Monday, January 29, 2007

Dia 56 - Brodowski, SP - 3.334km (72)

Olá, caros amigos leitores!

Depois de uns dias de descanso na casa dos meus mais novos amicíssimos, Eliana e Rodrigo Telles, criadores do Clube de Cicloturismo do Brasil e fabricantes dos alforjes Arara-Una, em Franca-SP, retomo a rotina de cafés da manhã de hotel, virar o meio-dia sob o mormaço a pino, e correr para alcançar a tão sonhada atualização do blog (as fotos, essas sim pelo jeito vai demorar mais). Nunca esquecendo a programação do horário nobre da Rede Bobo.

Como NÃO era esperado, na terça-feira muito, muito cedo, meus olhos se abriram e minha mente sentiu-se desperta. Fiquei com a impressão de já estar pronto para acordar, mas obviamente tudo estava escuro e quieto, e preferi não olhar no relógio para não contaminhar minha mente ainda potencialmente sonolenta com neuras de horário. Todavia, cerca de dez minutos depois, o despertador tocou. Já eram cinco e meia.
Me levantei sem sofrimento, pois pra isso serve dormir cedo depois de passar o dia comendo e não fazendo nada. Comecei a me arrumar, vi que estava caindo um chuvisco fininho mas inofensivo, e perdi um pouco da pressa ao ver que, àquele horário, tudo estava totalmente escuro, e a padaria obviamente fechada. Erro meu, pois por postergar propositalmente a minha arrumação relâmpago, fui surpreendido no meio da atividade pré-pedalatória pelo clarear completo do dia, deixando ver além do chuvisco o céu completamente nublado. Apesar disso, não estava frio.
Terminei de me arrumar já bem mais acordado, o dia bem mais claro, fui empurrando a bici pesada pela íngreme e semi-escorregadia rampa de acesso à rua, abri o portão, levei a bici para fora, fechei o portão, e fui seguindo pedalando em primeira marcha pela rua inclinada e pavimentada com seixos amarelados, também um pouco escorregadios. Fui seguindo, fazendo as curvinhas nas esquinas, cumprimentando a relativamente grande quantidade de pessoas que já estava acordada àquela hora. Não surpreende que fechem o comércio cedo, se às seis da manhã já tem um monte de coisa aberta! No posto de gasolina, pela última vez, com os dedos cruzados (possuía somente vinte reais ou menos na carteira, então), tentei o golpe do Visa Electron. Cheguei lá, o rapaz do posto me atendeu, tentou passar o cartão, e de novo a linha estava indisponível. "Ai", pensei. Mas ele disse "vamos tentar uma gambiarra" e foi lá atrás do emaranhado de cabos das maquininhas e fax e computador, trocou lá uns cabos, passou de novo o cartão, e dessa vez a coisa funcionou, lá fui eu feliz tomar o café da manhã, com quase setenta merréis no bolso!
Na padaria, também totalmente aberta e funcionante, comi dois sanduíches de presunto (no estilo Chaves, com pão de sal ou cacetinho) e dois cafés com leite. Para levar, mais dois sanduíches de presunto e uma massa doce com cobertura de coco e recheio de creme. Uma curiosidade: a menina ficou quase assustada quando eu perguntei se tinha nata para passar no pão. Acho que ela pensou que eu também ia pedir borra de café para comer de colherinha, ou algo assim. Foi sem nata mesmo, mas estava muito nutritivo e saboroso. Depois do café, saí pedalando, satisfeito com a perspectiva de ter ainda várias horas de luz para realizar a travessia por território semi-desconhecido com relevo bastante acidentado e prognóstico de vários trechos empurrando a bicicleta.
O trecho até São José do Barreiro, já realizado na ante-véspera, não apresentou grandes novidades. Eu me sentia bem por estar com os alforjes e saber que não teria de pedalar tudo aquilo novamente para voltar para o dormitório, e como ainda era cedo, pude pedalar sem camisa, o que melhorou bastante a refrigeração do corpo. Ao passar por uma pousada, vi que um magrão ajeitava uma bicicleta ao lado de um carro com outras tantas bicicletas presas ao teto. Certamente se preparavam para alguma pedalada trilhesca por lá, mas mesmo tendo ficado com vontade de uma conversa, a certeza de no mínimo meia hora de conversa, com todas as perguntas que já sabíamos que iríamos fazer, me levou a seguir viagem anonimamente, sem dar nem uma abanadinha. Que feio.
