Wednesday, November 15, 2006

Vagabonding: um guia incomum para a arte da viagem de longo-prazo pelo mundo

"Quanto mais nós associamos experiência com valor monetário, mais nós pensamos que dinheiro é o que precisamos para viver. E quanto mais associamos o dinheiro à própria vida, mais convencemos a nós mesmos de que somos pobres demais para comprar nossa liberdade."

Caros colegas, assim como a vida e a natureza, que sabem aonde vão, também os blogs, aparentemente, tendem e seguir esses sábios fluxos na direção de seu caminho natural.
Dando seqüência aos clippings de fontes de inspiração, aqui está o prefácio (?) de um recém-por-mim-descoberto livro escrito por Rolf Pott sobre a arte de "vagabundear", ou ser um andarilho - já que vadio e vagabundo, apesar de claramente associados com a condição itinerante, também são sinônimos daquilo que não presta.
Dada a profundidade contundente com que a abordagem foi feita, pode-se mesmo dizer que este clipping é o golpe de misericórdia, a cereja no bolo do inconformismo e aborrecimento que leva o pacato cidadão a querer romper as raízes e transformar o ar livre em lar. Como estudar ainda faz parte dos pré-requisitos do meu papel social, não pretendo poluir este clímax a não ser que ache outra fonte de inspiração ainda mais visceral.
Eu mesmo traduzi a partir de < http://vagabonding.net/excerpt/ >, portanto há algumas pequenas divergências que não devem prejudicar a mensagem.

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A partir desta hora eu ordeno a mim mesmo liberto de limites e linhas imaginárias
Indo para onde quiser, meu próprio mestre total e absoluto
Ouvindo os outros, considerando bem o que eles dizem
Parando, procurando, recebendo, contemplando
Gentilmente, mas com inegável vontade
Despindo-me das amarras que me conteriam

Walt Whitman, “Song of the Open Road”


Declare Sua Independência

De todas as ultrajantes frases que se escuta nos filmes, há uma que se destaca para mim. Ela não veio de uma comédia debochada, um pastelão esotérico de ficção-científica, ou um thriller de ação recheado de efeitos especiais. Ela saiu de “Wall Street”, de Oliver Stone, quando o personagem de Charlie Sheen – um promissor talento no mercado de ações – está falando com sua namorada sobre seus sonhos.

“Eu acho que se eu conseguir ganhar uma boa grana antes dos trinta anos e sair dessa vida,” ele diz, “vou poder atravessar a China na minha motocicleta.”

Quando eu vi esta cena no vídeo há alguns anos atrás, eu quase caí da poltrona, aturdido. Afinal, Charlie Sheen ou qualquer outra pessoa poderia trabalhar por oito meses como limpador de privadas e ter dinheiro suficiente para atravessar a China de moto. Mesmo se ele não tiver ainda sua própria moto, um outro par de meses esfregando privadas vai lhe pagar o suficiente para comprar uma moto quando chegar à China.

O ponto é: a maioria dos Americanos provavelmente não acharia essa cena de filme estranha. Por alguma razão, nós vemos as viagens longas por terras distantes como um sonho recorrente ou uma tentação exótica, mas não algo que se aplique aqui e agora. Ao invés disso – devido ao nosso insano compromisso com o medo, a moda, e pagamentos mensais de coisas de que não precisamos realmente – deixamos nossos sonhos em quarentena em troca de curtos e frenéticos surtos turísticos. Desta forma, enquanto aplicamos nosso patrimônio em uma noção abstrata chamada “estilo de vida”, viagens se tornam apenas mais um acessório – uma experiência encapsulada que nós compramos da mesma forma que compramos roupas ou móveis.

Há não muito tempo atrás, eu li que quase um quarto de milhão de pacotes curtos de férias sediados em monastérios e conventos foram comercializados por agentes de turismo no ano 2000. Retiros espirituais da Grécia ao Tibete transformaram-se em atrativos turísticos, e os agentes de viagem atribuíram esse crescimento ao fato de que “as pessoas ocupadas e bem-sucedidas estão procurando por uma vida mais simples”.

