Sunday, July 24, 2016

Bike Check Vermelha

Bikecheck + Reviews + historinhas = GT Karakoram com peças alemãs de ciclotour + dez anos de vida real

  • Frameset: GT Karakoram, tamanho 20”, chromoly, fabricado em 1996(?), adquirido em 2006, com adesivos refletivos colados sobre os originais, para “chamar menos atenção”;
  • Cubo traseiro: Rohloff Speedhub CC - 14 marchas internas - 2006;
  • Cubo dianteiro: SON 28 Klassik (dínamo) - 2006;
  • Freios Magura HS-33 - 2012;
  • Bagageiro traseiro SL Touring;
  • Paralamas SKS P65 Chromoplastics;
  • Pedivela Shimano Exage no lado da coroa (braço cinza, coroa 46 de alumínio, coroas menores removidas), Shimano LX do outro lado (braço preto);
  • Guidão, canote, selim, aros, raios, movimento central, pedais, caixa de direção: sim.
  • Luzes dianteira e traseira de LEDs - alimentadas pelo dínamo, feitas em casa;

Peças que a bike já teve:

  • Selim Brooks Flyer honey (botei em outra bike, para randonneuring);
  • Pneus Schwalbe Marathon XR 2.0 (atingiram o final da vida útil após dez anos de uso);
  • Farol Schmidt E6 halógeno - aposentado pelo advento dos LEDs;
  • Freios V-Brake XT “pantográficos” - tirei para botar os Magura;
  • Coroa 39 de aço (a atual é 46);
  • Cadeirinha de criança feita em casa - melhor coisa! - tirei porque o piá cresceu;
  • Suspensão Manitou Black 2003 - botei na bike do piá.

Quando eu montei essa bike, eu estava em uma época de delírios com cicloturismo. O meu emprego era rentável porém monótono, eu morava com minha mãe, e então eu comecei a ler sobre viagens cicloturísticas mais longas, peças de cicloturismo, e essas coisas que quem gosta de bike e de internet faz. Alguns conhecidos de Porto Alegre faziam viagens para o Chile e outros lugares, e eu morria de inveja.
Logo em seguida descobri que, justamente em Porto Alegre, havia a Teutobike, praticamente uma ligação direta entre todas as marcas famosas e o nosso mercado local, eliminando toda a novela que seria ter que importar tudo da Europa, em épocas em que as compras por internet ainda não eram tão disseminadas.
Aos poucos comecei a comprar. Primeiro pneus e bagageiro, depois dínamo e farol, depois cubo com marcha, depois selim.

[Fotas montagens iniciais]

Tendo terminado tudo isso, fiquei com a sensação de um pássaro que construiu o ninho, e agora vai ter que botar o ovo. Quem monta uma bike para viagens longas tem que…?
Fiz algumas viagens aqui perto, viagens de feriadão, e aos poucos a bike foi se moldando, ganhando componentes mais específicos, até ficar com uma configuração cada vez mais característica para cicloturismo “longo”…

[Fotas primeiras viagens]

Como na época eu estava estudando pra “mudar de área”, resolvi pedir demissão e aproveitar os três meses de férias da faculdade para viajar, exatamente como eu via os - cicloturistas - famosos - fazerem - (bom, não exatamente, mas na minha cabeça…).

[Fotas da viagem]

Nessa viagem, que foi de ida e volta a Minas Gerais, passando por lugares aleatórios, foi que conheci minha esposa - e meu enteado - e um ano depois eles vieram morar comigo. Dali em diante, a bike que era de touring/trekking passou a ser family-bike e mula de carga, com vocação especial para fazer rancho no super - com alforje e tudo. Muito fui em passeios noturnos com a minha esposa na bike (que era minha e virou) dela, e o guri na garupa.

[Fotas family bike]

A última fase, que dura até hoje, é a de commuter. Depois que comecei a ir trabalhar de bike todos os dias, essa é a bike de escolha nos dias de chuva, ou quando tenho que fazer um frete. Dali que veio a necessidade de fazer luzinhas fortes para ser visto de noite e de dia, porque o trânsito de Poa tá foda…

Depois de ter gasto tanto e andado tanto com essas peças de boutique, e antes do review peça-por-peça, algumas conclusões:

  • Vale a pena comprar peças que são caras mas duram muito, pois o custo se dilui ao longo de muitos anos;
  • Só porque a peça é famosa não quer dizer que ela não vai ir se desmanchando com o tempo. Não existe “eterno” nem “perfeito” nessa área. O que existe é peça que dá margem a ser consertada, e peça com fábrica séria por trás, pra te dar suporte caso seja necessário. Só que tem que ficar claro, independente do valor investido: Tudo. Pode. Dar. Problema. (e geralmente dá, se o cara usa);
  • Os alemães podem ser ótimos em engenharia, mas são péssimos em design. Ergonomia então, é algo que parece não existir pra eles. Mas pode ser que eu seja exigente demais;
  • O que mais quebra, dá pau, rasga e se desintegra é tudo e qualquer coisa relacionada a fixar e carregar bagagem na bike: parafusos de prender bagageiro, o bagageiro em si, fixações dos alforjes e bolsas, alforjes e bolsas propriamente ditos;
  • Nada que funciona com eletricidade (faróis de dínamo, por exemplo) é confiável.

Reviews

Cubo traseiro Rohloff

Cubo com 14 marchas internas. Por fora, é uma pinha só. Por dentro, são várias engrenagens planetárias em banho de óleo. A troca de marchas é feia por um grip-shifter no guidão. Entre todos os modelos existentes de cubos com marchas internas, este é o que tem maior quantidade de marchas, e é tido como o mais durável e mais confiável, sendo especialmente indicado para situações extremas, como viagens por regiões remotas.

Pontos Positivos:

  • Todas as vantagens de uma single-speed:
    • Corrente sempre longe do pneu - não suja tanto;
    • Limpeza da relação é muito rápida e faz pouca sujeira - igual a uma single-speed;
    • Pinha muito mais durável do que pinhas cassete (maior espessura, material melhor);
    • Libera espaço no guidão, pois não precisa de trocador à esquerda;
    • Menos tralha no quadro - sem câmbio traseiro nem dianteiro, somente uma coroa no pedivela;
  • As flanges altas deixam a roda muito forte - nunca quebrei um único raio em dez anos de uso contínuo;
  • Dá pra trocar as marchas parado no semáforo;
  • A indexação fica no cubo, não na alavanca, e os cabos não são puxados por mola. São dois cabos, um que puxa num sentido, e outro no outro. Portanto, quando a gente sente o “click”, é porque a marcha já foi trocada, o que causa um estranhamento (até hoje, pra ser honesto);
  • Manutenção mínima: troca de óleo anual, procedimento que dura poucos minutos e não requer habilidades mágicas;
  • Depois de todos os tipos de pauleira imagináveis, não apresenta nem sinal de folga. Pelo contrário, quanto mais eu ando, mais “redondo” e amaciado ele fica, pois as engrenagens tendem a se “auto-polir” com o tempo, by design, e ele vem bem justo de fábrica.
  • Empresa responde e-mails, dá a real e não esconde o jogo. Não têm muita frescura quanto a garantia, porque eles sabem que tu vai mexer, que tu vai esquecer de trocar o óleo, que tu vai andar com 200 quilos na bike, que tu vai entrar no mar pedalando… Se der problema, eles vão tentar resolver.
  • Usando uma relação 46 x 16, eu tenho a mesma amplitude de marchas de uma bike de 24 marchas com coroa 46x36x26, e eu posso reduzir isso ainda mais com uma coroa menor (já usei 39), embora com isso perca velocidade final. Acho que depende de quanto peso tu vai levar na bike, por causa das subidas.
  • Normalmente, ao trocar a corrente, ela não fica pulando, mesmo que a corrente velha estivesse um pouco passada.

Pontos Negativos:

  • Troca de marchas é desconfortável - precisa girar bastante o grip-shifter. Deveria existir outro método de usar o cubo que não fosse aquele shifter, ou até comando eletrônico. O Shifter rapidamente perde a sensação de “novo”, ainda mais se pegar chuva e barro, e dali pra frente só piora;
  • A parafernalha externa ao cubo é engronhenta e potencialmente sensível; Trocar os cabos de câmbio requer prática, habilidade e sangue frio. No modelo CC, existe o cabo mais fino (não é o padrão de cabos de câmbio), que tem que ser dado X voltas ao redor de um miolinho… Para ter menos trabalho, há outro modelo com uma caixa de redução externa, mas isso resolve um problema criando outro, em minha opinião;
  • Contínuo vazamento de óleo, que deixa o entorno do eixo sempre meio “baboso” e cheio de fuligem preta;
  • Peso fica concentrado na roda traseira, se comparado com sistemas de câmbio normal.
  • Não é tão eficiente, em termos de rolagem, quanto sistemas de roda livre normais. Ele chega até a girar o pedivela junto, quando empurra a bike. Para quem gosta de performance imaculada, isso é um problema;
  • Trocar o óleo não é difícil, mas tem que ser o óleo deles. Eles não autorizam o tipo de nenhum outro óleo, por risco de danificar peças plásticas que existem dentro do cubo, etc.
  • Encontrar peças pode ser um problema. Eu tenho sorte de que o único representante Rohloff da América Latina, que é a Teutobike, está a poucos minutos da minha casa. Mas não é mais que um acaso.

Manutenções/problemas que já tive:

  • Já troquei o óleo umas dez vezes, normal;
  • Já tive vazamento nas vedações laterais. Entrei em contato com a fábrica, eles me orientaram sobre o que era necessário fazer - trocar retentores; Fiz a mão com a Teutobike, fui até lá, paguei os retentores, e eu mesmo fiz o serviço com uma ferramenta específica. Resolveu o problema do vazamento horrível, mas mesmo assim o cubo dá aquela babadinha constante - ele é assim, segundo o pessoal da fábrica;
  • Depois de uns 20.000 km, a pinha gastou. Ainda funcionava, mas estava horrível. Comprei outra e eu mesmo troquei, na Teutobike. Ficou muito melhor! Continuo usando essa mesma pinha;
  • Uma vez, durante um passeio, troquei tudo-de-uma-vez-só para a marcha mais leve, mas como usei muita força, o cabo esticou demais e ESCAPOU do engate. Somente por acaso, e com muita demora e dificuldade, achei duas chaves allen 2mm pra abrir o engatezinho, enfiar alguns fios da ponta desfiada do cabo dentro de um orifício minúsculo, e seguir o passeio. Achei uma falha de projeto ridícula para um componente com essa fama. Desde então tenho trocado de marcha de maneira menos cavalar.

Compraria de novo?

Talvez. Eu compraria esse um cubo de novo, pra ter, pois acho que na bike que ele está ele cumpre um papel compatível. Essa compra valeu, se pagou, e vai continuar em uso por tempo indefinido. Já montei outras bikes depois dessa, e nunca me passou pela cabeça usar Rohloff, tanto pelo preço salgado, quanto por inércia de montar a bike mais “normal”. Talvez um dia no futuro, com uma situação financeira mais folgada, eu comprasse para algum projeto específico, mas para única bike eu não recomendaria, para bike de alta velocidade eu não recomendaria também. Agora, bike que vai carregar peso, tomar pau, e ser usada como mula de carga, sem compromisso de eficiência ou velocidade, é uma alternativa sólida a ser considerada, e que tem os seus poréns.

Cubo dianteiro Schmidt

Os dínamos servem para alimentar os faróis da bike usando o a rotação da roda dianteira como fonte de energia. Existem dínamos tradicionais que são aqueles de antigamente, que encostam no pneu. Existem também versões mais modernas e melhores, onde as bobinas que geram eletricidade ficam dentro do cubo. Dentre esses, o mais famoso do mundo, de longe, é o Schmidt, inventado e produzido por Wilfried Schmidt, um engenheiro mecânico alemão que faz praticamente só isso até hoje.