Ao chegar a São José do Barreiro, pega-se à esquerda em direção à Serra do Rolador. A vila tem um punhado de ruas, muitas pousadas, mercadinho, é bem pequena. Logo ao passar por ela, subindo uma lomba suave, a estrada já fica mais estreita, e a direção indicada pelo GPS aponta para uma cadeia de morros crescentes, estando os morros mais distantes encobertos pela neblina, àquela hora. A estrada segue mais ou menos bem por uns três ou quatro quilômetros, quando aparece a entrada de uma pousada. Ao passar, eu pensei que a estrada fosse aquela, mas não, é só a entrada da pousada mesmo, o GPS apontava uma outra estradinha, essa sim bem mais estreita e cheia de erosões, com um pouco de capim no meio. Ao fazer a voltinha para pegar o caminho certo, vi que algum outro ciclista já havia cometido o engano, pois a freadinha que dei com a roda traseira deixou uma marca sobre a mesma freadinha que o colega desconhecido deixou. Dali em diante, com a estrada já menor, iniciava a subida, bastante puxada, mas possível. No caminho, encontrei um agricultor que me disse que aquela subida ainda tinha uns 2km, e depois dela ficava mais plano. "É chapadão lá, então?" e ele "Ih, o chapadão tá muito longe ainda!". Menos mal que ainda era de manhã cedo...
Segui subindo, e de fato logo a inclinação diminuía. À minha frente, os morros altos que viriam. À minha retaguarda, a encosta da Serra da Canastra, onde era possível ver uma parte da cachoeira da Casca D'Anta, e ao meu lado esquerdo, a paisagem rural com vales e encostas. Mais alguns quilômetros, e a estrada começou a ficar realmente podre, com erosões enormes, piscinas de pedras e córregos atravessando a estrada. Nesse trecho, depois de pegar água numa vertente, comecei a empurrar, e mesmo empurrando a coisa estava puxada, estrada muito íngreme, mas muito bonita, em termos de paisagem. Realmente por ali até jipes teriam dificuldades de passar, em alguns trechos a estrada só resistia porque a erosão já havia atingido a pedra, e havia até uma cachoeira que corria por sobre a estrada, em certo ponto. Ali, a neblina já me rodeava, mas mesmo assim o campo de visão estava suficiente para ver algumas partes mais baixas da estrada, por sobre a beirada cheia de mato rasteiro, e alguns morros ainda mais altos, com vestígios de prováveis trilhas que levavam aos seus cumes. Decerto com tempo bom a paisagem lá deve ser uma maravilha, se mesmo com tempo daquele jeito já estava bastante ao agrado de quem gosta de se enfiar em pedreira, como eu.
Logo em seguida, atingi uma parte mais plana, que creio ser o tal Chapadão da Babilônia. Logo no início dessa parte, a estrada já fica melhor, pedalável, lisa, em meio a um gramado com marcas de pneu de caminhonete, só aqueles dois trilhos paralelos. Havia uma casinha de madeira ao longe, quando cruzei uma porteira, que nem sequer trancada estava, apenas encostada. Depois da porteira, a estrada ia alternando entre trechos bons e destruídos, e nesses últimos havia várias rotas alternativas, provavelmente feitas pelo gado e por motoqueiros insatisfeitos com a estrada existente. Eu consegui, devido à ausência de partes íngremes, ir me equilibrando, em marcha leve sobre as valetas e pedras do caminho. Pouco depois, em um ponto mais alto, gramado, com algumas pedras maiores à beira do caminho, já passando das dez da manhã, resolvi parar para comer um doce, a dita massa doce com recheio. Fiquei com arrependimento por não ter comprado uma dúzia, porque o recheio era super docinho e delicioso, além do que eu já estava com fome mesmo. Sentado ali na pedra, agora com camisa devido ao chuvisco leve e à brisa fresca da altitude de cerca de 1300m, tentei escutar algum ruído que não fosse do vento nas folhagens, mas não consegui. Realmente, a sensação de paz e tranqüilidade dali é grande, ainda mais quando a neblina não deixa enxergar mais do que uns cem metros em qualquer direção. Terminado o mini-banquete, de volta à bici, segui pedalando sem pressa por aquele lugar esquisito e fascinante (adjetivo que odeio, parece coisa de samba-enredo).
A partir dali, os caminhos ficaram menos nítidos, consistindo em rastros esparsos de caminhonete por entre enormes pastos com alguns grupos de bois pastando por ali. Em determinado momento, o GPS indicava uma bifurcação. Ao chegar na tal bifurcação, o que acontecia é que a estrada por onde vinha (apenas dois rastros paralelos de pneu sobre o capim baixo) fazia uma curva para a direita. Bem mais longe, à esquerda, outros rastros muito menos marcados seguiam, algumas vezes quase sumindo, pelo pasto, e se eu não estivesse com o GPS jamais seria possível saber que havia qualquer outro caminho por ali. Já meio com a pulga atrás da orelha, confiei no meu fiel amigo eletrônico, e fui indo, fazendo amplas voltas no meio das baixadas de campo. Ao longe, outros ramos do chapadão ondulado eram visíveis entre a neblina, MUITO ao longe. Como disse o site www.viagensmaneiras.com.br, ali é o lugar certo para quem gosta de muito espaço (esse site tem muitas dicas underground sobre roteiros de ecoaventurismo