Thursday, January 25, 2007

Dia 52 - Capetinga, MG - 3.185km (65)

Caros colegas, conforme prometido, eis-me.

A noite de sono de sábado para domingo foi ótima, e o despertador tocou cedinho no domingo. Apesar disso, eu estava bastante cansado, com preguiça, e o pior, chovia lá fora. As horas em que fiquei rolando na cama foram palco do velho impasse entre ter de levantar, para ver duma vez algo que eu não teria a vida inteira para ver quando quisesse, e NÃO QUERER levantar, para não ficar horas patinando na estrada molhada e no chuvisco fininho para ver mais uma cachoeira (tenho uma teoria de que, exceto em raros momentos, depois da vigésima cachoeira vista na vida, são todas iguais). Já que a distância até lá não era um exagero (provavelmente uns vinte e poucos), acabei levantando perto das onze horas, e fui direto almoçar no "refeitório" da pousada, já com bicicleta e tudo. O cardápio foi muito parecido com o do dia anterior, comida caseira, tentei me alimentar bem para não sentir fome muito cedo, e me mandei.
Eu havia olhado no Google Earth, como é o parque da Canastra, e fiquei com a impressão de que o caminho de Vargem Bonita até a Casca D'Anta percorreria o vale do São Francisco, devendo portanto não ter muita variação de altitude. Entretanto, logo após sair do perímetro urbano, já me aguardava uma descida horrível, apesar de curta, e do outro lado obviamente uma subida tão horrível quanto. O chão estava molhado, fofo em alguns pontos, e com várias poças de água das quais eu tinha de desviar algumas vezes. Assim foram os quinze quilômetros até a vila de São José do Barreiro, um sobe e desce de matar, com várias vistas bonitas do rio, algumas vezes bem de perto, algumas vezes bem do alto. Se não estivesse cheio o rio e um pouco frio o dia, haveria muitas oportunidades para tomar um banhão. Nas partes altas da estrada, era possível ver todo o paredão sudoeste da Canastra, e algumas fotos foram feitas nesses pontos, muitas ficaram parecidas, mas é irresistível a tentação de bater fotos daquele lugar, mesmo com o dia nublado e chuviscando.
Um pouco antes de chegar ao Barreiro, um casal em um Ford Ka parou um pouco mais na frente e fez algumas das perguntas básicas do pacote-de-interrogatório-do-cicloturista-de-longe. Eles perguntaram como estava a estrada pros lados da cachoeira, e eu disse que devia estar boa, e que se eles já haviam chegado até ali, deviam obviamente continuar. Assim também continuei eu, e devo dizer que me senti quase culpado, pois a estrada dali para a frente ficava podre, com poças gigantes de lama vermelhinha, com vários monstros destruidores de rodas e protetores de cárter escondidos lá no fundo, labirintos de valetas compridas acompanhando a estrada, e pontos perigosamente escorregadios, em declive. Fui seguindo assim, tomando muito cuidado para não beijar o solo pátrio, sofrendo bastante com as subidas horríveis e com o cansaço/preguiça/digestão trancada. De repente, no meio de uma subida, com a estrada já bem estreita, pude avistar o topo da queda da Cascadanta (é mais fácil escrever assim). Fui indo, dividindo a atenção entre a vista crescente da cachoeira, as armadilhas da estrada e a indicação do GPS, que mostrava menos de três quilômetros restantes. Pouco antes da portaria do parque, é possível ter uma vista da queda praticamente inteira, e ali parei para descansar e fotografar. Seguindo, há uma descida, uma ponte, e uma curta subida até o parque, em cuja portaria há um estacionamento para veículos. Conversei com os guardas e paguei uma entrada de três reais, e eles disseram que eu poderia entrar com a bicicleta se quisesse. É claro que eu quis, e desci pedalando a muito estreita estrada de acesso à cachoeira, por onde voltavam alguns turistas a pé. A área de camping, à beira do