Pontos Positivos:

  • Nunca mais sem pilha. Nunca mais sem farol. Nunca mais sem luz. Agora isso faz parte da bike. Permanente;
  • Cubo que não incomoda, não dá manutenção, nem tem como dar manutenção. Ele simplesmente está ali e gira e sai eletricidade. (exceto quando não - detalhes abaixo);
  • Ele produz MUITA luz, mesmo rodando devagar. Meu modelo (SON 28 klassik) é da época dos faróis halógenos (lâmpadas de filamento incandescente), então eles são tunados para atingir a produção nominal de corrente em velocidades bem baixas. Dependendo da configuração de farol, basta empurrar a bike que ele “liga”;
  • Ele é muito eficiente, tanto ligado quanto desligado. Quando ligado, ele gera um certo “arrasto”, mas de forma alguma isso incomoda quem está passeando ou mesmo fazendo um randonneur, e seria ridículo culpar qualquer desempenho “abaixo do esperado” à energia drenada pelo cubo. Eu diria que não é nem perceptível, embora seja real e significativo. Já com farol desligado ou desconectado ele roda tão bem ou melhor do que outros cubos normais;
  • A flange alta e bem afastada deixa a roda MUITO forte. Com este cubo também nunca quebrei raio, e não foi por falta de abuso;
  • Ele tem um acabamento polido que brilha escandalosamente, ainda mais quando limpo (coisa que só aconteceu quando era novo). Parece realmente uma peça de joalheria;
  • A fábrica responde os e-mails, e dá várias dicas de “tunagem” eletrônica, como construir o seu farol, que capacitores usar, etc. Nunca na vida que Shimanos e similares teriam essa postura. Nunca.

Pontos Negativos:

Nenhum.
Mentira…

Problemas que tive:

Eu fui o sorteado para ter um problema bem raro e bem problemático, mas o desfecho até que foi bom. Um belo dia, indo pro trabalho, percebi que a roda parecia travada. E estava mesmo, eu girava, e ela não dava nem meia volta antes de parar. Mas não eram os freios. Era o cubo mesmo. Quando voltei para casa, percebi que estava ficando cada vez mais pesado, até que ao chegar em casa, não conseguia girar o eixo do cubo nem com um alicate. E tinha ficado bem quente.
Mandei e-mail pra Teutobike e pra fábrica. A fábrica me explicou que até tal ano, uma das peças do cubo era de plástico, e poderia dar problema em circunstâncias específicas, e os novos já estavam vindo com a nova peça em metal, e a proposta foi de que eles me mandariam outro “com falha de acabamento” pelo preço de um conserto.
Desmontei a roda, levei o cubo na Teutobike - e fiquei bons meses andando com uma roda substituta, coisa que deu certo trabalho pra arranjar - ele foi pra Alemanha como de costume, levou o cubo na fábrica, me trouxe o outro. Não paguei o frete, paguei 120 reais para a Teutobike correspondendo ao conserto. Em troca, veio o cubo com “falha de acabamento”, mas juro que eu nunca vi falha nenhuma, o cubo brilhava que nem um diamante. Montei o cubo, e se comportou muito bem.
Em um segundo momento, resolvi pegar o cubo velho e mandar para um conserto mesmo. Novamente, ida e volta com frete “de brinde”, e me devolveram o cubo revisado e re-polido, brilhando muito, mas dava pra ver que era o mesmo pelas marcas dos raios e alguns arranhões.
Por isso que eu digo que quando a marca é séria, mesmo o produto que estraga vale a pena, pois hoje eu tenho dois cubos pelo preço de um-e-menos-que-meio…

Compraria de novo?

Sem qualquer sombra de dúvida, um retumbante SIM!! Compraria um para cada bike. Tinha que ser obrigatório por lei todas as bicicletas do mundo terem um dínamo Schmidt na roda dianteira.
O que ele é, isso sim, é caro, muito caro. Hoje passa de mil reais no Brasil. Se comprar direto, fica menos extorsivo, mas ele É caro de qualquer forma. Só que como ele economiza pilha e dura décadas funcionando, o preço por hora de uso tende a zero, com uma boa perspectiva de durar de fato várias décadas.

Freios Magura

Um dos primeiros freios hidráulicos inventados - antes dos freios a disco - foi o Magura HS-33, famoso por “amassar aros” devido à sua força hidráulica, e muito usado por mountain-bikers dos anos 90 que conseguiam comprar, e também até hoje por atletas de bike-trial.
Quando eu escolhi as peças para a bike, fiz questão de evitar freio a disco, por buscar algo mais “clássico”, então seguindo a linha de comprar as peças mais famosas, nada mais famoso para freio de aro do que os Magura HS-33.

Pontos Positivos

  • Acionamento hidráulico permite andar na chuva e no barro indefinidamente sem precisar trocar os cabos - é algo que eu sentia muito com v-brake, por andar preferencialmente na chuva: ter que trocar de cabos com frequência, ou conviver com cabos “duros”;
  • A balaca não vai ficando torta à medida que gasta, pois ela corre paralela. Existe um parafusinho no manete que a gente vai apertando à medida que a balaca gasta;
  • O sistema hidráulico é muito bem vedado, nunca vi vazar nem sinal de óleo em vários anos de uso, e nunca sangrei o sistema (nem pretendo).

Pontos Negativos

  • O freio não freia! As balacas originais são muito ruins, tanto secas quanto molhadas (não muda muito). O meu modelo veio sem a ferradura de reforço. Achei que fosse esse o problema e comprei ferraduras. Melhorou, mas nunca ficou tão bom quanto o que eu estava acostumado no v-brake. Eventualmente consegui botar balaca de poliuretano na frente, onde a frenagem era pior. Melhorou bastante, mas quando chove (ou seja, no caso de uso mais típico dessa bike) a frenagem dianteira fica ridiculamente fraca, perigosa até;
  • Alavanca é dura. Apesar de ela não ir piorando com o tempo, a mola do sistema torna a alavanca dura. Tem que fazer bastante força antes de começar a frear de fato, e é muito cansativo ficar parado numa descida ou subida, com a bike freada. Nem se compara com disco hidráulico, ou mesmo com v-brake bem regulado;
  • Instalação inicial requer nervos de aço! O freio vem com as mangueiras montadas, mas com um comprimento enorme. A instrução do manual é CORTAR as mangueiras no comprimento CORRETO, e SEM APERTAR A ALAVANCA, remover o toco que fica na pinça e trocá-lo por uma outra peça minúscula que vem no conjunto, e então dar o aperto com uma chave de boca 8mm. Quando eu fiz isso, eu cometi algum erro que não lembro, e por sorte consegui corrigir, mas foi muito, MUITO tenso, e isso que eu me considero alguém com habilidade mecânica muito acima da média. Não me ocorreu também levar numa oficina, porque eu acho que essa responsabilidade era minha, e a chance de dar merda seria total, praticamente colocar o mecânico numa roubada de propósito;
  • Ajustar a posição da balaca é bem chatinho. Tem que soltar quatro parafusos, girar o pistão dentro de uma bucha até achar a posição desejada, e apertar os parafusos sem que o alinhamento se perca. Geralmente isso demora e requer várias tentativas. Muito chato na minha opinião;
  • A regulagem de desgaste da balaca é muito limitada. Pra começar, como a distância entre os pistões é praticamente fixa, usar o freio com um aro muito estreito é praticamente impossível. Quando tive de fazer isso, todas as regulagens ficaram no máximo, inclusive a do manete. A balaca também gasta com uma velocidade perceptível, de forma que logo se chega ao fim das regulagens, e daí em diante a tendência é o freio ir baixando até o manete encostar no guidão, e ser necessária uma nova regulagem nas pinças;
  • Encontrar peças no Brasil é bem complicado. Pra achar as balacas de poliuretano, tive que pagar de frete mais do que o valor das balacas propriamente ditas, porque só tinha numa loja em São Paulo, e eles só trabalhavam assim. Entrei no site da loja hoje e o produto nem está mais em oferta… Aparentemente está começando uma representação nacional da Magura, mas tudo ainda está muito em construção, o que não me cheira muito bem, ainda mais para esse modelo de freio de aro, que tende a ficar obsoleto daqui a não muito tempo.

Compraria de novo?

Nem sonhando!
Em algum momento, essa bike vai voltar a ter v-brake, mas o HS-33 não é tão ruim que não valha a pena continuar usando ele, ainda mais com esse uso chuvoso da bike (prefiro os cabos sem manutenção, mesmo com essa questão da frenagem meia-boca na chuva). Caso eu troque de quadro, aí sim acho que o canal é freio a disco hidráulico, que tenho em outra bike que uso no commuting e amo de paixão, freia com um dedo, isso sim é qualidade de vida.

Bagageiro e Paralamas

Esses dois acessórios eu poderia revisar mais longamente, mas não acho que seja o caso. O fato é que, como tudo que se prende na bike, eles vão se sacudindo, se desgastando, se trincando, entortando, perdendo parafuso… Se tem uma coisa que eu não fiz com essa bike foi poupá-la do uso em qualquer condição, então eu diria que as peças sofreram o desgaste natural. Do bagageiro eu esperava um pouco mais de resistência nas soldas, várias quebraram, mas eu prendi com abraçadeiras plásticas grossas e ele continua sendo perfeitamente utilizável.

Compraria de novo?

O bagageiro eu preferiria um com o mesmo tamanho, mas da marca Tubus. Porém, se não encontrasse, talvez comprasse esse de novo, dependendo do preço. O fato é que não tem muitas marcas e modelos no Brasil, e essa é a marca que a Teutobike trabalha, ao menos por enquanto.
Já o paralamas, esse sim eu compraria o mesmo - a não ser, claro, que “aparecesse” um melhor, mas dessa largura acho difícil, sendo que comprei o P65 - 65 milímetros de largura - justamente pra botar pneu “canhão” e costumo andar seguidamente com pneus cravo nessa bike - já usei até pneus 2.35, e “deu”…

Outras historinhas da bike

Uma coisa que não ajudou muito na durabilidade de componentes é eu ter sido atropelado por Ricardo Neis aquela vez, então em especial o paralama traseiro e o bagageiro nunca mais foram os mesmos…

Uma vez essa bike caiu de cima de um carro a 90 por hora, na BR 116 em Canoas, mas “só” entortou o guidão, destruiu o aro traseiro, e entortou o dianteiro. Tudo isso foi corrigido no mesmo dia e a bike já voltou a rodar no dia seguinte, graças a Deus ninguém foi atingido por essa merda - que “parou” quando bateu numa parada de ônibus, conforme testemunhado pela minha esposa que estava no carro - eu felizmente ia de carona mais à frente…

O quadro já quebrou uma vez - logo à frente do eixo traseiro, no lado direito, entre a gancheira e o tubo - levei para soldar “como sempre”. As duas orelhinhas do bagageiro traseiro já quebraram, uma de cada vez, e em ambas as vezes mandei soldar de volta.

O canote, por causa de uma única noite na chuva, emperrou de uma forma… Os quadros GT de cromoly são famosos por isso. Andei anos sem blocagem, e nada de soltar. Quase me matei fazendo força em casa, e nada. Só o Macedinho conseguiu, na base do maçarico, e isso que tem um toco de canote lá no meio do quadro ainda. Mas pelo menos agora eu consigo regular a altura - de um canote novo que eu tive que cortar um pedaço, pra caber.

Antes da viagem para Minas, uma amiga me deu uma pulseira de macramê. Disse pra ela que ia amarrar no toptube para dar sorte. Fiz isso e andei anos com ele ali, sagrado, deuzolivre ele sair dali. Depois que arrebentou, botei dentro da pochete de ferramentas, e está lá ainda junto com outro “amuleto” que outra amiga deu. Um dia na Massa Crítica a filha do Sgarbossa me deu uma florzinha minúscula de plástico, que eu na hora prendi na bike e tá lá até hoje. Deuzolivre-ninguém-encosta-na-minha-florzinha-ali. Eu acho que, mesmo sendo cético como sou, nunca é demais. Que essa bike já escapou de várias, já escapou, então deixa os amuletinho lá.

Conclusão

Eu não sei até quando vou usar esta bike. Tem muitas horas que eu odeio ela, odeio mesmo, olho e fico com raiva, mas tem muitas outras horas que eu subo, pedalo e penso “que bicicleta boa”. Pra mim, que não tenho carro, faz toda a diferença ter uma bike TODA equipada, mesmo sendo um trambolho, porque tem coisa que da pra fazer com um trambolho desse. Certamente enquanto eu não tiver motivos fortes para desmontá-la, ou dinheiro sobrando para comprar outra muito melhor para os mesmos tipos de uso (uma Surly?), ela vai continuar em atividade. O fato é que nenhuma dessas situações tem qualquer chance de acontecer no momento, então provavelmente esse cafão ainda vai rodar muito por aí comigo, assim espero!

Wednesday, November 26, 2008

Relatinho da "Fuga de Camboriú"

E aí, Galera!

Depois de falar da alegria e do entrosamento que foi o Encontro de Cicloturismo, vou passar para a parte da AVENTURA propriamente dita, e do relativo trabalho que me deu para SAIR DE LÁ.


O encontro começou na quinta, mas eu cheguei lá na quarta, e já havia
uma certa chuva bem consistente, como todos já sabem. Fiquei no
alojamento organizado dentro do Ginásio de Esportes, onde chegaram a
ficar montadas 17 barracas de participantes do evento, além dos que
dormiram em sacos de dormir somente.

