Tuesday, December 12, 2006

Dia 08 - Florianópolis, SC - 603km (22)

E aí, Galera!

Na segunda de manhã pude perceber que meu conceito de chuva passageira de verão tem que ser revisto, pois chovia e bastante, embora não estivesse frio. Acordei com o despertador do celular, prevendo que tomaria café bem cedo para ir logo a Florianópolis, onde me aguardava o Marcelo Varda, velho conhecido das listas de cicloturismo e reclinadas, mas que eu não conhecia pessoalmente ainda. Fui mesmo para o café da manhã só lá perto das nove, preferindo como sempre descansar bem a carcaça antes de iniciar o dia, que pelo visto seria duro. O café até que era caprichado, comi pão com nata e doce de leite, café com leite, bolo, cuca, e sucrilho com iogurte (que não estava tão bom como parecia). Peguei algumas informações sobre a estrada com o dono do hotel, informações que, aliás, não foram muito animadoras. Apesar disso, o fato de eu estar a mais de 900m de altitude, me dirigindo para o litoral por uma estrada totalmente asfaltada me fazia crer que os talvez mais de 120km seriam percorridos certamente durante o período "diurno" do dia.

Ao sair a primeira coisa que fiz foi ir ao banco sacar uns dinheiros, que haviam acabado, e às dez em ponto iniciei a pedalada, sob chuva média, mas conseguindo me sentir bem só com camiseta e bermuda, evitando assim muitas roupas empapadas ou abafadas.



Após um pouco de pista ondulada (com sobe e desce suave), peguei uma longa descida na divisa de duas bacias hidrográficas (isso estava escrito em uma placa na estrada), indo parar em Alfredo Wagner, onde imediatamente após cruzar uma ponte há uma subida, mas essa subida logo se torna algo mais plano e ondulado, acompanhando o vale de um rio. Isso era umas onze e meia, e eu pensei em não almoçar naquele momento, apesar da grande quantidade de restaurantes. Logo depois de Alfredo, inicia uma real serra, subindo constantemente, e o trecho lá é bem ruim, com vários remendos e calombos bem na lateral direita da estrada, aquela com a nossa velha amiga linha branca (com os malditos olhos de gato presos SOBRE a linha ao invés de um pouco para o lado). Ali a coisa foi subindo, subindo, suavemente, e eu já achando que estava na hora de ficar com fome e pensar em comida, então resolvi, num daqueles pactos que o cicloturista solitário por vezes faz consigo próprio por absoluta falta de companhia e distração: "vou almoçar no primeiro restaurante que encontrar após o meio-dia e meia". Acontece que aquela serra subia, e subia, e subiiiia, e SUBIIIIIA, e nada de acabar, até que ao longe e bem no alto eu pude ver umas barreiras obviamente artificiais que pareciam fazer parte de alguma escavação, obviamente relacionadas à estrada, e como estavam bem longe e bem alto, imaginei que a virada da serra estava próxima, e portanto a descida e do outro lado um provável restaurante, ao abrigo da chuva e do frio da altitude.