O que ninguém se importou em destacar, obviamente, é que comprar um pacote de viagem para encontrar uma vida mais simples é como tentar usar um espelho para ver que aparência você tem quando não está se olhando no espelho. Tudo que é realmente vendido é a noção romântica de uma vida mais simples, e – da mesma forma que por mais que você vire a cabeça ou os olhos, jamais vai conseguir se ver distraidamente no espelho – nenhuma combinação de uma semana ou dez dias de férias vai realmente afastar você do tipo de vida que você leva em casa.

No fim das contas, esse casamento forçado entre tempo e dinheiro acaba sendo um modo de nos manter em um padrão circular. Quanto mais nós associamos experiência com valor monetário, mais nós pensamos que dinheiro é o que precisamos para viver. E quanto mais associamos o dinheiro à própria vida, mais convencemos a nós mesmos de que somos pobres demais para comprar nossa liberdade. Com esse tipo de padrão mental, não admira que tantos americanos considerem longas viagens ao estrangeiro como algo que pertence ao mundo dos estudantes, desajustados, e ricos desocupados.

Na verdade, viagens longas não têm nada a ver com esses indicadores – idade, ideologia, renda – mas têm tudo a ver com perspectiva de vida. Viagens longas não têm a ver com ser um estudante de faculdade, têm a ver com ser um estudante da vida diária. Não são um ato de rebelião contra a sociedade, são um ato de comunhão com a sociedade. Não requerem uma grande quantidade de dinheiro; requerem apenas que caminhemos pelo mundo de uma maneira mais espontânea.

Essa maneira espontânea de caminhar pelo mundo sempre foi intrínseca da tradição de honrar o tempo a que pertence o andarilho.

Ser andarilho envolve tomar um longo período da sua vida normal – seis semanas, quatro meses, dois anos – para viajar o mundo do seu próprio jeito.

Mas além da viagem em si, ser andarilho é uma forma de ver a vida. Significa usar a prosperidade e a possibilidade da era digital para aumentar suas opções pessoais, não suas posses. Significa procurar aventura na vida normal, e vida normal na aventura. Ser andarilho é uma atitude – um interesse amistoso em pessoas, lugares, e coisas que fazem de uma pessoa um explorador no sentido mais verdadeiro e vívido da palavra.

Ser andarilho não é um estilo de vida, nem uma tendência. É apenas uma maneira incomum de olhar para a vida – um ajustamento de valores do qual a ação é conseqüência natural. E, tanto quanto qualquer outra coisa, ser andarilho tem a ver com o tempo – nosso único patrimônio real – e a maneira como escolhemos utilizá-lo.

O fundador do Sierra Club, John Muir costumava apresentar admiração com os apressados viajantes que visitavam Yosemite para irem embora após poucas horas de contemplação. Muir chamava esse pessoal de “pobres-de-tempo” – pessoas que eram tão obcecadas com os afazeres da sua riqueza material e condição social que não podiam gastar o tempo necessário para experimentar o esplendor da vida selvagem da Sierra californiana.

Quase um século depois, o naturalista Edwin Way Teale usou o exemplo de Muir para lamentar o ritmo frenético da sociedade moderna. “Liberdade como Muir conheceu”, ele escreveu em seu livro Autumn Across América, de 1956, “com sua fartura de tempo, seus dias não regimentados, sua amplitude de escolhas... tal liberdade parece mais rara, mais difícil de alcançar, mais remota a cada nova geração.”

Mas o lamento de Teale pela deterioração da lierdade pessoal era uma generalização tão vazia em 1956 quanto ela é agora. Como John Muir sabia bem, ser andarilho nunca foi algo controlado pela instável definição pública de “estilo de vida”. Ao invés disso, sempre foi uma escolha privada dentro de uma sociedade que está sempre nos cobrando para fazermos o contrário.

1 comment:

FarAmiR said...

De todas as geniais e dolorosas verdades que você já postou (dolorosas pra mim, pelo menos, e pela minha ainda inalienável condição de Homo Paradus Paradus), tenho que ressaltar esta pérola: "Tudo parece estar impregnado de seu contrário"