No dia seguinte, a pedalada começou com um pouco de sol, mas à tarde a
chuvarada tomou conta, inclusive nos fazendo passar bastante frio nos
momentos de espera para reunir a manada. O fim do pedal foi às quatro
da tarde mais ou menos, e estávamos bastante molhados. O resto do dia
foi de descanso, palestras e rango.

Na sexta, devido à chuva contínua desde a manhã cedo, optei por
desistir de pedalar, mesmo sabendo que o pedal saía com chuva e tudo.
Muita detonação da bike, de roupas, do corpinho, além do cansaço e da
preguiça. Me senti um bundão, mas quano saí da barraca percebi que
várias pessoas nem consideravam a hipótese de sair de lá por nada no
mundo, pelos mesmos motivos apresentados. Ainda vimos diversos
corajosos (uns trinta?) passando atrás do ginásio, enquanto abanávamos
da janela. Este dia foi de chuva do início ao fim, só variava a
intensidade, de imperceptível a pancadão. Nos fundos do ginásio, que
davam pra baixada ao lado do rio, havia já um gramado com uma grande
poça d'água, e nos perguntávamos se seria possível atravessá-la
pedalando sem atolar. Mais tarde, depois da janta, percebemos que a
poça havia crescido, e já passava por cima da estrada, onde havia
cavalinhos amarrados, os quais preferiram ficar mais longe. Essa
estrada ligava o ginásio ao Colégio, sede do evento, tendo o rio no meio.

No sábado, dia para o qual eu já havia comprado passagem, a
programação do evento envolvia palestras pela manhã, e um passeio de
fim de tarde que terminaria à noite em Balneário, portanto o plano era
ir no passeio já com todas as minhas tralhas, e ficar por Balneário
mesmo até a hora de pegar o ônibus.
Pois bem, enquanto assistíamos às palestras (ergonomia, velotour no
vale europeu, caminho de santiago), a chuva aumentava, aumentava,
aumentava, e a galera já estava de olho arregalado, olhando um pouco
pro palestrando, um pouco pra janela. Após o almoço, regado a muito
chuva (eu não estava na chuva, mas via a chuva caindo pelo vidro),
resolvi conferir do que se tratava o que o pessoal falava: que já não
passava carro entre Balneário e Camboriú, devido à inundação parcial
de algumas rótulas e acessos.

Pois peguei a bicicleta para ir até a ponte, que não estava coberta.
Entretando, logo após a ponte (sob a qual o rio passava já muito mais
alto que o nível que eu me acostumei a ver), a rótula estava de fato
ficando inundada, com mais ou menos uns 20 cm de água, nada demais, e
eu passei pedalando sossegado, com pé seco. Resolvi seguir a
Balneário, uns 4km além, e aí sim a coisa foi mais complicada, pois
tive de fazer um baita desvio, e só consegui passar seco porque passei
por dentro de uma empresa de cimento, cujo pátio possui um bueiro e
uma pontezinha. A rótula de acesso, que fica ao lado do viaduto da
101, não só estava com água pelo meio da coxa, como também havia muita
correnteza. O pessoal de um posto de gasolina comentou que, com a
subida da maré no fim da tarde, a água já estava invertendo o sentido,
e ao invés de ir para o mar estava voltando para a terra. Alguns
motoristas corajosos arriscavam-se a atravessar na base da ogrice,
fazendo água correr por cima do capô, e levantando ondas meio
perigosas para algum pedestre ou ciclista que estivesse perto.
Voltei bastante preocupado, e me chamou a atenção os comentários de
que o nível estava subindo. De fato, se na ida passei com pé seco, na
volta o ponto mais fundo dava na altura do cubo da roda, e embora
tenha passado pedalando, os pés ficaram ensopadões.

De volta ao hotel, fiquei na dúvida entre ir ou não ir. O cara do
guichê na rodoviária disse que eu tinha até as sete e meia para
remarcar a passagem, do contrário corria o risco de perder o valor
(que não é muito, mas eu também não tenho sobrando). Cheguei a ligar
pra Natalia, minha esposa, dando a notícia que só chegaria na segunda
de manhã, e digamos que, com razão, ela não curtiu muito... (afinal eu
já tava "de férias" desde terça de noite!). Resolvi ir mais uma vez
até a ponte, e agora até mesmo o lado de cá da estrada já estava
abaixo da água, ou seja, o nível estava REALMENTE AUMENTANDO RÁPIDO!

Com muitas incertezas, fiquei assistindo a palestra de Santiago de
Compostela, e não por isso, mas pela contrariedade pura, tive uma
"revelação iluminadora", levantei sem dar tchau para quase ninguém, e
direto ao Ginásio. Lá, sozinho, empacotei minhas coisas tão
rapidamente quanto pude, pois já passavam das cinco e meia e logo
começaria a escurecer. Enquanto colocava roupas mais curtas e
"molháveis", o telhado de zinco retumbava com a chuva torrencial, a
paisagem pela janela branca de chuva, a rua atrás do ginásio já um
meio metro mais alta do que da última vez que olhei. Tendo pegado
tudo, me mandei, e ao contrário do que tinha dito pro pessoal, não
voltei ao hotel para me despedir, preferindo garantir o maior número
de minutos possível, se possível com luz do dia.

Como era de se esperar, a rótula logo do outro lado da ponte de
Camboriú estava muito, mas muito mais alagada. O nível da água havia
subido, a extensão submersa da avenida agora tinha uns 300m de
comprimento (até a curva, onde a vista alcançava), e vários pontos
estavam com uma correnteza que inspirava muito cuidado. Tentei passar
pedalando, mas logo percebi que a bici perdia contato com o solo, e
como se não bastasse a corrente caiu, e dali em diante fui empurrando.
Mesmo indo devagar, e com cuidado, às vezes a leve correnteza, aliada
ao nível da água pouco abaixo dos joelhos, empurrava a bicicleta a
ponto de tirar a roda dianteira do chão, e nos pontos de correnteza
mais forte, eu dava passos bem curtinhos, parecia um pajé fazendo a
dança da (não)chuva... Às margens/calçadas, e principalmente nas
cabeceiras da avenida (deveria dizer na nascente e na foz?), filas de
veículos e de moradores observavam com dúvida e consideravam algum
plano de travessia.

Chegando ao outro lado, me recomendaram que pegasse a Av. Biguaçu, que
seria a menos problemática para travessia. Resolvi seguir o conselho,
e já virando a esquina se observava que mais adiante a avenida tinha
virado uma raia de esportes náuticos... Ao menos não havia correnteza,
a água estava mais ou menos parada. Na dúvida entre seguir ou não os
conselhos contraditórios sobre ir pela calçada ou ir pelo meio da rua
(por questões de cair no bueiro e coisa e tal), adotei a estratégia de
ir perguntando, na frente de cada casa, se o trecho era seguro, se
tinha necessidade de alguma precaução, etc.

E assim, fiz, fui avançando, e a profundidade foi aumentando (a
avenida era um levíssimo declive). Confesso que me senti um super
desbravador, afrontando a adversidade dos elementos com minha
determinação em seguir adiante e cumprir meu objetivo superando os
obstáculos impostos...
Foi quando, de repente, ao passar ao lado de uma casa, vi uma moça na
janela, naquela posição clássica que aparecem nos quadros e esculturas
do Brasil colonial... A parede da casa em que ela estava era de
madeira, e a parte inferior das tábuas desapareciam diretamente dentro
da água suja (naquele trecho, a água estava pela metade da minha coxa,
e eu levantava a traseira da bici para não submergir os alforjes).
Dando mais alguns passos, olhando pelo quintal dessa casa, não dava
pra ver os degrauzinhos de acesso, nem as rodas do carrro
estacionado... Olhando para frente novamente, pude ver um rapaz,
provavelmente morador da casa, entrando. Nos olhamos em silêncio,
rapidamente, apertando os lábios e levantando as sobrancelhas com
aquela expressão de quem pensa "Éééé..." De fato, a coisa não tava
fácil, mas não para mim, que chegaria, com um mísero atraso, à minha
casa seca e quente, depois de um feriadão cicloturístico...

Chegando à Rodoviária, confirmei com o rapaz da Penha, com o qual
havia falado durante o dia por telefone, que eu estava presente e o
embarque estava confirmado. Fui procurar um lugar para jantar, e
acabei indo parar em um posto de gasolina, onde o frentista
rapidamente veio me cumprimentar. A primeira coisa que ele disse é que
tinha vindo pedalando de Belo Horizonte até Balneário, onde morava
atualmente, e que adorava bicicletas. Pedi para ir ao banheiro, que
por sorte era espaçoso e limpo. Entrei com bici e tudo, tranquei a
porta, e me senti como se estivesse em um hotel, depois de toda aquela
molhaçada, lama, correnteza e tal. Fiquei uns 15 minutos tirando e
guardando roupa molhada, colocando roupa seca que etava no alforje,
lavando o tênis, que continuou molhado durante toda a viagem. Saindo
de lá e me sentindo mais ou menos renovado, fiquei aguardando a chuva
diminuir para ir jantar. Apareceu o frentista novamente, e conversa
vai, conversa vem, eu disse a ele que estava pensando em jantar no
Shopping (um Giraffas com feijão, arroz, costela, batata frita,
salada, farofa e refri, por 12 pila, recomendo muito!!!). Ele sugeriu
que eu cadeasse a bici no fundo da garagem de troca de óleo, e foi o
que fiz, bastando atravessar a rua para chegar ao Shopping, já
congestionado de veículos em sua entrada.

Por ser sábado, o Shopping estava cheio, mas mesmo estando vestido
como um mendigo (tênis cinza ensopado, calça de ciclismo da fox,
jaqueta de nylon cor de laranja, cabelo totalmente maloqueiro), não me
intimidei e achei todo aquele conforto genial. Ao perguntar para a
moça do balcão por um telefone, ela não soube me informar, mas
comentou que o acesso ao estacionamento no piso inferior estava
interditado, pois o mesmo estava cheio d'água... Pobres autinhos...

Saindo de lá, peguei a bici sã e salva, e fui pegar o ônibus.
Entretanto, àquela hora até mesmo as ruas que davam acesso à
rodoviária já estavam alagadas, de modo que novamente tive de enfiar o
pé na água, chegando à rodoviária com o zíper do tornozelo aberto em
ambas as pernas da calça, que quadro...
Desmontei a bici com toda a calma para não suar, guardei e embalei
tudo (uma dica, quando disserem que tem que entrar com a bike embalada
no ônibus, não significa vir em alta velocidade, com a bike "bem
embalada" para entrar no bus...). Sentei no chão da área de embarque
mesmo, onde fiquei esperando hora e meia, contemplando a chuvarada,
descansando, meditando, curtindo o ar livre, já que não estava frio.

O que se segue está dentro do que vimos no jornal, do qual relato
agora resumidamente:
1) O ônibus chegou no horário, mas a PRF mandou voltar pra Itajaí
depois de menos de 10km de estrada, porque o Morro do Boi estava
interditado;
2) Criou-se uma confusão no bus, porque nem a polícia, nem a empresa,
nem o motora e nem os passageiros estavam em consenso sobre qual a
melhor conduta: desistir, esperar, pegar desvio, mas no fim acabamos
voltando pra Itajaí, onde comemos, fomos ao banheiro, esticamos as
pernas e alguns (não eu) dormiram.
3) Três da manhã a empresa ligou pro motora, e seguimos viagem. Após
um certo trecho trancados no pé do Morro do Boi, chegou a nossa vez de
passar (eu meio sonolento vi pela janela fumê, respingada de chuva, um
veículo da PRF passar buzinando algo muito semelhante a um código
morse... que coisa meio irreal...). A subida do morro foi em meio a
cones de sinalização, muito barro, zigue-zague na pista, montes de
terra e pedras gigantes, árvores das quais só se enxergava as grossas
raízes.
4) Em Paulo Lopes havia outro desvio. Devido ao sono, nem vi Floripa
passar, e quando liguei o GPS estávamos em Águas Mornas, já fora da 101.
5) Pela manhã, acordei em Lages, com céu azul com nuves rápidas. Dali
em diante, a viagem seguiu pela 116, depois Farroupilha, Scharlau e
Porto Alegre.

Cheguei em casa com umas 9 horas de atraso, o que foi até pouco
considerando a dimensão da tragédia em SC. Por um lado, foi bom ter
arriscado sair de lá no sábado mesmo com enchente, pois dali em diante
a coisa só degringolou...

Uma saudação a todos que foram ao encontro, com mais calma podemos
comentar especificamente sobre ele.