rio, até que apresentava uma estrutura legalzinha, com banheiros e quiosques com telhado e mesas, mas o gramado estava virado numa savana. Procurei algum ponto balneável por ali, mas acho que o rio só fica bom para banho com menos água, de modo que apenas tomei uns goles e molhei o rosto, os braços e a cabeça, continuando logo depois rumo à cachoeira. Saindo da estrada, começa uma trilha estreita, e devido às pedras deixei a bicicleta presa em uma árvore com o cadeado. Subi caminhando rápido, entre um e outro visitante que cautelosamente se equilibrava entre as rampas escorregadias e os galhos enlameados. Ao chegar na cachoeira, uma mistura de encantamento pela bela e alta queda d'água (mais de 180m), e da sensação de não estar vendo assim algo de tãããão surpreendente. O pessoal do centro do país vai me exconjurar, mas devo dizer que as cachoeiras da nascente do Rio dos Sinos e a da Pedra Branca, em Caraá-RS e Terra de Areia-RS, respectivamente, não devem muito em beleza à Cascadanta. Por outro lado, se unirmos a beleza da cachoeira com a beleza da encosta de chapada da qual ela despenca, e de todo o contexto topográfico e ecológico envolvido, é claro que vale a visita, e muito. Tenho a impressão que o legal mesmo deve ser subir a trilha difícil que dá acesso à parte alta da cachoeira, mas eu estava muito podre para fazer isso, de modo que desci tudo, depois de muitas fotos e algum tempo me refrescando no chuvisqueiro do pé da cascata - lá encontrei, inclusive, o casal do Ford Ka, eles disseram que não foi tão terrível assim, acho que o Kazinho deve estar em processo avançado de fossilização, já. De volta aos quiosques, aproveitei o isolamento e o teto para me deitar no chão e dar uma cochilada rápida. Eram já 15:00 quando me levantei e segui viagem, havia tempo de sobra para não perder a janta. A distância marcada pelo velocímetro da bici foi 25km entre Vargem Bonita e o parque. Fui então pedalando sem pressa, já com idéia de parar em determinado bar que eu tinha visto mais atrás, para comer. Chegando lá, as placas presas na cerca, antes do bar, diziam "doces", "sucos naturais", essas coisas. Na verdade, o cara não tinha assim tanta variedade, e eu acabei comendo três chocolates Laka e tomando dois Toddynho, o que prontamente recompôs muita da minha energia pedalante. Fiquei ali um tempo, o suficiente para conversar com uns capiaus que passavam por lá. Coisa nunca antes vista: um deles entrou no boteco, e tomou APENAS UM COPINHO DE PINGA, saindo logo em seguida, nada de papo furado, nada de novos copos. O mundo ainda tem salvação...
A volta, agora que eu já conhecia o caminho e não tinha possibilidade de me iludir com planícies de areia bem durinha e lisa, foi mais tranqüila, ao menos psicologicamente. Aproveitei para fazer algumas fotos da estrada, nos piores trechos, e como agora chovia, em duas descidas eu tive de sair da estrada para poder frear, já que a parte rodável da estrada na verdade estava rodopiável, de tão escorregadia. Percebi que é necessário andar nas partes onde o piso apresenta areia, que aí o pneu segura e dá pra controlar a bici. Nas partes que só têm argila, caso esta esteja molhada, a bicicleta se transforma num esqui. O que não impede, aliás, os motoqueiros de passarem a milhão, ignorando totalmente as leis da física, e ficando assim automaticamente imunes a qualquer tipo de queda. Malditos!