Fui indo, assim, pedalando meio devagar, desviando dos calombos do asfalto (ou atropelando-os, quando vinha carro nos dois sentidos), inconformado com o fato de não aparecer nenhum caminhão lento o suficiente para que eu me agarrasse a ele, na subida, e por fim passei pelas barreiras essas, que eram partes da parede de pedra que haviam sido concretadas para evitar desabamentos, um visual até bastante bonito e diferente da rotina visual daquela estrada, eu imaginei que já estaria chegando perto da virada, havia um morro bem à minha frente mas a estrada provavelmente devesse passar pelo lado dele. Foi então que vi o ônibus.
Lá, em cima do morro, mas LÁÁ em cima, havia uma estrada, e pude ver o ônibus pequeninho fazendo a curva e descendo por ali. Me dei o trabalho de esperar para ver quanto tempo levaria o ônibus, descendo, para chegar aonde eu estava. E posso lhes afirmar que ele até que demorou bastante, sem falar que vários outros veículos ainda apareceram antes dele (porque estavam no caminho). Nesse ponto (até mesmo antes de o ônibus chegar), eu já havia parado, e mandava uma dose generosa de goiabada, pois sabia que o bendito almoço ainda estava a várias dezenas de metros de desnível de distância.
Após retomar a marcha, apareceu um caminhão suficientemente lento para que eu pudesse remorizar, e até que deu trabalho, pois tive de correr atrás dele à procura de um bom local de preensão, e também tive de me soltar em um momento para poder atropelar um calombo no asfalto com mais firmeza (tendo que correr atrás do caminhão depois para me prender nele de novo). Ao final de um curto trecho, quando a subida terminava, abandonei-o, com alguma dúvida quanto à real vantagem energética de ter feito toda aquela correria para economizar alguns minutos de subida (ainda acho que valeu à pena, ao menos pela energia, se não pela segurança). Uma placa dizia "dirija com cuidado, trecho sujeito a neblina". Os catarinas sabem o que fazem, pois uns 500m depois havia uma parede de névoa que me acompanhou por uns bons quilômetros. Lá em cima, na "hora da virada", havia uma placa que dizia "vista panorâmica da chapada do não sei o que a 2km, altitude 1250m". Bah, pensei eu, devo estar a mais de mil metros de altitude, que inferno, todo o trabalho (de descer a serra até Alfredo Wagner) perdido!
Logo em seguida havia de fato uma longa descida, bastante veloz, com um viaduto em curva - era a serra da Boa Vista. Mas alegria de faminto dura pouco (faminto por opção, aliás, porque durante a descida havia um restaurante, mas era uma construção pequena em meio a um grande terrano terraplanado sem nenhuma infra-estrutura, provavelmente ruim e pouco freqüentado, e ainda por cima numa descida em um momento que chovia forte), e durou pouco porque após o final da descida, e antes do aparecimento de qualquer restaurante, seja feio ou bonito, lá estava ela de novo, uma longa subida, e ainda por cima logo após seu início, que era em curva, um longo trecho em reta (coisa de mais de um quilômetro). O desânimo provocado pela visão me fez até tirar as luvas ao parar para comer, e fui levado desta vez - pasmem - a comer até um pedaço do pão!! (desse jeito ele não chega ao Paraná!).
Felizmente, após o pão e o descanso, veio a descida (a definitiva), e apareceu um posto de gasolina cujo restaurante ainda ostentava (sem muito orgulho, supõe-se) um balcão de buffet em pleno funcionamento, às três horas da tarde! Enchi a pança com massa, feijão, banana à milanesa, bolinho de arroz, entre outras coisas, e me servi três vezes de sobremesa, um mousse de morango meio salafrário, sagu, e aquelas espumas com creme e merengue. Coisa muito fina. Tentei extorquir alguma informação do cara que atendia no restaurante, a respeito de como seria a estrada para Florianópolis, mas não deu pra extrair muito mais do que: dali a nove quilômetros, haveria uma descida de doze quilômetros, e dali em diante ficaria tudo plano até Floripa. Isso muito me alegrou, pois eu já estava com mais de 70km rodados, e portanto deveriam faltar uns 60 - com média de vinte, eu chegaria às seis da tarde!
De fato, depois de uma descidinha até a entrada de Rancho Queimado, e alguma subidinha menor, em meio a uma paisagem de pinheiros à beira da estrada, com curvinhas bucólicas, veio a bendita descida, essa sim a definitiva, com seus doze quilômetros ininterruptos, que beleza.
Pena que os catarinas, ou talvez todas as pessoas que andam só de carro e não de bicicleta, esqueceram de dizer que os quilômetros restantes NÃO ERAM planos, e havia ainda subidas suficientes para me fazer usar marchas bem leves, e mesmo parar para descansar em vários pontos.
Quando finalmente cheguei na parte visivelmente plana da coisa, um pouco antes de Santo Amaro da Imperatriz (por lá chamada apenas de Santo Amaro), achando que a BR-101 poderia aparecer a qualquer momento, resolvi perguntar a um senhor de bicicleta que provavelmente estava indo à padaria, e ele disse "ah, uns quinze", e eu "quinze?", e ele "é, quinze quilômetros". Acostumado já a esse tipo de decepção, olhei ao horizonte agora novamente coberto de nuvens negras (até então o aspecto meteorológico do céu vinha melhorando), e achei que valeria o esforço de pedalar sem parar para chegar logo à casa do Varda. Pois foi o que fiz.
Na parte da estrada que passa por Santo Amaro, existe um morro de um lado da estrada e um rio do outro, e uma cidade no meio, o que faz com que a pista fique estreita e um tanto tumultuada devido aos tachões no meio da pista (por vários quilômetros), entradas e saídas de ruas e lombadas eletrônicas. Nesse trecho, tive de disputar o espaço da beira da faixa praticamente a tapa com outros motoristas (um caminhoneiro me buzinou na orelha e não gostou quando acenei bem pouco gentilmente para ele, fez menção de parar e tirar satisfação, mas acho que viu que não era páreo para um ciclista cansado e seguiu contrariado).
Logo em seguida cheguei à tal 101, e ela estava obviamente movimentada pois já passava das cinco horas, e aí eu sentei o sarrafo, fiquei me desviando dos carros que entravam e saíam da lateral, não consegui me desviar dos grossos pingos de chuva de uma nuvem (aquela que já tinha avistado desde antes de Santo Amaro), e entrei no acesso principal de Floripa.