Abraço a todos

Helton Moraes

VII Encontro Nacional de Cicloturismo e Aventura - Camboriú-SC, de 20 a 23 de novembro de 2008 - Relato

E aí, Galera!

Fiquei um tempo sumido, mas a participação no Encontro de Cicloturismo em Camboriú reavivou não só meu espírito cicloturístico e ciclo-narrativo, como forneceu também uma ampla série de aventuras e experiências para relatar. Então, lá vai (tudo num post só, para reduzir a necessidade de clicar em muitos links).


Dia 00 - quarta-feira

Acordei após uma noite nem tão bem nem tão mal dormida no ônibus da Brasil Sul, linha Porto Alegre Floripa. Olhei pela janela e percebi que estava na via expressa que liga o continente à ilha, ainda no continente. A bike vinha "bem embalada" no bagageiro, junto com barraca e alforjes. Chovia um bocado, e eu já estava pensando "ai, que saco, que roupa eu vou botar? A amarela ou a vermelha com azul?". Tou brincando, mas quem já encarou a perspectiva de ter de sair pedalando JÁ com chuva sabe do que tou falando...
Desci na rodoviária, montei a bicicleta com a maior calma do mundo, afinal eram sete da manhã e o encontro com a Hila Rocha e o resto do pessoal era só às nove na cabeceira insular da ponte. Dali, fui tomar café naqueles balcões que tem dentro da rodoviária. Em seguida, ainda com toda a falta de pressa, liguei pra Hila confirmando a hora e o local e a razão, e como a chuva havia parado, em seguida saí pra rua.
Fiz uma grande volta para pegar a passarela, e fiquei lá aguardando, enquanto alguns motociclistas faziam moto-escola, e o chão fazia de conta que secava. Num determinado momento, fui pela ciclovia até a beira-mar norte, não vi ninguém, voltei... Fui de novo, e então veio uma moça pelo outro lado da rua, com capa de chuva, capacete, então eu pensei "oba, o pessoal começou a chegar". Fiz uns gestos para ela, e ela fez uns gestos para mim, mas como não havia semáforo ou faixa, ela esperou bastante para poder atravessar. Chegando do lado de cá da rua, já fui logo perguntando se ela ia se reunir com o pessoal da Hila, se ela ia seguir para o continente, o que ela ia fazer. Ela me disse que ia para o continente sim, pois o companheiro dela tinha furado o pneu, e portanto ia voltar para a base. Eu achei estranho esse papo de base, achei organização demais. De repente, vi que sob a capa de chuva, junto ao pescoço, saía a antena de um rádio. Mmmm... Olhei para a bicicleta, e então me senti um estúpido: nela estava escrito algo como "Guarda Municipal"... A mina estava trabalhando! Aaaaaaaaahhhhhh que idioootaaa!!!
Bom, passado o equívoco, pedi desculpas, dei tchau e voltei para a minha "base" junto à rampa da passarela. Logo em seguida, apareceu a Hila, e pouco depois o Carlos Neckel, já às nove e vinte. Nesse ínterim, eu já tinha mandado mensagem para o Leonardo Esch, que estava hospedado num hotelzinho em Tijucas, dando uma idéia de horário.
Depois das apresentações iniciais, nos mandamos pela avenida do estreito, onde parei para calibrar pneu e passar diesel no aro dianteiro, que por estar torto fica trancando perigosamente quando eu freio (fique claro, LEVEMENTE torto...). Assim fomos nós, pedalando sob o chuvisco eventual, percebendo qual era o ritmo um do outro. A 101 mostrou-se como sempre um ótimo lugar para pedalar, mas um péssimo lugar para conversar, devido ao ensurdecedor e constante barulho dos caminhões passando. Me divertiu particularmente observar as bicicletas malandrinhas dos meus colegas: a Hila com seu quadro Specialized feminino cheio de tubos curvos, adequados ao seu tamanho "pequeninho". Aliás, pro tamanho dela ela pedala móóóito... Deu trabalho acompanhar, até porque estava levinha levinha depois que arranjou carona pra bagagem dela, na véspera. O Carlos, assim como eu, parece ser apreciador dos componentes mais "fora do comum": Dahon Matrix dobrável (aro 26), bagageiro especial para cicloturismo, alforjes impermeáveis, cubo dianteiro com dínamo, guidão de cicloturismo, canote com suspensão... Coisa bonita de se ver.
Em determinado momento, a necessidade de comunicação com o Leonardo me levou a pedir para parar num boteco, e ali percebi que havia três mensagens, e o maluco já estava pra se mandar de Tijucas, onde pretendíamos almoçar. Liguei pro home, e combinamos de nos encontrar todos em Porto Belo, para almoçar. Como começou a chover mais forte, aproveitamos para comer um delicioso pastel de camarão, que no meu caso foi acompanhado de guaraná. Fomos muito bem atendidos, mas eu só lembro que era uma casinha à beira da 101 a mais de 10km de distância de tijucas ainda.
Com a nova meta e o novo horário, nos mandamos semi-rapidamente para alcançar o Leonardo antes que ele resolvesse fugir de novo. Em Tijucas, chegamos já com calor, devido a um certo mormaço, e com aquela sensação de "tá na hora do almoço, onde que ele tá?". Em mais alguns quilômetros, chegamos ao trevo de Porto Belo, não sem antes passarmos por aparentemente ótimas opções de almoço gostoso e barato. Ali, ligamos para o Leonardo, que disse estar na frente da igrejinha de Porto Belo. Aiai, lá vamos nós. O trecho de blocos de cimento meio que "matou" a energia final da galera, e fomos trepidando, tomando fechadas de carros, nos equilibrando no cantinho da estrada, até chegar à tal igreja, onde o Leo nos esperava com seus quatro alforjes, uma tralha enorme e indefinível sobre o bagageiro traseiro, e um reboque de duas rodas pendurado na bike. Quanto ao próprio, o que mais chama a atenção era o bronzeado estilo "camarão", confirmando a impressão de que os cicloturistas mais "guascas" não fazem muita questão de usar o filtro solar.
Após as apresentações, o Leo nos informou que o restaurante era "só mais um quilômetro" pra dentro. Lá fomos nós com aquela cara de "tomara que valha a pena". De fato valeu. Chegamos no restaurante com mesas na rua, enchemos nossos pratos no buffet livre, e ficamos lá enchendo a pança (como descobriu quem conviveu comigo durante o encontro, meu maior prazer além de pedalar, talvez até mais), e tomando muito Caldo Preto (dos Cães do Norte, também chamada Coca-Cola). Ali ficamos umas duas horas, e obviamente o papo girou em torno de pedais, viagens, trajetos, países (!), etc.
Seguimos dali, já muito mais descansados, energizados e acalmados, voltando pelo mesmo trecho até a entrada para Perequê e Meia-Praia. Numa avenida paralela ao mar, com pouco movimento mas muito paralelepípedo, visualizamos o mar, e pensamos que seria bom pedalar à beira de sua areia dura e lisa. Dito e feito, lá fomos nós, sob o terreno lisinho, com a paisagem bem menos urbana ao nosso lado. Ao menos até encontrarmos um ponto mais alto, onde a Hila e o Carlos preferiram pegar a rua de novo para não arriscar. Eu e o Leo passamos, e foi a última vez que vimos a Hila e o Carlos por mais de meia hora. Por muita sorte, lá onde a principal de Meia-Praia encontra a 101, vimos os dois, e felizmente nossa viagem não foi desconfigurada de forma vã e leviana.
Ali havia a possibilidade de irmos por terra (pelo morro do Boi ou do Encano, ainda bem que não fomos), mas a galera unanimemente preferiu ir pelo túnel. Fomos até lá e atravessamos sem maiores novidades, e demos umas tenteadas pelo lado de lá da 101 em Balneário até conseguirmos achar a Av. Santa Catarina, que é a avenida que vai até Camboriú. O Leonardo seguia os mapas de papel, e eu consultava o GPS, e assim ambos nos levaram ao Ginásio, que era muito maior ao vivo do que na foto aérea do Google Earth! Lá chegamos, entramos, e só vimos umas moças bonitas de shortinho jogando vôlei. Três de nós contiveram o impulso de convidá-las para participar do evento de cicloturismo, e uma rápida ligação para a Eliana (do Clube) esclareceu que nossos alojamentos eram no sub-solo. Lá fomos nós, já sem muita paciência para carregar a bike escada abaixo (descemos segurando no guidão, sem frear, inclusive o Leo com seu reboque que nem freio tem mesmo...), e adentramos o enorme recinto que nos coube como alojamento, cheio de janelas e lâmpadas, bem como cicloturistas já chegados. Me lembro assim rapidamente do Ricardo Curupas, do Valdo, de outro senhor de barba que não sei o nome, talvez o Adilson, um magrão de Alegrete, e uma figura muito diferente que viria a ser chamada de Hindu, ou Indiano, da qual se aguardam maiores informações (de onde veio, pra onde foi, quem era, essas coisas). Em algum momento deste dia ou do seguinte chegaram o Vilson e a Beth, e o Marcelo Varda, todos de Floripa, que acamparam ao lado da porta (minha barraca era a única daquela parede que não era de Floripa). Ao todo, até o final do evento, chegaram a estar montadas 17 barracas naquele salão.
Depois de montadas nossas barracas, passamos à fila do banho, e em seguida à melhor parte: o "entrosamento". Como não poderia deixar de ser, o assunto predominante eram bicicletas, peças, oficinas, trajetos, viagens, lugares, barracas, fogareiros, de onde tu vem, por onde tu já passou, fotos, etc. No geral, os viciados que fugiram de casa para poder chegar um dia antes eram cicloturistas bem rodados, e a troca de experiências foi rica. Exceto com o Hindu, que estava concentrado girando sua Powerball. Bom, cada um cada um.
Um rápido consenso nos levou a ir jantar em algum dos poucos restaurantes possíveis, mas dois deles estavam fechados, de modo que a opção pela Pizzaria foi fácil. Fácil e adequada, pois além de pizza tinha macarrão e lasanha, à vontade, por míseros 9,90 por pessoa. Não preciso dizer que comemos como uns jegues (ao menos eu comi, que que tem?), e não demoramos a ir nanar.


