Friday, January 12, 2007

Dia 39 - Itaúna, MG - +/- 2.550 km

Esta postagem é uma "continuação" da postagem anterior. Façamos assim, eu continuo colocando no título da postagem o número do dia em que a postagem é criada, mesmo que eu não consiga escrever o relato até esse dia. Mesmo assim, continuo sempre de onde parei. Combinado, então.

No outro dia, terça-feira, como sempre ocorre quando durmo em hotel, acordei quase às nove para tomar o café da manhã, onde tentei caprichar empurrando goela abaixo café com leite, pão com margarina e suco de laranja. Casualmente, estava sentindo pouco cansaço nas pernas, e uma boa disposição geral do organismo. Terminei o café, desci para o quarto e arrumei as coisas, vestindo novamente as roupas bastante molhadas, porém aparentemente limpas. O amigo paulista já havia saído às cinco e meia, segundo me informou o cara da recepção. Desci as escadas de ré com alguma dificuldade, e peguei o rumo da rodovia.
Minha idéia do dia era ir até Santo Antônio do Amparo, o que me daria uma quilometragem de 70km mais ou menos, o suficiente para cumprir com a meta de duzentos e poucos quilômetros em três dias. Fui indo, mas naquele dia percebi que algo miraculoso ocorrera: estava me sentindo bem para pedalar!! Creio que isso se deva ao fato de que já estava de saco cheio de pedalar, pedalar, pedalar, portanto queria pedalar logo todo o trecho que faltava para poder parar logo e descansar, ou ao menos depenar a bici e deixá-la novamente com cara de mountain-bike. O fato é que este foi um dia onde vi a paisagem e a sucessão interminável de curvas, aclives, declives, andarilhos, carretas de 22 rodas (sim, esse é o número máximo, e não dezoito como eu achava; os bitrens têm 26 rodas), ondas de sol e sombra que seguiam a sucessão de nuvens. Em trechos onde foi possível, segurei na traseira de caminhões, o que me rendeu uma "ejetada" do GPS para fora da bolsa de guidão, devido aos remendos do asfalto, sorte que não vinha ninguém atrás. Guardei-o na pochete e aguardei outro caminhão.
Neste dia, iludido pela fome que avançava e pela placa "Crossville: sua melhor opção de refeição na 381", resolvi parar no autodenominado "rodoporto", próximo a Lavras. Ao chegar, já senti o drama: algo muito parecido a um shopping center redondo, com pé-direito enorme, rodeado por boxes para ônibus e automóveis. Entrei, encostei a bicicleta ao lado da recepção, e me entregaram, em uma roleta, uma placa com um número em código de barras (outra coisa que detesto). Tive de andar dezenas de metros para chegar na fila do self-service por quilo (não tinha valor máximo), onde consegui gastar, com um prato de comida que não tinha nada de especial, e outro prato semi-preenchido com salada de fruta e melancia (não tomei nada, queria líquidos gelados e doces com fibrinhas), a bagatela de 21 reais! Que me sirva de lição, rodoportos, nunca mais! Não recomendo.
Segui pedalando, pedalando, pedalando, sinceramente não tenho muito a contar sobre isso, exceto que já cantei bem menos do que no dia anterior, a disposição migrou toda para as pernas. Ao chegar em Santo Antônio do Amparo, estava bastante cedo ainda, de modo que segui para Oliveira, que me deixaria uns 110km para o dia seguinte, havendo a possibilidade de eu chegar com um dia de antecedência, idéia que me agradava muitíssimo. Pedala, pedala, pedala...
Ao chegar em Oliveira, havia o trevo de acesso à cidade, que ficava a mais de 5km da rodovia. Como eu já havia escolhido seguir pela Fernão Dias até Itatiaiuçu, pensei que entrar cinco quilômetros para dormir em uma cidade, para no dia seguinte repetir os mesmos cinco (no mínimo), não era algo muito esperto, e como eram seis horas da tarde, resolvi seguir em frente até Carmópolis de Minas. Já estava cansado, mas ainda havia força nas pernas, e a quilometragem já passara dos 100km há algum tempo.
No trecho entre Oliveira e Carmópolis, percebi que o abafamento do dia já estava fazendo efeito atrás de mim: uma muralha de nuvens negras, muito negras, pairava no horizonte, mas felizmente o vento vinha de frente, de modo que achei que a chuva iria ficar para trás. Entretanto, pude perceber que a formação de nuvens apresentava um padrão retrógrado, provavelmente por estarem sendo empurradas por alguma frente fria localizada, e a nebulosidade vinha se espalhando a uma velocidade maior do que a do vento (isso não contraria a física. Quem já tentou atravessar a rua em engarrafamento andando na contramão deve ter ficado irritado com a onda de carros acelerando um após o outro, mas enquanto os carros andam para a frente a onda anda para a trás, de modo que o carro ao seu lado sempre está em movimento. Algo semelhante ocorria com as nuvens. Não entenderam nada, né?).


