Friday, December 29, 2006

Dia 25 - Guararema, SP - 1.841km (78)

"Nossos ídolos ainda são os mesmos..."

De fato, o especial com a Elis Regina não decepcionou, foi uma beleza. Ainda mais por ter várias cenas dela própria (e não da atriz que arranjaram para representá-la, que até que participou pouco). A Fernanda Lima, se não se destacou (nem deveria, não era sobre ela o especial), não estragou nada. Antes de ir assistir o especial, saindo da LAN, fui a um restaurante de comida supostamente mineira, onde finalmente jantei de forma digna, comendo feijão, arroz, carne com batata, salada, farofa, e refrigerante. Apesar do papo furado do dono, dizendo que lá a comida era mineira mesmo, gostosa, etc., tive de pedir reforço no feijão, já que a cumbuca que nem era muito grande veio pela metade, hehe.
Ao sair de lá, vi que a chave não estava no bolso onde eu a havia colocado. Rapidamente notei que não estava nos outros bolsos, também. Enquanto dava meia-volta para começar a procurar no restaurante, coloquei a mão no bolso de trás e percorri a costura com a ponta dos dedos, os quais escaparam junto com a mão quase inteira, por um enorme buraco. Obviamente, a chave já tinha caído há muito tempo, em qualquer lugar, provavelmente na rua. Voltei ao hotel, e a dona até nem se espantou muito com a perda da chave, providenciando logo outra, reserva, que para a surpresa dela (e minha), não funcionou. Sorte que eu havia deixado a janela (que dava para o corredor) aberta, o que me permitiu entrar no quarto. Disse ela que arranjaria um chaveiro logo pela manhã, para que eu pudesse sair com a bicicleta. Assisti o especial ("minha dor é perceber/que apesar de termos feito..."), mas antes de dormir tomei outro banho gelado, e deitei com o corpo levemente úmido, sem roupa e sem lençol e sem nada, com o ventilador diretamente em cima de mim ligado no máximo. Ainda assim, tive de acordar uma hora depois para tomar outro banho gelado. Antes do amanhecer, solucionei parcialmente essa angústia dando meia-volta sobre a cama, deixando o tórax sob o ventilador, onde antes estavam as pernas.