Dia 01 - quinta-feira

(como já passaram-se alguns dias desde os fatos até os relatos, perdoem-me alguma inconsistência)
Acordamos mais ou menos cedinho, e começamos a nos preparar para ir ao Colégio Agrícola de Camboriú (CAC), onde éramos esperados a partir das oito para confirmar inscrições e pedalar em seguida. Bota meia, bota bermuda, limpa óculos, aperta capacete, oito e pouco estávamos lá, em meio a uma cambada de ciclistas, muitos dos quais ainda não tínhamos visto, pois haviam chegado recém ou estavam em hotel. Tudo que é tipo de bicicleta, algumas diversas reclinadas, alguns encontrando velhos amigos, outros mais perdidos que cebola em salada de fruta, ao menos no início. Vencidos os trâmites com inscrição, fomos eu, o Léo, o Vilson e a Beth, no mercado da cooperativa, dentro mesmo do colégio, onde havia pães de queijo por 50 centavos (e não eram pequenos...), e outros comes e bebes. Por falta de iogurte, comprei um litro de leite, uma barra de chocolate (200g) e quatro pães de queijo. Não preciso dizer que penei para comer quase todo o chocolate e quase todo o litro de leite, e guardei os pães de queijo para consumo posterior. O dia já estava ficando ensolarado, e a perspectiva de ganhar um bronzeado de ciclista estava se confirmando. Na hora da saída, fomos papeando com um, papeando com outro, fazendo uma baita social. Encontrei-me com o César, reclineiro de Porto Alegre, que eu não sabia ser marido da Ana (Fukui), com quem troquei email muito tempo atrás e que eu sabia terem feito uma viagem pelo sudeste da Ásia. Também revi, para minha total surpresa, o Dorival Prado, em cuja casa já pude ficar num ano novo em São José dos Campos. É como eu digo: quem pedala sempre, acaba encontrando as mesmas caras sempre... Que bom!
Uma perspectiva que eu tinha para o passeio desse dia era pegar a subida do Morro do Encano (não era do Engano, não) SEM o peso dos alforjes, o que representava a possibilidade de um treino de "corrida em subida", já que sempre tem uns viciados que querem disparar. Para minha surpresa, a velocidade era controlada, mas com jeitinho consegui convencer a organização (a Eliana, hehe) a ir atrás do carro da Polícia. Acho que o brigadiano sentiu minha intenção, e subiu num ritmo suficiente para me deixar de língua de fora, e foi desse jeito que cheguei, juntamente com uma galera, ao topo da subida, onde ficamos um tempo para esperar a manada reunir. Ali, mais confraternização, fala com um, fala com outro, curtindo a paisagem, inclusive a humana (felizmente a proporção de mulheres no ciclismo de lazer tem aumentado continuamente, espera-se que essa proporção atinja 9:1 em breve!). Ao me mexer para falar com um conhecido, vi que meu pneu tava furado, mas felizmente pude trocar a câmara (ou câmera?) sem muita demora, atividade para a qual vários voluntários ofereceram ajuda. Nada como a cooperação!
Bom, depois do descanso, veio a tão sonhada DESCIDA!!! Como a descida também era com velocidade controlada, optei por esperar todo mundo descer, até ficar por último. Em seguida, descia soltando os freios e fazendo as curvinhas pela valeta, na certeza de não haverem carros subindo (ou ao menos não carros desavisados). Apesar de achar um tanto estranho esse comportamento, o fato de outras pessoas fazerem o mesmo, e de a organização (o FES, que estava de "vassourão" do passeio) não pegar no meu pé, deixou minha consciência mais tranqüila. Lá embaixo, depois de uma parada para esperar o carro da polícia pegar (acho que não pegou, porque a galera seguiu e não vi mais carro de polícia) seguimos pelas ruas de Itapema até a concha acústica, onde uns toldos faziam uma bela sombra, e onde recebemos uns sanduíches de frios que estavam uma delícia (isso já era meio-dia, mais ou menos). Papos batidos, lanches feitos, pegamos os cafões e nos mandamos, para outra subida que, diziam, era ainda mais casca do que a anterior.
E de fato, assim que chegamos no pé dessa subida, uma simples olhada para frente (ou melhor, para cima) era suficiente para desanimar qualquer um. Mas não foi por isso que desanimamos, e o próprio Rodrigo (Telles) tratou de mostrar a que veio e se mandou na frente, acompanhado pelos outros viciados, incluindo eu. Mas não deu pra agüentar até o fim, e resolvi parar no trecho mais inclinado da subida, pra botar os bofes pra fora um pouquinho e recuperar o ar. Nisso, uma galera já vinha subindo, e foram pedalando firmes lá para cima. Depois de retomar o trecho, na subida restante que não era pouca ainda vi um companheiro com a corrente na mão, pois ela havia se partido. Lá em cima, dei uma mão ajudando a remendá-la, retirando um elo.
Pois nesse momento, veio um vento litorâneo, que subindo o morrinho condensou toda a sua umidade em forma de gotas líquidas que caem sobre ciclistas, deixando-os úmidos, depois molhados, depois enxarcados, depois ensopados com batata... Pois o vento vinha, e a chuva apertava, e a galera começou a puxar tudo que era tipo de capas de chuva com capuz... Eu casualmente não tinha nada disso, de modo que tive de agüentar um certo frio, que passava durante os momentos de pedal, e voltava nas paradas. O trajeto seguiu num sobe e desce com cada vez mais chão molhado, levemente enlameado e escorregadio, além de pedregoso e um tanto esvaletado. Foi quando um pessoal que estava na frente acabou pegando um caminho errado, e todo mundo parou para esperar. E nessa parada, só o que não parou foi a chuva, forte, que nos empapava por completo. No que pareceu ser muito tempo depois, a galera desgarrada voltou, e seguimos o baile. Isso significou basicamente repetir a estratégia da descida anterior: esperar a galera ir na frente, e depois descer ziguezagueando (com o máximo de segurança possível) no meio da galera, até alcançar o pelotão da frente, esperando novamente e repetindo o ciclo.
Chegando lá embaixo, foi a vez da ambulância dar pau, mas acho que acabaram conseguindo fazer com que ela pegasse no tranco. Fomos pedalando pelo mesmo caminho em que tínhamos passado de manhã, e ao irmos chegando perto do Ginásio, formou-se uma comissão de espertinhos, encabeçada por mim e pela Hila, que se adiantaram e praticamente bateram corrida para chegar primeiro no chuveiro. Por sorte consegui (baita cavalheiro!!), e tomei um banho logo para desocupar a moita.
Não lembro exatamente como foi depois, mas o fato é que havia palestra sobre leis de trânsito, para a qual fomos devidamente higienizados e alimentados. Na palestra, informações úteis sobre artigos do código de trânsito, às vezes obscuros para nós reles mortais (leia-se não-advogados). Chama a atenção o fato de que a lei usa e abusa de formulações vagas, como "distância apropriada", "ou sempre que for conveniente", "exceto em situações em que não seja possível", tornando uma tarefa árdua resolver conflitos quando há acidentes e busca-se determinar de quem foi a culpa pela infração. De qualquer forma, é sempre muito melhor evitar o acidente, e sou cético quanto à possibilidade de ter sucesso nisso APENAS seguindo a lei de trânsito, mas enfim...
Depois da palestra, fomos uma turminha em busca de emoções alimentares e alcoólicas, o que foi conseguido unindo as forças comerciais de um boteco (cervejinhas) e de um trailer de cachorro quente. Ali ficamos conversando eu, o Varda, o Léo, a Pink, bem como a Meliane e sua mãe. Fomos nanar mais ou menos tarde, mas enfim, viagens são para isso, e descansa-se em casa.


Dia 02 - sexta-feira

Narrar este dia vai ser fácil: começou chovendo, ficou chovendo, e terminou chovendo.
Além disso, aconteceram outras coisas. Ainda de manhã muito cedo, minha semi-ressaca foi despertada pelas vozes animadas de vários e várias ciclistas que aparentemente já estavam com o cérebro em plena atividade. E ao fundo ouvia-se o trovejar da chuvarada no telhado de zinco. E eu pensando "nããããooo, eu não quero pedalaaaar...". Já pensava que seria tachado de bundão, mas quando levantei percebi que muitos não estavam prontos, nem sequer se aprontando, e muito menos pretendendo se aprontar para o pedal, o que muito me agradou, pois ao menos não seria abandonado sozinho. Provavelmente, assim como eu, muitos preferiram não expor seus corpos e as respectivas extensões de metal e rodas à voracidade líquida, particulada e oxidante da chuva e da lama. Ficamos ali, compactuando mutuamente a favor da idéia de NÃO pedalar sem culpa. O Vilson e a Beth nos mostraram seus TRÊS muito bem recheados álbuns de fotos tiradas NO ÚLTIMO ANO, com essas atividades chatas como cicloturismo, free-ride, surf, praia, paint-ball, trekking, e essas coisas. Que vidinha mais ou menos, hein... Um dia eu chego lá! Também vimos as fotos do Valdo, inclusive as fotos pelado na salina (é por isso que ele tá tão bem conservado...), assim como fotos em tudo que é canto das Américas. Coisa de dar inveja, no bom sentido.
Na hora do almoço, alguns de nós foram ao Primus, que serve um buffet livre altamente adequado para quem quer estufar a pança com coisas deliciosas sem gastar uma fortuna. De lá, fomos à palestra.
De manhã, demos tchauzinho para o grupo de corajosos que foram pedalar, pois passaram na rua dos fundos do ginásio, e não eram tão poucos. Mais tarde, soubemos que o passeio, na interpraias, teve de ser encurtado devido à intensidade das chuvas. A palestra era no colégio agrícola, onde cheguei com pé e calça molhados devido ao pancadão pluvial. Falou-se de GPS e suas vantagens, confirmando esse tipo de aparelho como algo praticamente feito sob medida para o cicloturismo. Eu particularmente sou fã, e recomendo a todos que costumam ir a lugares novos, pois é possível planejar e decidir tudinho no conforto do lar, evitando que decisões críticas tenham de ser tomadas "no calor do momento" (ou no frio do momento, ou na chuva, no cansaço, fraqueza, fome, medo, angústia, aflição, desespero, e outras sensasões amenas).
Naquela noite, todos foram à pizzaria, que ficou bem cheinha, assim como nossas panças. Depois do rango, uma belíssima palestra (pra mim a melhor de todas, não que as outras não fossem ótimas) sobre o caminho do Peabirú. Recomendo que vão ao site dos Caminhos do Sertão e baixem o Trabalho de Conclusão de Curso do magrão lá, que é jornalista e foi muito bem-sucedido em seu relato. Parabéns.
Em seguida, um rolezinho pra tomar a cervejinha discretamente, e em seguida soninho. Vale comentar que, antes de deitar, vimos que a rua atrás do Ginásio já estava parcialmente alagada.


Dia 03 - sábado

Bom, que eu me lembre neste dia a galera já não estava mais nem considerando pedalar, a menos que a chuva parasse em definitivo, saísse um baita sol e um ventão secasse tudo (coisa que, aliás, não aconteceu). Fomos à palestra de manhã, que foi no hotel, sobre Bike-Fit para Cicloturismo e Velotour, ambas muito interessantes. Como sou um entusiasta da ciência da bicicleta, tanto em termos de Mecânica quanto em Biomecânica, não pude deixar de participar, perguntar, inquirir, indagar, questionar, argumentar, sugerir, etc. Devem ter me achado um chato, mas se a gente trocar idéias, todo mundo sai ganhando e ninguém sai perdendo, e acho que pra isso é que serve o encontro, entre outras coisas.
Almoçamos novamente no Primus, com muita chuva rolando (o Hindu foi na LAN House do outro lado da rua, tendo passado algumas vezes com sua capa de chuva na frente do restaurante, sempre em baixa velocidade. Vale lembrar que ele foi aos passeios sempre com todas as suas bagagens aparentemente enxarcadas, levando a sacolinha de brindes do evento pendurada no guidão...). Durante o almoço, a distração foi a resolução de um probleminha de lógica que consiste no seguinte:
"Você tem doze bolinhas aparentemente iguais, mas somente uma tem peso levemente diferente das outras, podendo ser mais leve ou mais pesada. Dispondo apenas de uma balança de pratos, que aponta apenas se o peso é igual ou diferente, determine uma estratégia para descobrir de forma garantida qual é a bola diferente, com apenas TRÊS pesagens."
Quem tiver interesse, me contate em PVT. O Varda e a Beth também, visto que eles é que fizeram os melhores progressos que culminaram na solução. Vale também registrar a presença, neste almoço, do Hélder, do Rio de Janeiro. Ele compareceu ao evento com uma jóia conhecida por poucos: uma Surly Long-Haul-Trucker, modelo considerado excelente para cicloturismo com muita carga, por ser de aço cromoly reforçado, com garfo próprio, geometria específica e várias frescuras soldadas ao quadro, como suporte para três caramanholas, dois pares de furos rosqueados junto a cada eixo (para bagageiro e paralamas), porta-raios no tubo da gancheira esquerda (!!), e engate para trocadores no tubo inferior do quadro (como eram as speed antigas). Além do bagageiro Tubus, em si outra jóia.
À tarde, fomos assistir mais palestra: vídeos do "Tour de Franca", e do Caminho de Santiago logo em seguida. Haveria um coquetel de confraternização, com salgadinhos e refris, mas a chuvarada era tão, mas tão, mas tão cavalar, que até a galera que foi a todos os passeios na chuva (e portanto aparentemente não tem medo dela) já estava meio surpresa. Eu, com minha passagem comprada na rodoviária de Balneário, estava com vários daqueles sentimentos "amenos" que comentei alguns parágrafos atrás.
Foi nesse momento que eu percebi que, se não me mexesse logo, ia ficar a ver navios, e não ia ser no Porto de Itajaí. Mas aí já faz parte de outro relato, que está postado logo depois deste.

Até mais

Helton

Epílogo - O encerramento da jornada

E aí, Galera

Este post está reservado para o relato dos últimos três dias de uma viagem que começou em 05 de dezembro de 2006 e terminou em 04 de março de 2007, envolvendo 5.000km em 90 dias.

Como sabem, é mais fácil escrever longos relatos nas férias do que depois que elas acabam, e é por isso que esta história ainda não foi contada até o fim. Como não posso mais contar com os 90% de transpiração, necessários a outras atividades da vida, no momento, vou deixar uma margem para os 10% ou menos de INSPIRAÇÃO, que um dia há de vir para que eu escreva com a merecida riqueza de detalhes a respeito daqueles três dias.

Quem tiver interesse de saber o que aconteceu nesta viagem desde o início, pode começar aqui:
http://numadenomade.blogspot.com/2006/12/dia-00-porto-alegre-rs-00-km.html

E, como não tá morto quem peleia, pretendo muito em breve dar vida nova ao blog, com relatos de novas aventuras que venham a ocorrer (no caso de mudar a temática, criarei outro blog, com link cruzado neste aqui).

Um abraço a todos que me deram a honra de suas visitas

Helton

Thursday, July 26, 2007

Dia sem número (a viagem já acabou!) - não vão poder me acusar de não terminar a história!