Faltavam ainda uns seis quilômetros para Carmópolis, e o negrume do céu avançava rapidamente, enquanto no horizonte distante o tom já era aquele esverdeado transparente que indica que a ameaça de chuva já se tranformava em chuva de verdade. Acelerei o passo, o que não foi fácil considerando os 130km rodados, o leve vento contra e, ao entrar na cidade, as subidas e buracos que encontrei. Perguntei rapidamente a um senhor sobre algum hotel, e ele me disse que havia dois na praça da matriz, não por acaso o ponto culminante da cidade. Fui assim, lutando contra a onda pluvial que me perseguia e contra o contínuo aclive que me separava do hotel. Fiquei no hotel amarelo (não lembro o nome, mas não é o hotel Santa Terezinha), e entrei no máximo um minuto antes de desabar o temporal. Como estava com muita sede e cansaço, optei por tomar algo antes do banho. Larguei a bici no quarto, peguei um troco e atravessei a rua correndo, para um barzinho que havia praticamente em frente do hotel. Tomei "de um gole" um suco de pêssego em lata (juro que não ganho comissão), e enquanto olhava a chuva grossa caindo, tive a melhor idéia do dia: fui correndo até o hotel, que tem um saguãozinho na frente, antes da porta, e lá deixei a pochete e a sapatilha. Dali fui para o meio da rua, e fiquei sob a refrescante chuva, que caía generosamente. Não contente com isso, achei um espesso fio de água que caía de uma calha, praticamente uma torneira, e ali fiquei, esfregando os cabelos, o rosto e a barba com a água fria. Quando me satisfiz, dei uma sacudida no excesso de água e entrei para tomar o banho de verdade.
Após o banho de verdade com sabonetinho e a já tradicional pseudo-lavagem de roupas no chuveiro, botei uma roupa civil e fui à lanchonete fazer um lanche, novamente um genérico do "xis tudo", muito saboroso, regado a suco de pêssego em lata e muito funk, que o pessoal da lanchonete, incluindo duas irmãs até bonitas mas vestidas de modo imperdoavelmente vulgar, estava ouvindo. Comentário de um dos clientes do bar "Esse MC __________ (preencha a lacuna com o nome de sua preferência) faz músicas muito criativas!" Viva a erudição e o apuro musical! Fugi disso assim que terminei o rango, e fui lá pro quarto assumir o meu estado letárgico em frente à televisão, que por sorte possuía controle remoto. Assisti jornal, depois novela, depois minissérie. Os oitenta quilômetros que me separavam de Itaúna passaram a ser uma preocupação menor, e a chegada com um dia de antecedência estava praticamente garantida.

Acordei na quarta muito otimista com a chegada do ponto final da minha ida (sim, pretendo voltar pedalando). Tomei um café bem bom, com bolo, pão de queijo, suco e café com leite. O dono do hotel mora lá mesmo com a esposa e filhos, é um ambiente literalmente familiar. Já alimentado, voltei ao quarto, passei muito filtro solar, que o sol estava forte, enchi a garrafa e me lancei à estrada novamente, após descer uma longa lomba, que levava do centro até a rodovia.
Com pouco mais de vinte quilômetros rodados, cheguei a Itaguara, onde parei para comprar pilhas, sem sucesso - só haviam as comuns, e eu queria alcalinas. Ali, existe uma comprida serra, a qual subi inteira segurando na traseira de dois caminhões (havia uma descida no meio da serra), e isso me poupou muito esforço e tempo.


Antes de chegar ao acesso a Itatiaiuçu, uma longa e veloz descida, em uma paisagem muito bonita com a serra da Pedra Grande (ou algo assim) ao fundo. Um dos picos dessa serra está todo escalavrado pela mineração, mas mesmo assim a paisagem é meio impressionante.