Já perto da cidade, havia uma placa indicando Cachoeira e Praia da Chinela, uma das poucas recomendações viáveis dada pelo atentente do Baú de Lendas, na véspera. Peguei o rumo da placa, uma descida tão escorregadia quanto as citadas acima, e desci como uma bichona, bem pelo cantinho, onde havia um pouco de areia. Chegando na ponte, que era sobre o rio São Francisco (lembrem: nesse ponto apenas um pouco mais do que um riacho), olhei à esquerda, à direita, e não vi muito sinal de praia nem de cachoeira. Dei meia-volta, pretendendo passar por uma porteira que vi mais atrás, quando me deparei com a quase oculta entrada de uma trilhazinha. Já estava perto da cidade mesmo, pensei, não custa fazer umas explorações por aí. Me dei bem, pois a trilhazinha conduzia, logo após uma cerca fácil de pular, a uma prainha bem generosa. Naquele ponto, a várzea do rio era bem larga, mas era ocupada por uma ampla meia-lua de areia grossa e pedras redondas, que formavam um "banco de areia", obrigando o rio a fazer uma curva ao seu redor. Na parte "rio abaixo" da meia-lua, o refluxo de água formava uma grande e relativamente calma piscina natural. Fui com a bicicleta até uma das bordas do banco de areia e pedras, achei uma pedra maior para encostá-la pelo pedal, como se a pedra fosse o cordão da calçada (é mais fácil fazer isso se a bici estiver numa marcha mais pesada, pessoal), e obviamente comecei a estudar uma boa estratégia para tomar um belo banho. Tirei a sapatilha e a meia, e fui caminhando até a extremidade "rio acima" da praia. Ali, depois de algum micro-fiasco para entrar na água, relaxei e deixei a correnteza me levar até perto da bicicleta de novo. Como a passagem de água era estreita, esta passava em alta velocidade, e foi muito divertido ser levado pelo rio, até porque naquele ponto ele era raso e não havia perigo. Ao chegar ao piscinão natural, que era bem fundo, dei umas braçadas, e saí da água, que não estava tão fria. Dei um tempo ali, pus a camisa para escorrer, e resolvi repetir o passeio. Na ida para o ponto de partida, achei uma parte do banco de areia que havia acumulado um lodo bem fininho. Lembrando os tempos de infância, fiquei sapateando ali dentro, depois peguei uma bolinha de lama na mão e comecei a jogá-la de uma mão para a outra, notando uma interessante mudança na emulsão coloidal formada pela lama, que passou de um gel (emulsão de partículas líquidas em base sólida) para um sol (emulsão de partículas sólidas em base líquida). Como acabei de ver na Wikipédia que o estudo dos colóides é totalmente experimental e inconclusivo, e como ninguém estava lá para ver, vão ter que acreditar em mim, aconteceu mesmo. O fato é que aproveitei a semi-liquefação da lama para aplicá-la também nos braços e pernas, ficando com aquele aspecto de monstro do pântano (resisti à idéia de passar no rosto também, afinal eu não ia conseguir ver e não ia pegar a máquina com as mãos sujas de lama). Depois do passeio, onde a lama foi lavada, senti que estava com aquele cheiro de girino misturado com cobre oxidado, típico das lamas, mas achei que um sabonete resolveria o problema com facilidade. Como já eram seis e meia, tirei as pedrinhas dos pés, calcei a sapatilha, vesti a camiseta úmida, e me mandei.
Na janta, novamente o mesmo cardápio, e comi bastante, indo logo em seguida para o quarto, tomar banho, lavar roupa e assistir o Fanático e o Big Bronha. Devem estar estranhando que eu esteja tão apegado em um programa superficial, mas a superficialidade neste caso é até vantagem, pois deixa o cérebro de molho, sem gastar muita energia, assim como o corpo, atirado na cama. E, de certa forma, me identifico com aquele bando socado em uma casa que não é a deles, e eu aqui, longe da casa que é a minha. É interessante também ver a evolução dos parezinhos românticos, com o bem-vindo atributo da relativa imprevisibilidade, que falta às novelas. Só não pode é criar dependência, ou então ficar xingando os participantes, aí não, pode parar! Nesse dia ainda assisti o Domingo Maior, mas não valeu à pena. Devia ter desconfiado do apelativo título do filme: "Baladas, Rachas e um Louco de Kilt". Lixo puro. Nanei em seguida, com o despertador desligado.