no Brasil inteiro). Em determinado momento, a estradinha quase invisível descia por uma encosta gramada, depois fazia uma curva e ia em direção a outra encosta gramada, uma subida. No meio daquela dominância absoluta das gramíneas, uma árvore solitária, onde apoiei a bicicleta e comecei a me afastar para fazer uma foto no estilo "espaço amplo". A cada olhada para trás, e no visor da máquina, via que era necessário me afastar mais para dar uma boa noção da amplitude do lugar. Mesmo depois de quase não enxergar mais a mancha vermelha da bicicleta no visor, ainda não tinha conseguido incluir nem um terço da largura das colinas gramadas que faziam parte do quadro. Realmente um lugar que merece ser revisitado.
Saindo dali, algumas adaptações para contornar subidas quase impraticáveis (eram as que estavam no Gepeto), e a paisagem continuava surpreendendo: naquele ponto, um mar de cupinzeiros deixava a grama toda ondulada, como se fosse a superfície de um planeta daquelas histórias de ficção científica bem palha, atrás das quais os alienígenas baixinhos ficavam escondidos. O solo, naquele ponto, era meio escorregadio, e quando fui parar a bici para fotografar os cupinzeiros, a bici andou uns dois metros com a roda da frente travada, escorregando. Credo!
Em algum momento, teria de haver uma descida. A próxima bifurcação - que estava de fato ficando mais próxima - possuía um ponto indicando cachoeira. Cachoeira significa desnível, e eu tinha medo de que eu saísse na parte alta da tal cachoeira sem ter como descer. Mas enfim, se as trilhas de caminhonete seguiam em frente, deviam sair em algum lugar, não? Será?
Enfim, depois de outra porteira, apareceu a tal descida. A paisagem era muito bonita: à esquerda, morros cobertos por campos e pedras e manchas de mato sobre o relevo recortado. À direita, lá embaixo, uma planície com diversos campos cultivados, naquele padrão típico composto de diversos retângulos, cada um de uma cor diferente. Do outro lado do vale em frente, apenas neblina. E no chão logo à frente, uma descida tão íngreme que acho que mesmo um cabrito teria alguma dificuldade de passar por ela. No chão da trilha, apenas pedras, daquelas que são constituídas de vários estratos paralelos, e vão quebrando aos quadradinhos. Os estratos tinham um certo ângulo de inclinação que não era horizontal, nem paralelo à estrada, nem paralelo à inclinação da trilha, o que fazia com que esta fosse uma sucessão de rampas descompensadas, degraus pontiagudos e calhas que dificultavam que qualquer veículo com rodas seguisse algum caminho determinado. Sem falar da inclinação absurda, já que o cara que abriu a picada provavelmente disse "eu quero ir para lá" e virou o jipe direto para o alto e avante.
Eu até tentei descer andando, mas logo desisti, pois como já disse aqui antes, gosto das minhas vértebras todas uma em cima das outras, e dos meus dentes todos dentro da boca. Fui descendo com a bici do lado, segurando os dois freios, usando ela mais para me apoiar do que para outra coisa, com todo o cuidado para que o sacolejo ficasse dentro do limite de tolerância dos alforjes. A descida ocorreu a uma velocidade média de menos de 3km/h, e se eu estivesse com minha full, em tempo seco talvez eu tivesse descido tudo. Daquele jeito, sei não. Lá no finalzinho, quando a inclinação diminuiu, finalmente pude praticar minha nova modalidade de ciclismo extremo, o downhill com alforjes e sem suspensão. Muito emocionante, lembrando bastante o bike-trial, devido à baixa velocidade e às paradinhas para pensar por onde passar (sem tirar o pé do pedal).
Vencido esse desafio, o GPS indicava uma bifurcação, quando provavelmente sairia em uma estrada maior, por onde já havia visto alguns veículos passando, enquanto eu descia. Tudo muito lindo, não fosse por um rio sem ponte. A estrada apontada surgia direto de dentro da água, na margem oposta do riacho, que naquele dia estava bem cheio. Pensei "Ah, não, isso não...", achei que fosse necessário procurar uma pinguela, ou mesmo tirar todos os alforjes da bici para cruzar o riacho, mas no fim acabei atravessando a pé, enxergando as pedras maiores no fundo e vendo que a água não passava do joelho. Voltei, peguei a bici, e lá fui eu empurrando o cafão sobre o leito de areia grossa, estando até mais equilibrado agora que a bici me dava algum apoio. É claro, os cubos, toda a relação e a metade inferior dos alforjes ficaram embaixo da água, mas nada que causasse prejuízos, pelo contrário: a corrente ficou mais limpa.