Me perdi na entrada do bairro Itaguaçu, perguntei a algumas pessoas onde ficava a rua 23 de Março, e finalmente achei a casa do Varda, onde estava o próprio, como não poderia deixar de ser (apesar de que a mãe dele achou que ele não estivesse em casa, porque a cadeira na frente do computador estava vazia).
Ele me recebeu muito bem, e após eu tomar banho fizemos um lanche, em companhia da mãe dele e da namorada Helena.
"Pra encurtar o relato", enquanto a Helena foi fazer algumas compras, eu e o Varda descemos à garagem-oficina, e eu aproveitei para limpar minha corrente e fazer algumas firulas mínimas na bike, e ele aproveitou para montar os rolamentos da roda dianteira de sua Caloi 12, para que pudéssemos rodar um pouco no dia seguinte.



Quando a Helena voltou, fomos de carro (ah, que maravilha ser transportado em um veículo sem fazer força) a um rodízio de pizzas, onde comemos feito bichos. Depois, voltamos para casa e fiquei um tempão olhando fotos e navegando em orkuts e coisas do tipo.

No dia seguinte, aguardei pacientemente para que a promessa que o Varda fez, de vir me acordar antes das dez, fosse cumprida. Resultado: era meio dia e pouco e estávamos tomando café da manhã...



Eu precisava resolver coisas de banco, como sacar multa do FGTS, depositar no banco, e encaminhar o seguro desemprego (que cara de pau...). O Marcelo (Varda) também tinha de fazer essas coisas, e a tarde dele também foi emocionante, pois descobriu que havia mais de cem pessoas utilizando seu número do PIS (o que obviamente significa que, ao menos hoje, ele não recebeu nadica).



Paramos depois dessa firula bancária em uma lancheria, na qual eu comi um PF com arroz, feijão, farofa, batata, ovo, bife e salada, com suco de laranja, e fomos para casa pegar as bicis para dar uma volta.



Esse passeio de bici, que se prolongou até quase as dez da noite, foi uma oportunidade para que o Engenheiro Marcelo Varda me desse aulas e mais aulas sobre a organização urbana de Floripa, do seu bairro até o centro, beira-mar, ciclovias, parques, calçadões... Fizemos diversas fotos, inclusive várias noturnas que até que ficaram boas, e para encerrar a noite fomos em um boteco semi-chique à beira mar, onde comemos uma refeição com alguns camarões e lulas e firulas, que nós também somos filhos de Deus, se é que ele existe.



Próxima parada: na estrada!! (quando der fome ou a subida for muito forte)

6 comments:

Anonymous said...

Helton,bom saber que vc esta bem!Passo todos os dias aqui pelo blog,para saber as novidades.
Vc podia postar umas fotos para a gente acompanhar visulamente tbm a tua viagem...apesar de os teus relatos serem otimos,fotos são sempre fotos...
Te cuida!!!

abraços,ninki

luisfranz said...

Oi Helton!!!

Estou acompanhando teu blog.
Muito show tua iniciativa.
Inclusive tem um link pra ele lá no meu blog.
Cara!! Se puderes colocar um link para o meu blog nessa tua página ficarei tri feliz(www.luisfranz.blogspot.com).

Abração!!
Estarei de olho na aventura!!

FRANZ

Varda said...
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Varda said...

Eu havia mandado o link errado do vídeo, segue agora o link correto, ou o link do vídeo correto :

http://www.youtube.com/watch?v=2Xf1T-7428k

FarAmiR said...

Me lembro como é descifrar o dialeto falado pelos frentistas em Sta Catarina.. Imagina ainda obter informações errôneas...

Abraço, te cuide

Anonymous said...

E ai Helton, como esta cara???

Muita barba? não assustou ninguém ainda?? Acho q o caminhoneiro sentiu teu cheiro e se mandou... Além é lógico do medo de um cicloturista cansado e com fome.

Estou escrevendo para além de falar besteiras, contar as novidades.

Estou indo para Bombinhas, chego la na terça as 6hs da manhã, acredito que tu ja terá passado, mas qualquer coisa, prende o grito.

Também quero desejar q a tua viagem continue beleza, e que continue descobrindo coisas afu...

Grande abraço meu amigo..

Edgardo Pelaez