E aí, Galera

Já não era sem tempo! Há quem diga que a produção artística ou intelectual consiste de 10% de inspiração e 90% de transpiração. Apesar de concordar parcialmente, por respeito ao olfato literário de meus queridos leitores e leitoras, prefiro escrever apenas quando a inspiração se manifesta com mais generosidade, como creio ser o caso agora. Já cheguei em casa há duas semanas (na verdade há vários meses, pois este post começou a ser escrevido em março e terminado em julho), as aulas estão muito interessantes, e o descanso gerado pelo desemprego dá a impressão de que minha cabeça renderá muito nos estudos este semestre*. Tomara. Felizmente, para concluir, minha ânsia nômade foi substancialmente aplacada pela viagem e tudo que nela ocorreu, o que é muito bem-vindo na vida de alguém que está novamente acorrentado a limitações geográficas e cronológicas institucionais, mesmo que voluntariamente e por um bem maior. Lá vamos nós, então.

A quarta feira, dadas as condições, até que começou bem. Acordei com o despertador do Edgardo tocando, já que pretendíamos tomar o café nem tão tarde para seguir viagem nos esquivando do sol que prometia ser forte. A perna estava aparentemente bem, apesar de estar exsudando um pouco daquele característico líquido seroso e levemente amarelado das feridas extensas e não tão profundas. Foram deixadas algumas manchas no lençol, por esse motivo, mas fico com a impressão de que lençóis de hotel estão acostumados a manchas piores. Mesmo tendo levantado cedo, para tomar o café, a preguiça custou a passar, e fomos nos arrumando do mesmo modo de sempre: veste um par de meia, senta, pensa, veste o outro, fecha um alforje, senta, levanta, pensa, guarda o telefone na pochete... Acabamos saindo já perto da hora do almoço, com sol forte mas com bastante disposição para pedalar. A perna, que apresentou alguma rigidez no início da pedalada, assim que aqueceu conseguiu trabalhar livre de dor, com a força normal e boa amplitude de movimento. Não fiz curativo, de modo que a ferida ficou exposta ao ar, mas coberta com uma camadinha de Merthiolate.
O trecho de travessia urbana de Criciúma, que já conhecíamos bem dada a quantidade de vezes que passamos por ali voltando do Rio do Rastro ou do Corvo Branco para “economizar” trechos da BR-101, foi veloz, trepidante, com alguma tensão normal por causa do trânsito, e bastante quente. Dali, seguimos a Forquilhinha e depois Meleiro, onde decidimos almoçar. Para chegar a Meleiro, é necessário sair da SC-108, por onde vínhamos com um leve vento contra e um acostamento bom, apesar de não muito largo. Optamos por parar em um posto de gasolina, que servia um prato feito farto e barato. Não consegui comer tudo, talvez por efeito do analgésico que ainda tomava, talvez por causa do calor, talvez por causa do cansaço provocado pelo ritmo meio forte (demais, para quem pretende pedalar o dia todo) em que vínhamos. O Edgardo sim, esse limpou o prato mesmo, e obviamente tomamos um refri de dois litros que sumiu com facilidade em nossas goelas.
Na hora de sair da cidade em direção a Turvo, resolvemos tomar um atalho, e esse atalho passava por uma rótula com vários ramos. Analisamos a placa meio confusa, e concordamos que devíamos seguir por um determinado braço asfaltado, e lá fomos nós. O vento continuava contra, e tomamos umas boas pancadas de chuva, que já havia começado no posto de gasolina, devido à (esperada) frente fria, que chegara. Ao passarmos pela localidade de Morro Grande, achei o local meio pouco familiar demais para uma localidade por onde supostamente já havia passado dirigindo há nem tanto tempo, mas enfim... Agora, quando o asfalto virou ESTRADA DE TERRA, aí sim tudo ficou muito esquisito. Perguntamos a dois rapazes num carro envenenadinho que vinha pela estrada como fazer para ir a turvo. Eles disseram que era necessário ir até Meleiro e pegar à direita. Mas aí dissemos que já estávamos vindo de Meleiro, e eles fizeram aquela cara de intrigados (“como assim?”), e eu mais ainda. Liguei o GPS (coisa que já deveria ter feito) e constatei, com aquela cara de quem vê o artilheiro do seu time errar um pênalti, que de fato havíamos andado uns dez quilômetros para fora do caminho, indo parar na cidade de Morro Grande. O carro dos caras acabou apagando, e não queria ligar mais. Perguntaram se eu tinha alicate. Eu até tinha, mas na chuva, constatando que acabaria pedalando 20km de graça, achei que antes de mais nada minha situação era pior que a deles, e disse que não tinha, seguindo em direção a Meleiro. Ao menos a volta foi com um bom vento a favor, e conseguimos alcançar a estrada verdadeira com facilidade. Ao chegar perto de Meleiro, encontramos um senhor em um carro, também confuso por causa da placa, que escapou de andar os tantos quilômetros a mais porque casualmente resolveu perguntar para nós.
Dali, fomos a Turvo, ainda pelo asfalto e ainda com chuva, que já começava a diminuir (as nuvens estavam se dirigindo para o norte). O ritmo já não era tão forte, afinal tínhamos pedalado bastante já, e não queríamos acabar com a energia necessária para o dia seguinte. A idéia era ir a Jacinto Machado, e ao olhar o GPS nos demos conta de que era muitíssimo provável que houvesse um trecho de estrada de chão que serviria como atalho, nos livrando de ter que ir até Ermo pelo asfalto para só então ir para Jacinto Machado. Pedi informação em um posto de gasolina, e de fato me explicaram detalhadamente como ir até lá, destacando que faltavam apenas mais uns doze quilômetros. Beleza.
Seguimos então pela estrada de terra e cascalho, bastante pesada e fofa, com muitas pedras e poças de água suja. Eu naquele momento estava voltando a enfrentar um problema de assadura ultra-ardida. Creio que devido a estar tomando analgésico, senti menos dor na bunda do que seria o normal, e possa ter ficado muito tempo sem trocar de posição, gerando falta de circulação e deterioração da fisiologia cutânea das polpinhas, que agora ardiam como se lá houvesse urtiga. Para piorar, o terreno trepidante e a canseira avançada.
Logo no início, passamos por uma grande ponte de madeira, sobre um rio bastante cheio e muito bonito, onde fizemos um lanche à base de Club Social, sentados sobre as grandes pedras que se empilhavam à beira da estrada. O terreno fofo fez com que pedalássemos com mais esforço, o que deu um certo calor, e como o céu estava limpando, a idéia de um banho de rio estava bastante tentadora, mas não houve condição para mim devido ao machucado ainda muito cru e infeccionável. O Edgardo acabou não tomando também, para não se molhar muito, mas ambos molhamos ao menos os braços e a cabeça, coisa que sempre dá um vigor novo à pedalada. E lá fomos nós, afinal já faltavam poucos quilômetros para a cidade.
Logo adiante, depois de algumas curvas, havia outra ponte, esta em condições totalmente diferentes: o rio era bem mais estreito, mas estava muito mais cheio, e a água estava passando em um nível cerca de meio metro mais alto do que a ponte, criando aquela conformação de correnteza por sobre a ponte, um degrau mais alto de água rio acima, com vários galhos grandes de árvores presos pela ponte-represa, e o súbito rebaixamento do fluxo de água na borda “rio abaixo” da ponte, onde a água atinge maior velocidade e logo em seguida uma grande turbulência, levando a reforçar bastante a cautela na hora de cruzar a ponte. O Edgardo atravessou primeiro, caminhando com a bicicleta no ombro e água pelo joelho, com passos firmes, atingindo o outro lado sem dificuldade. Eu estava determinado a passar pedalando, mas ao tentar fazer isso vi que algo estava trancando a pedalada: a água empurrava a corrente e o paralama para o lado, com força, e alguma dessas coisas trancava e a roda era impedida de girar. Acho que até foi melhor assim, pois não tenho certeza de que conseguiria manter o equilíbrio, e acabei também atravessando com a bicicleta nas costas, o que foi mais difícil devido ao peso mal distribuído do alforje sobre o bagageiro. Para meu alívio, o motivo da pedalada trancada devia estar relacionado ao fluxo de água contra a corrente, já que foi possível pedalar normalmente do outro lado, ou ao menos tão normalmente quanto permitiam o cansaço e as assaduras.
Após cruzarmos o rio, tivemos de andar poucos quilômetros mais até entrar no perímetro urbano de Jacinto Machado, uma cidade pequena, situada na planície ao pé dos morros da Serra do Mar. Assim que chegamos, fomos a algum posto de gasolina nos informar sobre algum hotel, e nos informaram que havia um hotel junto à rodoviária, que por sinal era o único da cidade.
Ao chegarmos lá, fomos recebidos por um senhor que era também o dono de um restaurante, que ficava no térreo do hotel, atrás da rodoviária da cidade. Pedimos um quarto, que era bem barato, e, a pedido dele, deixamos as bicicletas dentro do restaurante, onde passariam a noite, e levamos nossas tralhas para cima. O fato de o restaurante possuir a parede frontal toda envidraçada deixou o Edgardo bastante apreensivo, mas eu imaginei que não haveria problemas com as bicicletas (felizmente não houve mesmo...). Fomos ao quarto, e enquanto eu tomava banho o Edgardo foi à procura de uma farmácia para comprar repelente de insetos, que havia muitos em nosso quarto, cuja janela estava de frente para um terreno grande com vegetação alta e prováveis poças d’água. Durante o banho, lavei bem as roupas, luvas, sapatilhas, e depois me sequei bem e passei bastante hidrocortisona na bunda. Ao final da viagem, já estava me sentindo O doente, tomando analgésico, passando corticóide na bunda... Sem falar de uma unha encravada no dedão do pé, que estava branquinha de pus já...
Ao chegar o Edgardo, tomou também um banho e lavou e estendeu suas roupas. Uma pena que o tempo continuasse úmido e que o tempo que teríamos para deixá-las secando fosse curto, porque a estrutura para estender roupa molhada de DUAS pessoas, dentro do quarto, era precária. Fomos então jantar.
No restaurante, havia um elemento sentado à mesa, magrão, cara duns quarenta anos, cabelo oxigenado, pele queimada de sol... O dono do restaurante perguntou se a gente se importava de sentar à mesma mesa, pois assim seria mais fácil nos servir, e aceitamos. A comida foi trazia, em grande quantidade: macarrão, carnes com molho, salada, mandioca, feijão e arroz... Enquanto comíamos, fomos conversando com o elemento esquisito, mais eu do que o Edgardo. Enquanto, para mim, travar contato com aquele tipo de elemento já havia se tornado um dos atrativos de turismo antropológico da minha viagem, o meu amigo estava extremamente desconfiado e contrariado, dado o conteúdo que a conversa ia tomando. Já explico.
Enquanto comíamos carne, feijão, o sujeito estranho (chamemo-lo “Alemão”, embora não apresentasse grandes indícios de ascendência germânica) pegou o pode de farinha de mandioca e, após servir um pouco em seu prato, perguntou-nos, com aquela cara de cachorro com fome: “vocês querem farinha? vocês GOSTAM de farinha?”, e nós, polidamente, dissemos que não, obrigado. Ele então perguntou como a gente pedalava, por que, por onde, se a gente gostava de pedalar, se pedalava muito, se a gente TOMAVA ALGUMA COISA para pedalar... Não demorou para que ele dissesse que era chegado num pó, que trabalhava por aí nos interiores vendendo pôsters (vimos, no quarto dele, a caminho do nosso, pilhas e pilhas de pôsters com aquelas molduras de madeira ordinária), que tinha uma boate em Araranguá, que ele preferia ficar longe da boate o máximo de tempo possível para não gastar todo o dinheiro dele em pó – o problema é que ele adorava! – e assim foi contando. A essa altura, o Edgardo já tinha se mandado para o quarto, e eu, assim que terminei de comer, me fui também, a tempo de ser repreendido por dar tanta trela para um psicopata (“mas eu só tava conversando...”) e por não me importar de deixar as bicicletas a noite toda sem cadeado dentro do restaurante envidraçado onde elas obviamente corriam um sério risco de ser roubadas. É possível, mas em Jacinto Machado?
O fato é que não foi o medo ou o receio que nos dificultou o sono. Durante a noite, fomos atacados por uma horda insaciável de mosquitos, e nem aplicações massivas de repelente (inclusive jatos de spray diretamente no canal auditivo) puderam aplacar a ira dos insetos alados. Pra piorar, eu estava com a perna bem incomodativa, tinha que me virar pro lado toda hora para tentar me ajeitar, e a cada virada a perna ardia muito, muito. Sem falar no calor sufocante, que nos fazia suar, e nos obrigava a deixar a janela aberta, já que não havia ventilador, o que também facilitava a secagem da roupa e a entrada dos mosquitos. Para meu tormento, o Edgardo conseguiu pegar no sono, e começou a roncar paquidermicamente... Enfim, uma noite de cão, que me rendeu pouco ou nenhum do necessário sono que precisaríamos no dia seguinte, para ir a Cambará do Sul.

