Saturday, January 06, 2007

Dia 33 - Paraisópolis, MG - 2.121km (80)

Caros amigos

Já na LAN de Taubaté houve uma mudança de planos, pois telefonei para o Rincão Naturista, em Guaratinguetá-SP, e fiquei sabendo que a longa distância necessária para lá chegar seria recompensada com uma diária de 25 reais (irredutível) para barraca, ou muito mais para chalé. Até aí, nada tão impactante, mas como tem chovido diariamente sem previsão de melhora, o Rio de Janeiro de um modo geral (Paraty, Angra, Rio, Saquarema) estão longe e relativamente na contra-mão do restante da viagem, além de não ter conseguido nenhuma estadia bem definida na cidade maravilhosa, resolvi então tocar direto a Minas, evitando assim as chuvas (talvez de balas) e as centenas de quilômetros. Pretendo, é claro, voltar lá com condições melhores, futuramente.
Saí de lá, e fui a uma churrascaria com buffet livre ou por quilo, onde comi por quilo, já que o lanche ainda estava presente em minha pança. Servi salada, espaguete com molho de carne e de queijo, banana à milanesa, outras porcariazinhas à milanesa, e guaraná 600ml. Comi calmamente, depois voltei caminhando sob a garoa (estou mudando meus conceitos sobre o que é ou não é "chuva de verdade"), e fui para o quarto fazer os novos planos de viagem. Ao ir escovar os dentes, perguntei ao rapaz que cuidava da portaria se ele conhecia as estradas entre Taubaté e o sul de Minas, mas ele me indicou um carioca, o Marcelo, que infelizmente veio a ser a Terceira Figura Ímpar da minha viagem (as outras foram o André, em Cananéia, e o William, no camping de Mongaguá, vide relatos prévios). Pra começar, ao perguntar como fazia para ir para Belo Horizonte, ele disse "pega a Dutra até o aeroporto, de lá você toma o avião até BH". Ao perguntar "tá, e pedalando, como faz?" ele "quááá, quá, quá, tou te zoando magrão, senta aí, eu conheço tudo dessas estradas, trabalho há XX anos com isso, conheço São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas, Rio de Janeiro, etc, etc. Ao abrir o mapa para mostrar para ele, começou a sucessão de dicas furadas, roteiros que dobravam ou triplicavam a quilometragem, informações conflitantes com o mapa, tudo isso entre constantes interrupções para ele contar que tinha 46 anos, que vendia peças de bicicleta, queria me levar pra Itu para comprar um "super quadro" por 120 reais (em oposição a "essa porcaria" que eu estou usando, nas entrelinhas), disse que tava casado com uma loca de 46 anos que parecia ter vinte, que era muito gostosa (isso enquanto mostrava várias fotos dela no celular malandro, de fato ela era inteiraça, mas e daí?...). Devia ter desconfiado quando vi o copo de caipira (provavelmente de vodca, que depois ele disse já ter tomado cinco só naquele dia), e então fiz o que já deveria ter feito, abandonei o chato, não sem antes ele me dizer que a gente tava ali, conversando numa boa, sem sacanagem, que eu era um cara legal, parceiro pacarááá, que ele me considerava, e coisa e tal. Fui escovar os dentes, tomei outro banho para controlar o calor, e fui ver a minissérie Amazônia, que como era de esperar está perdendo um pouco o gosto de novidade com o passar dos capítulos.
Porém, como alegria de pobre dura pouco, não menos que rapidamente o troar dos ônibus que passavam com seus motores rosnando a uns cinco metros da minha cabeça (rua estreita, calçada simbólica, meu quarto era de frente e havia somente uma veneziana sem cortina ou vidros) foi reforçado pelo papo furado, gritos, gargalhadas e obscenidades de baixíssimo nível provenientes do grupo de cachaceiros que se instalou na porta da garagem da pousada, sobre a calçada (aí sim, a MENOS de cinco metros dos meus tímpanos contrariados), regidos pelo Marcelinho Carioca o próprio (senão quem?). Exatamente à 1:01 da manhã, fui reclamar ao rapaz da portaria, que foi reclamar com eles, e o carioca xarope já disse "quem tá reclamando, diz pra ele vir aqui então", ao que eu prontamente abri a janela, e solicitei a gentileza de diminuir o barulho, etc. Obviamente o carioca (e só ele, os outros pediram desculpa) estrilou, xaropeou, resmungou, e em seguida a tropa entrou em um carro e se mandou para algum boteco. Azar o deles. Lá pelas duas da manhã, consegui dormir, ainda contrariado.