Do outro lado do rio, a estradinha escorregadia logo levava a uma estrada maior, e enquanto eu tirava a areia de dentro da sapatilha e das meias, começava uma chuva um pouco mais grossa. Retomei a pedalada em uma subida, que levava a uma passagem para o outro lado do morro, lá em cima. Enquanto eu subia, em marcha leve, olhei para trás e vi, na encosta verde, lisa e íngreme do chapadão lá atrás, a lista brilhante e quase branca que refletia o céu nublado, serpenteando morro acima, parecendo mais um desmoronamento ou um lajeado com água escorrendo do que uma trilha. Como disse, credo!
Do outro lado da subida, mais surpresas: à minha frente, um profundo vale, com uma crista de morros bem altos, cobertos de verde e paredões de pedra. Ao fundo, uma rede de estradinhas, lá embaixo. E a própria estrada onde eu estava passou a ser pavimentada com os bloquetes de concreto hexagonais. Logo vi por que, pois a chuva criou vários trechos em que a estrada se transformava num rio, sendo totalmente coberta pela pura e cristalina água corrente da chuva que caía. À direita, enquanto descia com alguma cautela (e falta de pressa, para conseguir ver a paisagem inusitada), era possível ver muitos e muitos cursos temporários de água, descendo a encosta inclinada, e vindo em direção à estrada. À esquerda, um baixo cordão de calçada, e o "precipício" de onde vinha o barulho de muita água corrente. Somente se podia ver a encosta esquerda da estrada vários metros abaixo, coberta de mato com alguns rasgos provocados por correntes de água. É fácil entender por que razão o trecho da estrada foi calçado com blocos de concreto...
Lá embaixo, já no piso de saibro novamente, uma curva à esquerda, cruzando um rio maior, depois uma curva à direita, novamente subindo, já na encosta oposta do vale. Naquele ponto, a chuva apertou, caindo com intensidade suficiente para se tomar um banho de sabonete ao ar livre, coisa que não fiz. Fui subindo, em meio à paisagem despovoada. Apenas em uma ou duas casas alguém casualmente foi olhar se a chuva havia mudado, me vendo e retribuindo meu aceno. Numa dessas casas, pude ver, já vários metros mais acima na subida, ao olhar para trás, que aquela pessoa havia chamado outras, e estas me olhavam com espanto. Que gente, nunca viram um ciclista carregado subindo uma estrada debaixo de temporal?
Quando a chuva diminuiu, encostei a bicicleta e comi um dos sanduíches, não lembro que horas eram, mas já passava da uma, acho. Naquele ponto, fui passado pelo primeiro veículo depois de sair de São José do Barreiro, a uns 20km e várias horas atrás. Na parede esquerda do vale, uma encosta de chapada onde podia ver ao mesmo tempo seis ou sete quedas d'água formadas pela chuvarada. Logo acima da estrada, muitos bois alpinistas iam pastando com calma entre as diversas calhas naturais que vertiam água ruidosamente. Do outro lado, via-se a transição de uma quase planície para uma parte mais inclinada, cheia de bois alpinistas (também chamados de vacaranhas), chegando enfim às paredes verticais da chapada da Babilônia, encimadas por topetes de capim. Alguns proprietários de terra espertamente construíram suas casas lá no meio do reino das vacaranhas, possuindo assim uma vista de dar inveja a qualquer urbaninho. Tomara que eles nunca tenham que sair de noite para ir com urgência ao médico.
Depois disso, uma descida generosa, chegando a uma ponte sobre um rio obviamente transbordante, mas relativamente estreito. Ali, aparentemente o "portal de entrada" para o complexo turístico da Babilônia, a estrada finalmente ficava mais "mansa", e enquanto eu pedalava, olhava para trás para ver as escarpas enevoadas que iam diminuindo à medida que a distância aumentava. Já há algum tempo eu vinha sentindo uma sensação bem desagradável de assadura no saco, e freqüentemente tinha que dar uma ajeitada na bermuda molhada, o que causava bastante dor e desconforto.
Mas a jornada só termina quando acaba: apesar de achar que eu deveria descer muito para chegar ao meu pretendido destino, a cidade de São João Batista do Glória, fui brindado, em uma estrada cheia de poças de água e de barro, com a genialidade da engenharia mineira: após uma enorme descida que chegava ao pé de um morro bicudo, a estrada, ao invés de contornar o morro e continuar em direção à já visível planície lá embaixo, SUBIA diretamente até o topo, para descer do outro lado. Como chovia naquele momento, tive de contar, já na parte alta da subida, que o pneu fosse cavocando o barro por onde ele passava, indo agarrar o chão firme alguns centímetros abaixo, mantendo a tração e permitindo vencer os degraus das valetas e sair de buracos embarrados. Coisa de louco.