* Durante o semestre, fiz um curso de ultrassonografia músculo-esquelética, voltando a trabalhar no mês seguinte ao término do seguro-desemprego. Viajei alguns milhares de quilômetros de avião para visitar a Natalia, de Londrina, atualmente minha namorada amada e, de preferência, minha futura esposa. (aquela em cuja casa cheguei podre e saí recuperado, lembram?)

Monday, March 05, 2007

Dia 91 - Porto Alegre, RS - 4.970km - final da viagem

Bom, pessoal, finalmente minha viagem terminou, estou em casa (agora na LAN, na verdade, pretendo me livrar do vício internético doméstico), prontinho para iniciar avidamente minhas atividades acadêmicas daqui a poucas horas. Lá vai o relato sucinto dos últimos dias de viagem.

Saindo da LAN em São Bonifácio, de fato fomos à pracinha para ficarmos matando tempo e apanhando uma certa brisa. Na hora da janta, comemos novamente a janta no Essen Haus, que consistia do mesmo cardápio do almoço, remisturado e reaquecido, mas mesmo assim estava bom. Deitamos cedo, mas ficamos assistindo Tela Quente para que o sono viesse. Dormimos bem e a noite toda.

No dia seguinte, terça, fomos acordados com a advertência ameaçadora de que se ficássemos ali após as dez da manhã, pagaríamos um pernoite a mais. O aviso foi dado às quinze para as dez, de modo que nos mexemos logo e nos mandamos para a padaria para tomar café e comer pão. Feita a refeição, fomos à praça, onde ficamos esperando pacientemente a hora do almoço, já que o dia estava quente e o plano era sair na metade da tarde para percorrer os cinqüenta quilômetros de estrada de chão durante o dia, e emendar noite adentro para percorrer a maior distância possível longe das malignas ondas térmicas. Almoçamos ao meio dia, e ficamos lá remando o prato até uma da tarde mais ou menos, conversando com os trabalhadores que estavam no restaurante, aproveitando para obter várias informações sobre a estrada, que segundo eles estava muito precária. Depois de remendar meu pneu traseiro na praça, furado por um fio metálico desses que se solta dos pedaços de recapagem dos caminhões, saímos em direção a Rio Fortuna, pouco depois das duas e meia da tarde, já que as ondas de calor não estavam assim tão malignas.
A estrada tampouco era tão horrível, poderia sê-lo para carros e caminhões, já que apresentava inúmeras valetas, mas sua textura era bastante lisa, era um areião fino e batido, sem acréscimo de cascalho, o que permitia manter uma boa velocidade média sem muita trepidação, requerendo apenas desviar de algumas panelas e negociar com as valetas nas descidas. Assim fomos, subindo e descendo, pegando água e descansando - pouco, na verdade - sentindo novamente o prazer de pedalar. O sono e o rango da véspera nos deixaram muito dispostos.
Porém, como nem tudo são flores, consegui quase no fim do passeio profaná-lo com o mais indesejado e vergonhoso evento na rotina de um cicloturista: um tombão! Vinha eu descendo em meio a algumas curvas, quando em uma curva para a esquerda desencaixei o pé esquerdo para auxiliar no equilíbrio. Logo em seguida, porém, havia uma curva para a direita, e creio que enquanto me ocupava de reencaixar o pé esquerdo e desencaixar o pé direito, devo ter deixado de prestar atenção ao solo, e acabei passando com a roda dianteira na borda direita de uma valeta longitudinal. Como a curva era para a direita também, a roda escorregou, ocorrendo o fenômeno do "pealo", que é quando a bicicleta simplesmente desaparece debaixo do ciclista. Sendo assim, acabei sendo freado pelo meu couro lixando no áspero e fino areião, o que me rendeu uma mancha esfolada na perna, um tampão removido do joelho, e mais uma escoriação menos pior no quadril, por cima da bermuda, que ficou levemente furada. As mãos nada sofreram porque eu estava de luva, e a musculatura também ficou absolutamente preservada, já que não houve impacto algum.
Imediatamente, comecei a sentir uma ardência extremamente forte, enquanto o sangue porejava muito lentamente pelos ferimentos. Preferi não lavar e seguir adiante, procurando uma farmácia em Rio Fortuna para comprar um analgésico. Enquanto o Edgardo ia na frente, eu ia descendo todo cagado, com aquela cara de quem chupou limão, rangendo os dentes. O pé direito chegava a tremer sobre o pedal devido à dor intensa, não por eu estar pedalando, mas por estar ardendo, ardendo muito. Chegando finalmente em Rio Fortuna, tomei dois comprimidos de Dolamin (um bom analgésico, sem dúvida) e fomos à padaria fazer um lanche. Foi bom finalmente que as pessoas parassem de ficar olhando para minha enorme barba, para prestar mais atenção ao meu joelho esfolado e a perna lavada de sangue seco e empoeirado. Além disso, a cidade, de imigração alemã, está repletas de loirinhas muito lindas de olhos claros e pele lisinha.
Dali, pegamos o asfalto até Braço do Norte, e eu estava me sentindo muito bem para pedalar, já que o analgésico funciona rápido. Dali seguimos a São Ludgero (chegando lá ainda de dia), Orleans, Urussanga (onde jantamos um xis bem meia boca), Cocal do Sul e Criciúma, onde ficamos no Hotel Gion, a opção mais relativamente em conta. O banho foi bastante dolorido, mas o aspecto da perna melhorou consideravelmente após a limpeza. Apesar de tudo, consegui dormir logo.

Bom, já é tarde e devo ir almoçar. Assim que possível, eu termino de contar a viagem. Pretendo ainda escrever algumas reflexões não narrativas sobre tudo que descobri, confirmei e aprendi durante a viagem, mas para isso terei de refletir primeiro, o que deve levar algum tempo ainda. Grande abraço, e até mais!

Monday, February 26, 2007

Dia 84 - São Bonifácio, SC - 4.560km (145)

E aí, Galera!

Como podem ter imaginado, carnaval é tempo de férias, inclusive férias de postagens, mas vamos ao resumo ultra-acelerado dos fatos, já que meu ritmo de pedal nesse período foi o de uma lesma tetraplégica.

Saindo de Curitiba no domingo de manhã, peguei tempo bom e asfato adequado para ir em direção ao litoral de Santa. Almocei num lugar muito bom, num dos postos que têm perto de São José dos Pinhais, onde não bebi nada por ter tido a oportunidade de comer vários pedaços de melancia gelada. Hummm, totoso!!
Muito se engana quem pensa que estar em Curitiba e ir para o litoral de bicicleta é fácil por causa da diferença de altitude. Perdi as contas de quantas subidas e descidas percorri até chegar no topo da serra, o que ocorreu lá pelo quilômetro 80! A descida da serra foi rápida, apesar da chuva durante toda a descida causada pelo vento na encosta da serra, e das relativamente perigosas ultrapassagens que fiz nos caminhões mais lentos. Chegando a Garuva, já em Santa Catarina, fiquei no Hotel Everester (sim, era esse o nome), relativamente bom e barato. Depois de um bom banho com lavagem de roupas, fui à LAN ver os emeios, em seguida jantei um delicioso prato feito no restaurante que fica na esquina do semáforo (só tem um lá), e fui assistir TV antes de dormir.

No dia seguinte, me senti disposto e resolvi abreviar o tormento de chegar a Bombas fazendo os 170km em um único dia. Havia vento contra e calor, mas a proximidade crescente do destino é capaz de operar maravilhas com a disposição de cicloturistas. Almocei em Joinville no restaurante do Makro, o mesmo onde parei na vinda, e durante a tarde parei várias vezes (para comer melancia na casa da melancia, para comer pastéis e suco em uma enorme tenda perto de Itajaí. Acabei chegando ao destino às dez e meia, podre de cansado mas satisfeito com o rendimento do dia.
Em Bombinhas, fiquei hospedado na pizzaria Eco 360°, no topo do morro da tainha, onde o Edgardo, amigo meu, estava trabalhando durante o verão. Lá de cima a vista é muito bonita, o mar muito verde, mas o morro é terrivelmente íngreme e alto, e a preguiça de ir à praia foi grande nos primeiros dias, o que não nos impediu de fazer coisas divertidas como derrubar pinus a machadadas, remar caiaques no mar de graça, e cavar buracos gigantes na areia fina da praia do mariscal. O pessoal da pizzaria me recebeu muito bem (apesar de me conhecer muito indiretamente só de nome e "fama"), e a janta diária era uma pizza tamanho gigante, quase do tamanho de uma roda de bicicleta aro 26, muito bem feita, recomendo.

Os três dias seguintes foram de ócio e atividades já citadas (derrubar pinus, remar caiaques e cavar buracos enormes na areia, além de descansar intensamente)

Na sexta feira acordei cedo para me mandar pedalando até Florianópolis, onde passaria o carnaval com mais 14 pessoas em uma casa alugada. O combinado era me encontrar com o Daniel na ponte, mas como eu peguei um ventão a favor e ele pegou um engarrafamentão contra, acabei chegando antes dele, aproveitando para comprar uma Coca-Cola dois litros e dar uma passada na casa do Varda para contar as novidades e fazer a matrícula na UFRGS. Dali fomos eu e ele até a ponte, onde logo chegaram o Daniel e mais quatro gurias, com dois carros no total: a Greice, a Mônica, a Alessandra e a Francini, todas muito bonitas e simpáticas, embora provavelmente tenham ficado desorientadas ao ver minha máscula e hirsuta ficura magra e longilínea, suada, fedorenta e cansada. Nem todo mundo está preparado para isso.
Dali fomos rapidamente para o Bob's (por absoluta falta de um Mac), forrar a pança com uma miniatura de hamburger superfaturada. Dali, seguimos para o norte da ilha, para procurar uma casa de aluguel em Ponta das Canas. Eu em particular imaginei que ficaríamos até as onze da noite batendo perna pra lá e para cá, devido ao adiantado da hora, mas por incrível que pareça conseguimos achar uma casa muito boa na principal de ponta das canas, há poucos metros de um supermercado bom, sendo que o aluguel ficou em dez reais por dia por cabeça, ou seja, praticamente de grátis.
Seria difícil lembrar de tudo o que foi feito no carnaval, mas posso dizer que as principais atividades foram ficar torrando ao sol no sábado em frente ao Pirata na praia brava, inundando os ouvidos com a mais pura techno-music e enchendo os olhos com as mais belas figuras femininas (as masculinas não olhei, mas eram do tipo bombado de sunga branca e óculos enormes com bronzeado malandro), além de encher a goela com as mais violentas ondas ao tentar passar a arrebentação, mesmo com pé-de-pato. Foi difícil, mas da segunda vez me dei melhor, servindo praticamente como alvo para os surfistas que vinham velozmente em minha direção. O outro dia foi nublado, e aproveitei para encher a pança no café da manhã que servia de almoço (dois litros de batida com mamão, maçã, mamão, açúcar, nescau e ovo, só para mim, além de dois pães franceses). Nem preciso dizer que o liquidificador da casa, após o meio-dia, só funcionava se fosse para fazer alguma poção alcoólica (as quais eu não consumi) como melancia atômica, frozen, e outras firulas carnavalescas que os universitários adoram. Os restos dessas beberagens foram amplamente usados para banhar o colega ao lado, inclusive para que o mesmo acordasse pela manhã, o que gerou um ciclo de vinganças líquidas que incluiu até espuma de barba, aguardem fotos. Nem preciso dizer que me esquivei de torrar vários dinheiros com baladas desgastantes em lugares como El Divino e Cais Cais, mas acabei indo a um sambão na Lagoa da Conceição, o que me rendeu a oportunidade de ver o Daniel fazer fiasco e requerer meus dotes de condutor de veículos, por estar podre de encachaçado.
A galera que estava lá conosco era muito divertida (não mencionei os outros, que eram o Felipe, o Rafael, o Vicente, a Dani, o Xuxa, a Letícia, a Franciele, a Fernanda e o Álvaro), e novamente o grande lance do carnaval foi a ampliação do círculo de amizades. Ainda por cima encontrei um casal de amigos, o André e a Márcia, que não via há tempos, eu estava no super e eles apareceram, e ainda por cima estava hospedado há duas quadras da nossa casa... Que mundo pequeno!