Serra da Pedra Grande ao fundo
Após o acesso a Itatiaiuçu, uma subida chatinha até chegar na cidade, onde parei em um posto para comer coxinha, pão de queijo e sucos (dessa vez provei, além do de pêssego, o de morango, gostei e recomendo). A senhora do posto me mostrou até álbum de fotos (como se não bastasse o enorme mural na parede) do filho dela, que faz trilhas de motos. Disse também que em Itaúna há muita gente andando de bicicleta por aí. Beleza.
Logo na saída do posto, inicia uma subida de quatro quilômetros. Mas não foi sem tempo que surgiu um solícito caminhão, que subiu tudo a mais de 25 por hora, o que definitivamente foi decisivo para minha chegada muito cedo em Itaúna. Em meio a longos trechos de descida, alguns caminhões, percebi que o bagageiro estava estranho. Parei, e tive infelizmente de providenciar um remendo com zip-ties (fitinhas ellermann, para alguns) para uma das barras do bagageiro, cuja solda havia quebrado! Maldito equipamento fraco...
A menos de poucos quilômetros depois estava já um trevo de entrada para Itaúna, e eu segui por esse trevo, já com o GPS indicando o local provável da loja América Latina Bikes. Fui subindo e descendo pela avenida, e ao chegar mais perto pedi informação a um frentista, o que fez com que eu achasse a loja de primeira. Chegando lá, molhado pela chuva que começara a cair há poucos minutos, me apresentei para o Luciano, dono da loja e amigo da Gilvana, que me recebeu muito bem, assim como o filho dele, o Júnior, dezesseis anos, mecânico da loja, a moça que atende o balcão e o outro mecânico. Assim que ele teve tempo, me levou à casa da irmã dele, poucos metros adiante, onde deixei minhas tralhas e tomei banho. Voltei à loja, conversei com vários ciclistas que iam aparecendo, falei com algumas pessoas no MSN no computador da loja, e enquanto alternava entre o balcão e a oficina, chegou a Gilvana, acompanhada de seu amigo piloto de ultraleves que não sei exatamente o nome (fui já previamente convidado a voar de ultraleve, isso será uma bela aventura). Ela é bastante simpática, um tanto mais bonita que nas fotos, e tem bem um porte de ciclista (mesmo não sendo assim muito alta), embora ela diga que anda meio parada. Ficamos lá conversando bastante tempo, junto com os outros amigos que estavam na loja, e ficou combinado que iríamos dar uma passada em um churrasco que haveria à noite na chácara de uns amigos dela.
Em seguida, eu e o Júnior fomos buscar minha bici e minhas tralhas, que foram aleatoriamente amarradas sobre a bicicleta, e seguimos pela mesma avenida pela qual entrei na cidade, até a casa dele, onde seria minha nova casa por esse tempo. Lá chegando, arranjei um cantinho no quarto dele para guardar alforjes, bolsas e pochetes, separei alguma roupa para pôr na máquina de lavar, e não resisti à tentação de já tirar tudo que é paralama, bagageiro e enjambração que estava presa na bicicleta, transformando-a de touring para cross-country novamente. Antes que pudesse comcluir a operação, a rápida Gilvana já estava lá me apressando, para que fôssemos logo pois os amigos estavam lá na frente esperando, de carro. Lá dentro, a Elenice, que mãe do Júnior, e um casal de amigos. Fomos em direção à represa da cidade, onde fica a chácara. Lá chegando, a turma começou a preparar o churrasco, e eu contribuí da forma que mais gosto: acendendo, abanando e assoprando o carvão, posto ao qual fui considerado automaticamente apto, dada minha condição gaúcha. Entre conversas, goles de refrigerante, espigas de milho assadas e cozidas, algumas rodadas de truco (às quais apenas assisti, é claro), o tempo passou e percebemos que estava ficando tarde para nós, a sonolenta e cansada Gilvana, e o hóspede do sonolento e cansado Luciano, em cuja casa eu não poderia chegar muito tarde. Assim sendo, ela ligou para o amigo aviador, que já a havia convidado para jantar, e assim ele veio nos buscar de carro.
O cara é uma figura: deve ter quarenta e poucos anos, e é viciado em voar de trike (nome correto para o ultraleve). Disse que sonha em ir para o RS ou para qualquer outro lugar distante voando de trike, pousando nos lugares. Ele disse que já pousou em tudo que é lugar, e inclusive gosta de pousar na Fernão Dias, em frente às carretas em movimento, rolar na pista por uns metros e depois arremeter, ou seja, decolar de novo. Louco, enfim, mas com responsabilidade. Ele nos buscou em uma Caravan enorme, onde por sorte tocava uma rádio estilo "música de consultório", a pedido. Fomos até o calçadão da cidade, conhecido por Prainha, onde há alguns locais para comer. Escolhemos o Massa Expressa, onde comi um espaguete com molho branco, palmito e presunto, com suco de polpa de manga. Após a janta, me levaram à casa do Luciano, onde ele e o Júnior já dormiam, e tivemos algum trabalhinho para acordar o Júnior. Na sala, já me esperava o colchonete e o travesseiro, de modo que o sono veio logo, apesar do leve aroma de fumaça na roupa.

Por hoje é só, em breve mais novidades. Abraço, pessoal!

3 comments:

Anonymous said...

Fico imaginando a cena, visto que já morei no interior...Um maluco,estranho,descalço,cabelos e barbas ENORMES e tomando banho de chuva no meio da rua!!!
Helton vc deve ser o assunto da cidade pelo menos por um mês!!!

te cuida.

Varda said...

o churrasco e a massa foram no mesmo dia ?

- essa da chuva foi ótima, do banho de chuva. hehe.

- parador de ônibus interestadual é a maior furada do planeta, vc nunca viajou de ônibus ?Esses paradores são terríveis, não há quem não reclame de alguma coisa, podem por vezes até ser bons, mas sempre são caros pelo que oferecem.

- sobre o bagageiro, é duro. [tão duro que não guentou nem a trepidação.] Achar um soldador pra arrumar vai ser mais duro ainda. Boa sorte !!

Anonymous said...

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