Acordei antes das nove e fui tomar café, simples mas liberado (guardei dois pães no bolso para levar junto). Os cachaceiros, pelo que soube, estavam ainda dormindo, e alguns perderam o horário do serviço. Não me enrolei muito, e me mandei para Tremembé, município vizinho, e de lá para Campos do Jordão. Antes da subida forte, fiquei sabendo pela polícia rodoviária e pelas balconistas de uma tenda que não valia a pena ir por Campos do Jordão para o sul de Minas, pois havia uma estrada que subia menos e era a escolha natural, embora estreita e com alguns buracos.


Mais um ponto "turístico" cortado do caminho, segui por Santo Antônio do Pinhal, cidadezinha que parece Canela em miniatura, onde tomei um suco de manga e um Tablito em um posto de gasolina, depois por Sapucaí Mirim, já em Minas, onde comi um PF acompanhado de café com leite morninho (bah, estava frio!, saí do restaurante estreando minha camisa de ciclismo de manga comprida), passei por São Bento do Sapucaí (que curiosamente fica novamente em São Paulo), e acabei ficando em Paraisópolis, já em Minas de novo - e definitivamente - onde fiquei no Hotel Freedom, recomendação de um motoqueiro em um posto de gasolina na entrada da cidade.


A cidade é pequena, com relevo bastante ondulado ("ó o naipe da serra" disse um ciclista que encontrei na porta do hotel, comentando sobre a quantidade de lugares para pedalar por lá, apontando para o promissoramente montanhoso horizonte - ah, um dia desses...) e clima acolhedor, embora com tons de "cidade de lenhadores". Ao entrar no hotel, não sei se fiquei aliviado ou assustado com o valor de dez reais (sim, DEZ REAIS) que me foi cobrado para passar a noite em um quarto simples (só camas, lâmpada, tomada, porta e janela sem cortinas para o corredor). O banho com lavagem de roupas se deu em um banheiro bastante parecido com aqueles banheiros de oficina de moto ou bicicleta (ao menos a pia não estava suja de diesel e pasta Cristal, e a torneira não era de plástico). Confesso que após o banho, o clima do lugar pareceu menos terrível, o ambiente, se não serve para familiar, ao menos não é de bagaceirada como o do outro hotelzinho, e a sesta que tirei sobre os finos colchonetes (que permitem sentir as tábuas do estrado de madeira) foi bastante reconfortante.
Agora, é hora de encher a pança e dormir cedo, pois altas quilometragens diárias me aguardam nos dias que seguem...

3 comments:

Anonymous said...

Ler teu dia-a-dia me fez gostar mais de pedalar. Ainda irei pra estrada...
A propósito, conserta os links da página, não consigo visualizar as fotos...

Abraço

Petrônio.

FarAmiR said...

Um cara barbudo, com seus 1,90m, abrindo uma janela e esbravejando de madrugada.. Pra bebum nenhum se meter a valentão!!

Fico feliz pela não-passada pelo Rio. Cuide-se, abraço

Anonymous said...

Li algumas passagens do seu Blogger, tá muito legal. Uma viagem de bicicleta deve ser uma aventura e tanto. Você deveria passar pelo nordeste também. Destino final: Tambaba.

Suelane - Recife (sufer_20@hotmail.com)