Mais adiante, apesar de a inclinação das lombas diminuir, a sucessão contínua de sobe e desce, sempre com desanimadores e muito escorregadios retões, me fez sentir realmente cansado, até por já estar há várias horas pedalando, empurrando e ofegando, louco para chegar de uma vez, e já achando que, dependendo da hora e do aspecto da cidade, seria melhor ir até Passos, por mais 16km de asfalto. Mais frustrante ainda era ver os motoqueiros com as motos 125cc passando a uns 70 por hora entre a lama visguenta sem qualquer sinal de desequilíbrio. Malditos.
Na cidade, de fato pequena e não muito aconchegante, parei em um boteco para comer um wafer e dois sucos de pêssego em caixinha. Sentado, enquanto comia, senti alguns blecautes no cérebro, e achei também prudente tomar um café preto para dar uma avivada. Funcionou.
Segui, peguei informação num posto de gasolina, onde coloquei óleo na corrente e calibrei os pneus, e segui em direção a uma balsa sobre uma represa, na direção de Passos. Depois da balsa, me disseram, só uma subidinha, depois tudo plano até Passos. Três quilômetros de asfalto e uma longa descida após o posto de gasolina, uma pequena balsa, cuja tarifa para bicicletas era de um real. Do outro lado a tal subida, que logo terminava, mas em seguida era sucedida por mais quilômetros e quilômetros de subida suave porém quase constante. Realmente esse povo não sabe nada de subidas, ao menos não cicloturisticamente. A assadura do saco já estava muito preocupante, e até a mais sutil ajeitadinha estava ficando muito dolorida. Seria reação a algum vestígio no forro da bermuda? Contato com sujeira da luva? Mas não há mal que nunca se acabe, e logo estava no perímetro urbano de Passos, que é bem grande. Fui arriscadamente serpenteando pelas ruas ao redor do centro, onde pegava com um e outro informações para chegar na praça, onde havia alguns hotéis. Os motoristas não querem saber de ninguém na frente deles nas ruas estreitas, de preferência nem outros motoristas, que dirá pedestres ou ciclistas. As faixas de segurança vivamente pintadas em todos os cruzamentos são sumariamente ignoradas pelos motoristas que só reduzem a velocidade para ver se vem outro carro, quando reduzem. Tentei ir no hotel Imperador, mas era muito caro. Acabei indo no Grande Hotel, meio espeluncóide (deve ter sido melhor no passado), onde devido a dificuldades em encontrar um quarto com um chuveiro sob o qual eu conseguisse ficar em pé E cujas lâmpadas funcionassem, consegui um certo desconto para ficar duas noites. Tive de explicar ao rapaz da portaria o motivo de andar de pernas abertas pelos corredores, durante a escolha dos quartos. Depois do banho com lavagem de roupas, e dor lancinante nas regiões baixas, cuja pele já estava com textura de casca de tangerina, fui à cata de farmácia, LAN e restaurante, todos na rua que ia em direção à outra praça (sim, duas praças, e bem grandes, a de cima com uma fonte luminosa restaurada). No caminho, fiquei espantado com a quantidade de lanchonetes simpáticas fechadas, assim como inúmeras lojas fechadas (horário de verão é fogo, de fato já eram quase sete da noite e estava bem claro). Acabei comendo pastel de vento na lanchonete duns chineses. Fui atendido pelas atendentes, que já estavam contando os segundos para fechar a pastelaria. Suco, só de laranja, já prontinho dentro de uma jarra. Ao menos era barato.
Com as farmácias, nova frustração: na primeira que achei, fui atendido pelo farmacêutico, explicando-lhe que precisava de alguma pomada com hidrocortisona, um corticóide de baixa potência ideal para reações alérgicas, dermatites de contato e urticárias na pele. Ele não tinha, tentei ver se tinha algo equivalente, mas nada. Fui a algumas de manipulação, uma até do lado do hotel, mas para variar estavam fechadas. Acabei achando só em uma farmácia LÁ em cima, o produto chamava Berlisol, 10 reais o tubo com 30 gramas. Mas era necessário.
Fui à LAN, onde fiquei um tempão, tendo já passado a pomada antes mesmo de sentar à frente do micro. Depois, seguindo a recomendação do rapaz do hotel, fui à Cantina da Mama, que uns rapazes lá compraram recentemente de uns italianos, tendo aprendido as receitas originais. Comi um penne ao molho rosé com bife de frango empanado, acompanhado de um suco de polpa de manga, assistindo o Bog Brother em uma enorme televisão. Muito saboroso o prato, e ótimo o atendimento. Voltei ao quarto para assistir a minissérie Amasiona (uma amásia grande), não sem antes fotografar um belo cogumelo que crescia em um canto do teto no corredor. Dormi com a felicidade de quem não tem que pedalar no dia seguinte.