Dali fui de carona, na quinta feira, de volta a Bombinhas, onde passaríamos mais alguns dias descansando na praia progressivamente mais desocupada após o carnaval. Alugamos uma casa em Mariscal, e ali foram mais alguns dias torrando ao sol, cavando buracos realmente enormes na areia (exercício, instrospecção e desafio mental), nadando de pé de pato, indo a mirantes, fazendo rangos malandros em casa, conversando com pessoas novas (de preferência belas moças), derrubando pinus e outras atividades praianas.

Aos poucos, todos se mandaram e ficamos eu e o Edgardo descansando, domingo à tarde, comendo sempre que possível uma massinha, um pãozinho, uma espiga de milho, já que à tarde nos mandaríamos, virando a noite no pedal para fugir do sol.
Saímos já com déu escuro, fazendo uma média bem alta até Florianópolis, e depois dividindo o tempo entre pedalar sofregamente entre serras horríveis (entre Águas Mornas e São Bonifácio), dar tapas no farol que está com o funcionamento muito precário (acabei tendeo que fazer uma braçadeira para mantê-lo fechado e ligado, usando um raio quebrado que peguei do Sérgio Eloy lá em Itaúna) e parando para descansar, comer e esticar as paletas no chão duro, dando uma enganada na podridão corpórea.

Acabamos abreviando nosso percurso, que era inicialmente até Braço do Norte, para São Bonifácio, cidade de forte influência étnica e cultural alemã, à qual chegamos bem cedo após descer uma longa serra com neblina. Ficamos num hotelzinho, nos fartamos em uma apetitosa padaria, e após uma soneca pesada fomos almoçar no restaurante Essen Haus, muito boa a comida. Saindo dali, viemos a uma loja de informática que tem internet, onde fomos atendidos por uma muito simpática moça que representa bem o perfil típico da beleza feminina local: loira de olhos azuis, bem bonita e cheia de carisma. Daqui a poucos momentos, saindo daqui, pretendemos aproveitar o final da tarde para sentar na praça, comer algum doce, jantar cedo e nanar profundamente.

Um abração a todos e um beijo às meninas, em breve me uno a vós novamente!

Saturday, February 10, 2007

Dia 68 - Curitiba-PR - 4.020km (120)

E aí, Galera

Deu pra ver que não estou mais com muita condição (nem saco, para falar a verdade) de descrever minuciosamente meu dia a dia na viagem. Creio que isso seja efeito e estar correndo contra o tempo para chegar logo na praia para o carnaval, e em seguida em casa para o começo das aulas em março.

Lá em Echaporã, logo depois de sair da LAN, fui tentar tomar uma Coca-Cola, mas ela desceu com dificuldade, estava me sentindo quente, com sono, podre, enfim. Fui pra pousada e pedi algo gelado para tomar, mas o cara me deu um suco de laranja, cenoura (!) e água de coco, e estava morno! Eu tomei meio copo, larguei ele ali em cima de qualquer jeito, o que o cara certamente considerou uma grosseria, e fui correndo ao banheiro, onde logo vomitei. E vomitei tudo: pão prensado com bife, café, picolés, sorvete, tudo regado a uns dois litros (sem exagero, foram quatro generosas chamadas no Hugo) de líquidos rosados. Pronto, agora eu estava melhor, mas piorei rápido, por estar cansado, com sono e sem nenhuma fonte de energia no bucho. Deitei para dormir, e dormi mesmo, com ventilador em cima de mim, entre ondas de calor e calafrios por causa da febre. Quando mais tarde decidi que deveria comer algo e dormir definitivamente o resto da noite, bastou levantar (depois de muito preparo psicológico) para já ficar tonto, fraco a incapaz de ficar sequer sentado: deitei no corredor, e fui esperando melhorar. Entrei na casa do tio do hotel, que continuou com aquela expressão de estar sendo invadido (a esposa então...), mas ao mesmo tempo dizendo que eu poderia pedir o que precisasse... Pedi um copo gigante de água gelada, açúcar e sal, e fiz eu mesmo meu soro caseiro, o qual tomei em 0,37 segundos e me senti imediatamente melhor. Dali, por sugestão prontamente atendida por mim, feita pelo cara do hotel, fui buscado por um veículo do hospital para tomar um soro.
Fui muito bem atendido no hospital, onde me espetaram aquela borboletinha no braço (que desagradável...), e fui abandonado no escuro com glicose, soro fisiológico, bromoprida para o bucho, e uma garrafa de soro de reidratação oral bem geladinha. Uma hora depois estava já saindo caminhando. Comprei dois Fandangos e dois Gatorade (sim, sódio, carboidratos, nada de germes, e água gelada, tudo que eu precisava pra dormir).

Dia seguinte, sábado, acordei melhor, mas não muito. Estava dividido entre ficar ali, naquele local sem recurso, ou ir adiante lentamente, para tentar achar refeições e estadias melhores. Após café da manhã levíssimo, almoço suficientemente nutritivo (ambos no hotel) e um fandangos com gatorade de tarde, saí pedalando às 15h em direção a Tarumã ou Florínea, cidades dentro do meu alcançe naquela tarde fresca mas ensolarada, ou vice-versa. A maldita estrada era uma retona no estilo montanha-russa, alternando 50km/h com 8km/h incontáveis vezes. Passei por Assis, onde tomei um Energil Sport, depois Tarumã, onde tomei água com gás, e decidi ficar em Florínea. Ao chegar lá podre com 80km rodados, descobri que lá não tinha hotel.
Segurando a decepção, encarei os 35 restantes durante a noite, até Sertanópolis, onde cheguei pouco antes das dez da noite, graças à estrada boa com acostamento, nada de buracos ou surpresas. Lá, após ligar para a Natália, minha futura anfitriã de Londrina, fui abordado por um rapaz chamado Michel, que acabara de voltar de uma viagem de 16 dias a Montevidéu (ele foi até lá em 16 dias, tem louco pra tudo), e me convidou para jantar com a família dele na lancheria, e depois dormir na casa dele ali perto. Claro que aceitei, e embora tenha comido apenas algumas garfadas de arroz e uns pedaços de churrasquinho, tomei perto de um litro de coca. Que beleza.
Apesar de muito bem acomodado, custei a dormir, acho que por causa da coca, que tem o efeito estimulante, má idéia para a hora de nanar.

Dia seguinte, domingo, acordei mais tarde que deveria, tomei um belo café, me despedi depois de algumas fotos, e me mandei a Londrina, o tão sonhado próximo destino. No caminho, entre plantações de soja e sobe e desce constante (ao menos não era tudo reta), encontrei três ciclistas de Ibiporã, que foram treinar em Sertanópolis e já estavam voltando para casa. Fomos indo em um ritmo forte (demais até, para um convalescente), conversando e trocando idéias. Depois de nos separarmos, segui sozinho de Ibiporã até Londrina, já podre de cansado, ainda por cima o caminho é cheio de subidas. Cheguei meio-dia e meia na casa da Natália, amicíssima do Gonzalo, amicíssimo meu. Ela me recebeu super bem, e os próximos muitos dias foram uma beleza. Cheguei lá desidratado, depauperado energeticamente, podre mesmo, sem nenhum ânimo físico, magro, no bagaço, exterminado, imprestável. Fiquei por uns dois ou três dias com diarréia consistente (a diarréia era consistente, as fezes não...), sem apetite e com um sono cavalar. Era perceptível a progressão diária, de um farrapo humano para, novamente, uma atlética máquina de pedalar, com músculos e fígado repletos de glicogênio, pele túrgida e olhar vivo. Tudo isso graças aos intermináveis papos de altíssimo nível intelectual sobre todos os assuntos, que tínhamos o tempo todo, às brincadeiras com o Camilo, filho dela, que com quatro anos faz coisas mais avançadas do que eu fazia com seis (são outros tempos...), e adora assistir várias vezes seguidas filmes como Carros e Bob Esponja: O Filme (este último, presente meu). Ele tem uma bicicleta, e está já andando com uma rodinha só. Tem futuro, o rapaz... Ah, e é claro, fundamental para a minha recuperação foi a comida espetacular da Sônia, a senhora que arruma a casa da Natália, e tem uma mão abençoada para mandar um rango malandro. Realmente, umas "férias das férias", uma estadia que vai deixar saudades, duvido SPA melhor. Vale um alô para a irmã Amanda e sua filha Yara, e o avô Mário, outros membros da família que tive o prazer enorme de rever ou conhecer.
Durante minha estadia por lá aproveitei e visitei a fábrica da VZAN, onde conversei com o José Orlando, gerente de produção. Ele me mostrou várias máquinas, desde as que fabricam os aros (a coisa é rápida, eles fabricam muuuuuuitos aros por dia!), até as que montam rodas (coisa robotizada, que monta, centra e pré-tensiona as rodas, semi-automaticamente, ficando em um padrão de excelência mesmo), e, recentemente, os cubos, que são de alumínio forjado a frio com forjas 3D, aguardem, garotos, em breve a VZAN vai invadir o Brasil com novos produtos a um preço inacreditável SEM SER COISA ORDINÁRIA!

Devido a razões cronológicas, geográficas e logísticas, saí de lá na sexta-feira à tarde, dentro de um ônibus da Viação Garcia com destino a Ponta Grossa. Sim, profanei minha viagem com uma viagem de ônibus, e não estou nem aí. Foi a melhor escolha: economizei 300km de relevo bem ondulado, estrada com poucas paradas possíveis, e evitei a fadiga. Me ajudou a fazer a mão do desmanche e carregamento da bici e da carga o Tyago Yoshida, que conheci em Londrina. Ele também é cicloturista e fez uma viagem bem longa (7 meses) pelo norte e nordeste do país. Grande cara. Dormi em um hotel em Ponta Grossa, meio caro, mas o rango foi ótimo e barato, com destaque para a Batata-Salsa, um tipo de batata que parece mandioca e tem um sabor indescritível. E ótimo!!

Hoje, sábado, saí de manhã de Ponta Grossa depois de um ótimo café da manhã, e não sofri muito para chegar em Curitiba, com várias descidas, subidas possíveis, muito bem-vindas curvas, e até um encontro casual com três ciclistas de Londrina (!) que estão indo passar o carnaval em Florianópolis. Estão acampando em qualquer lugar, com mochilas nas costas, bagagem coberta com sacos plásticos... É, equipamento não é nada, vontade é tudo! Fomos um trecho papeando, tiramos umas fotos, e era isso, lá foram eles. Eu segui serpenteando entre alguns pedidos de informação, até a casa da minha prima Rosângela, sendo recebido pelo marido dela, o Fernando, e os filhos deles, Bernardo e Fabricio. Já acomodado, banhado, alimentado, blogado, vou lá pra falar com eles, senão vão me tirar pra antisocial, aqui na frente deste micro.

Na medida do possível, torno a escrever, mas acho que a coisa vai ser assim, mais sintética e esporádica. Um enorme abraço a todos, amigos!!

Friday, February 02, 2007

Dia 60 - Echaporã, SP - +/- 3.800km (211)

Bom, galera, pelo título já viram que eu pedalei pra caramba. Como estou em rumo acelerado em direção à praia, e o sol está de matar, resolvi fazer uma pedalada noturna e fui de Jaú até Echaporã, com um descanso longo na tarde de quinta em Pederneiras, e acabei fazendo de uma vez só, sem dormir, o que geralmente levaria três dias pra fazer. Neste momento estou me sentindo podre, zonzo e talvez com alguma febrezinha reativa, mas logo passa. Pra variar, meu farol malandro com dínamo deu pau e não está funcionando. O outro farol, com led, está com a tampa meio rachada, e tive de amarrá-lo com fita isolante sobre a bolsa de guidão, pois não há mais espaço no próprio guidão para prendê-lo com seu suporte original. Agora, na LAN, resolvi carregar o telefone, e aquele carregador genérico fajuto não faz nem cócegas no telefone, mesmo acendendo o led indicador de funcionamento, e a bateria está quase acabando. Enfim, nada que me obrigue a mudar rotas ou atrasar a viagem, hehe.
Outra hora, quando eu estiver me sentindo melhor, vou comentar sobre minha ótima estadia em Franca, minha passagem "tocada" pelo norte de São Paulo, onde peguei trechos com Pendentes Longas (um caminhoneiro me ensinou esse termo, são as baixadas ou lançantes sem curvas. Só podia ser gaúcho o caminhoneiro...), e minhas dez horas e pouco de pedal overnight.

Abraços, vou catar um orelhão (é o jeito) e descansar muuuuito.