Acordei sem pressa (eles não ofereciam café da manhã), e fiquei enrolando até dez e meia, na cama, descansando bem. Arrumei minhas coisas, e como era certo que aconteceria, tive de pedir ajuda para defenestrar minha bicicleta, por uma janelinha que não tinha nem dois palmos de largura, coisa que foi até mais simples do que parecia. Fui, depois de me despedir da moça que atendia lá, muito simpática, até o restaurante mineiro, e um dos guris que atendia lá disse que só teriam comida dali a uma hora. Só que já eram 11:20! Pelo jeito, meio-dia não significa nada pra eles, do ponto de vista alimentar. Atravessei a rua e comi lá um prato-feito que, se não era uma iguaria, também não era ruim, e não consegui comer ele inteiro. Saí a pedalar meio-dia e doze, sob um sol aberto, mas não muito quente.
Na véspera, eu havia decidido abortar a viagem pela Rio-Santos, e seguir para São José dos Campos via Mogi das Cruzes, subindo a serra, pois sabia que a viagem pelo litoral significaria calor, subidas e descidas constantes, movimento na estrada, movimento nas cidades, preços extorsivos, lotação esgotada... Foi uma boa escolha. Nos primeiros nove quilômetros, perdi a conta de quantos carros ultrapassei, pois o engarrafamento na estrada estava longo, muito longo. Ao entrar na estrada Mogi-Bertioga, apesar de não haver engarrafamento com carros parados, o fluxo de veículos descendo a serra era constante. Após uns 5km nessa estrada, começou o trecho de subida, que logo virou trecho de subida e neblina, e logo subida e chuva. Fui me arrastando lentamente, olhando para os motoristas descendo na outra pista, eles olhando para mim, as luvas fedendo a suor azedo a cada vez que eu enxugava as gotas da testa e do bigode (até que lavei as luvas e o rosto na água que escorria pela calha da beira da pista). A estrada tem duas pistas para subir, mas não tem acostamento, e eu ia me equilibrando na linha branca, rezando para que aparecesse um caminhão bem lento (não apareceu), sentindo a camisa gelada grudando na barriga quando o vento dava uma soprada. A neblina, o cansaço e o movimento na pista contrária (convenhamos, também o manjado da cena) me levaram a passar reto por um mirante que dava vista a uma cachoeira que descia pela encosta do morro oposto à encosta da estrada. Destaque também para as cercas de alambrado que rodeavam qualquer coisa que se parecesse com uma cachoeira na beira da pista, provavelmente para impedir a pouquíssimo recomendável parada de veículos na terceira pista.
Foram doze demorados quilômetros subindo a tal da serra, e eu certamente levei bem mais de uma hora subindo. Lá em cima, acostamento melhorzinho, céu começando a abrir, fim da subida interminável, que foi trocada por uma sucessão de subidas e descidas. Parei no Shopping Mineiro, ou algo assim, que é uma tenda que vende coisas mineiras e serve comida. O atendente me disse que não tinha nenhum lanche doce, que foi o que pedi, então ele me deixou ocupar uma mesa plástica na rua para fazer o lanche que eu trazia. Peguei dois pães amassados (que havia comprado antes do almoço), coloquei muita goiabada e dois pedaços grandes de queijo sobre um deles, e usei o outro para cobrir, fazendo um sanduichão com dois pães no lugar de um. Na caramanhola, preparei Toddy com leite em pó, e esse foi meu segundo almoço, regado a uma garoa gelada e fininha que caiu em alguns momentos. Enquanto recarregava as caramanholas, antes de ir embora, perguntei ao tiozão da tenda se era longe até Mogi. Ele disse "eu caminhando levei três horas, ocê de bicicleta vai levar uma hora e meia, mais ou menos". Não contrariei o tio, peguei minha água, prendi as luvas nojentas no bagageiro e me mandei.
Ao chegar em Mogi das Cruzes, cidade que o Dorival garantiu que era tranqüila, com marcante imigração japonesa, achei que era ainda muito cedo, e botei o GPS pra apontar para Guararema, a uns 23km de distância. Depois de seguir algumas placas, e encarar subidas horríveis em primeira marcha, preferi pedi informação. Em uma oficina, foi só eu entrar e perguntar, que toda a família (de descendentes japoneses) foi até a rua e me explicou minuciosamente como eu faria. Apesar disso, cidades são cidades, e parei mais duas vezes para confirmar o trajeto. Após pegar a estrada certa, fui obrigado (mais uma das manobras automáticas da bicicleta) a ir numa simpática sorveteria, com simpáticas atendentes, e tomar um sorvetão de quatro bolas, que beleza. Mais algumas subidas e descidas e curvas e serras, e eu estava no trevo de acesso a Guararema.
Me surpreendi ao perguntar, em um posto, pelos bombeiros, e descobrir que não havia bombeiros ali. Em outro posto, me confirmaram a informação, e me recomendaram a pousada Calil, onde eu seria muito bem atendido pela Mariana. Fui até a pousada, mas o aspecto estava bom demais para ser verdade: um gramadão impecável, com um varandão coberto no centro contendo cozinha, redes e muitas almofadas amontoadas no centro, de um lado uma fileira de apartamentos com cara de loteamento na praia, ao fundo, na parte alta do terreno, uma casa que parecia capa da revista Casa & Construção. Fui até lá, e antes que tivesse oportunidade de bater palmas, apareceu a tal Mariana. Para variar, era mulata, bonita, com jeito daquelas empregadas da Helena na novela das oito (qualquer das novelas em que a Regina Duarte mora no Leblon e se chama Helena), só mais baixa e mais clara. Me apresentei, mas fiquei assustado quando ela comentou o irrisório valor de 60 reais, negociável para 50, excepcionalmente. Me justifiquei rapidamente e falei que talvez fosse necessário que eu ficasse em um local mais simples, perguntei se ela sugeria algo. Ela disse "tem o Grande Hotel, mas é bem ruinzinho, tu vai pagar uns 30 reais, e é bem ruim, é hotel assim de operário, de peão mesmo". Bom, lá foi o antropológico Helton ao Grande Hotel, onde ficou em um quarto com ventilador de teto, banheiro coletivo (vazio) ao lado do quarto, chão limpinho, café da manhã, por míseros vinte reais, o que se pode considerar quase abaixo do valor de mercado, hehe. Jantei no restaurante geminado ao hotel, por 8,50 self-service (conhecido também como buffet), onde de fato haviam muitos operários (descobri depois que dentro do hotel existiam operários, igualmente, mas acho que dormirão cedo).
Ao sair para vir para cá, vi que a cidade, apesar de não ser minúscula, preserva o que as cidades pequenas têm de melhor: clima pacato, pessoas andando pelas ruas, sentadas em frente às suas casas, conversando. Quando fui atravessar uma rua, numa esquina, vinha um carro de cada lado e ambos pararam. Passei pela frente de um e por trás do outro (que segundo pensei teria recebido a preferência). O motorista do segundo carro me olhou meio contrariado, e então notei que havia uma faixa de segurança onde eu estava. ELES PARARAM PARA MIM!! A cidade tem também um calçadão, repleto de jovens ordeiros e avessos ao barulho desnecessário. Realmente, um lugar que mereceu ser visitado.

Agora vou nessa, que já está quase na hora de nanar, embora poucos e planos quilômetros me separem agora da casa do Dorival, onde espero passar um agradável fim de ano. Em breve, novas (mas não muitas) fotos da viagem. Um abraço a todos.

2 comments:

Anonymous said...

Um Feliz 2007 repleto que pedal para todos nós. Seguimos daqui acompanhando tua viagem. Abraços.

Anonymous said...

Vc tá quase me animando a colocar minha reclinada na estrada...