Vai ser fácil contar o que aconteceu na quarta, pois passei seis horas na LAN. Acordei, passei hidrocortisona no saco, agora já não mais vermelho, apenas rosado. Fui tomar o café do hotel, em seguida voltei ao quarto, descansei mais, e saí para pegar o seguro desemprego na caixa federal, depositando em seguida no banco do brasil. A procura frustrada por um lugar decente para almoçar me levou de volta ao Cantina da Mamma, onde havia self-service por quilo. Servi um prato com lasanha de presunto, massa com queijo, filé à parmegiana, alguma saladinha e pudim de mamão. Gostei tanto que repeti, um prato idêntico. Para acompanhar, suco de manga. Saindo dali, fui à cata de um supermercado para comprar balas, minhas companheiras de LAN. Fiquei um tempão numa marquise, sentado em um degrau, por causa da chuva. Se eu tivesse um quadro de pulseirinhas, comporia a típica cena do hippie vendendo coisas. Como não tinha, devo ter passado por morador de rua, mesmo. Quando a chuva diminuiu, fui ao super, mas a bala menos horrível que pude achar foi a sete-belo. Dali, seis horas de LAN, depois uma janta na Cantina. Dessa vez, espagueti à bolonhesa com queijo ralado e tempero verde. Uma delícia, melhor que no dia anterior, o pessoal aprendeu mesmo a receita dos italianos. À noite, Big Bronha e cama, pois havia jogo de futebol depois.

3 comments:

Anonymous said...

Cara, vc conhece a história da "NÊGA DO LEITE"? Pelo tamanho dos posts, tive que parar de ler um livro por causa do blog! Mas tudo bem, esse Big Brother aqui tá melhor que o livro mesmo.

Sobre o GPS, seria legal se vc disponibilizasse as rotas (kmz)pra galera acompanhar pelo Google Earth. E qual é o modelo que você usa?

Varda said...

Pra saber onde fica a cidade é fácil, procuremos no wikipedia.org. lá tem a coordenada de brodowski. Eita nome esse.

FarAmiR said...

Hidrocortisona no.. Cruuzes, bons frutos dessa viagem hein.. Será que o cogumelo era alucinógeno?

Te cuida magrão, abraço