O dia seguinte, segunda feira seria o merecido dia de descanso absoluto, necessário antes do deslocamento sobre a Serra do Rolador até a cidade de São João Batista do Glória, meu próximo destino. Acordei naturalmente, muito tarde, e fiquei horas rolando e me espreguiçando na cama. A manhã estava até meio fresquinha, e pude curtir um edredonzinho, que fazia tempo que não usava. Saí me sentindo meio inchado, para almoçar, novamente o cardápio caseiro com arroz, feijão, carne, legumes e, desta vez, torresmo. Tomei guaraná. Após o rango, fui ao posto de gasolina lá perto da saída para a cachoeira, tentar fazer o lance do Visa Electron: registrar R$ 55,00 e pegar de volta uma nota de cinqüenta, mas naquela hora o cara não tinha dinheiro trocado. Aproveitei para tomar um sorvete na padaria em frente, e um creme dental na farmácia, que havia esquecido o meu em Piumhi (tou dizendo, só não esqueço a cabeça porque tá presa, no domingo eu fui à Cascadanta sem luva, e só notei na metade do caminho. Ao menos minhas mãos não estão mais tão brancas). De volta, aproveitei para conhecer a tal prainha que fica no final da rua onde fica o meu quarto. É uma prainha bem modesta, quase sem local seguro para tomar banho, ao menos não com aqule volume, mas lá tem um bloco de cimento em forma de banco, então tirei a camisa, a estendi sobre o cimento, e deitei ali, para curtir uma sesta. É impressonante como aquela cidade é silenciosa, se não fosse pelos passarinhos e pelos eventuais turbilhões formados nas irregularidades da barranca da margem oposta do rio, o silêncio seria praticamente total. Depois de nada dormir, mas muito descansar, voltei ao quarto, escovei os dentes e deitei mais um pouco. Como disse, o dia era de descanso.
Mais tarde, fui novamente ao posto de gasolina, mas como estava com fome passei em um mercado e comprei um wafer de limão, que se não é a melhor coisa do mundo, até que é bom para dar uma enganada. Dessa vez, o lance do Visa Electron não rolou devido à indisponibilidade de linha, e eu já estava com medo de ter que seguir viagem relativamente descapitalizado. Fui à padaria em frente, e comi um delicioso sanduíche de presunto (aquele do Chaves, com pão de cacetinho, aqui chamado pão de sal) acompanhado de um copo de café com leite. Voltei lentamente para o quarto, onde cheguei com um certo calor. Resolvi tomar um banho de rio, mas depois de trocar a roupa pelo traje de banho, começou a chover de novo, e aí eu deitei mais um pouco, esperando até a hora da janta. Lá fui eu, comi meio estufado ainda (embora tenha repetido uma ou duas vezes), e fiquei sabendo que havia na cidade, na verdade na pousada de cima, um outro cicloturista, que havia chegado nas mesmas condições que eu: esquálido, esfaimado e ávido por um pouso em um rango. Ele já havia jantado, ali mesmo, e logo que a chuva passou eu fui até ali, conversar com ele.
Era um cara de Arcos-MG, que estava com dez dias de férias, e saiu para dar uma volta. Estava vindo da parte alta do parque, tendo percorrido uns 70km de estrada de chão com sobe e desce, naquele dia. Se chama Eduardo, tem 34 anos, trabalha como mecânico de injeção eletrônica, estuda psicologia e sonha em ser médico (totalmente o oposto de mim, hehe). Ficamos conversando inicialmente na pousada, mas depois fomos dar uma volta por aí. Fui mostrar meu quarto e minha bicicleta para ele, que se encantou com o espaço adicional e com a tranquilidade do "chalé", pelo mesmo preço que ele vinha pagando lá na Savana, chegando a pensar em me substituir como inquilino, já que eu desocuparia o quarto no dia seguinte. Dali fomos dar uma volta, e eu resolvi comer um pouquinho, que é bom recarregar a energia em véspera de pedal. Comi duas rapadurinhas cobertas de chocolate, em um boteco, acompanhadas de uma coca-cola de 200mL em embalagem retornável, que custa apenas 50 centavos, e que é coisa daqui, ou novidade, pois no RS nunca tinha visto nada assim. Parece um bom negócio, mas se formos pensar, convertendo em uma de dois litros, ficaria custando cinco reais. É, esse caldo ainda vai conquistar o mundo! Depois de passarmos em frente à praça e vermos uma morena escultural saindo de um boteco cafifento, acompanhada é claro, resolvemos ir dormir logo. Era em torno de dez horas quando eu peguei no sono, e o despertador estava programado para 5:30 da manhã.

Olha, galera, a terça-feira, quando atravessei o chapadão da babilônia, foi o dia mais variado e divertido da pedalada até agora, provavelmente, mas há tanto a contar, e eu já estou tão cansado de escrever, que vou ter que deixar para uma ocasião futura. Me aguardem, não me deixem só, minha gente! Eu voltarei!!

2 comments:

Varda said...

Consegui achar um meio de achar as cidades que tu fala !!!!


wikipedia.org

digita o nome da cidade na busca e aparece um mapa.
capetinga, por exemplo :
http://pt.wikipedia.org/wiki/Capetinga
logo abaixo do mapa tem a lat e long do local , é só clicar .
http://tools.wikimedia.de/~magnus/geo/geohack.php?params=20_36_57_S_47_03_14_W_type:city_region:BR_scale:75000

agora é escolher em que tipo de visualizador quer ver o mapa !! e depois é só copiar e colar a localização que o google earth "para PC" marca o local !! e cada um dos teus leitores vai começar a saber REALMETNE onde estás !! hehe !!

acabou o tutorial !!

FarAmiR said...

Já são fins de janeiro e você nem aponta uma aparente tendência de voltar pra esses lados do Trópico de Capricórnio..

Te cuide
Abraço