das quais só se enxergava as grossas
raízes.
4) Em Paulo Lopes havia outro desvio. Devido ao sono, nem vi Floripa
passar, e quando liguei o GPS estávamos em Águas Mornas, já fora da 101.
5) Pela manhã, acordei em Lages, com céu azul com nuves rápidas. Dali
em diante, a viagem seguiu pela 116, depois Farroupilha, Scharlau e
Porto Alegre.

Cheguei em casa com umas 9 horas de atraso, o que foi até pouco
considerando a dimensão da tragédia em SC. Por um lado, foi bom ter
arriscado sair de lá no sábado mesmo com enchente, pois dali em diante
a coisa só degringolou...

Uma saudação a todos que foram ao encontro, com mais calma podemos
comentar especificamente sobre ele.

Abraço a todos

Helton Moraes

1 comment:

Leonardo Esch said...

Sensacionais esses relatos, Helton! Sabes que sou teu fã de carteirinha, e torço para que um dia seja incluído na seleta lista de links aí ao lado! Quando chegar ao relato do Encontro Nacional de Cicloturismo em Camboriú no meu blog vou me apossar das informações ricamente descritas dos teus relatos para me ajudar a contar a história, ok? (principalmente o nome das figuras - aliás, alguma notícia do misterioso guru indiano hindu???)
Grande abraço,
Leonardo.

PS - se souberes de alguma alternativa interessante a respeito de o que fazer quando acaba o tamanho disponível para postagens do blog por favor me avise, porque o meu já passou dos 70 por cento - já estou pensando no assunto!