Sunday, December 24, 2006

Dia 20 - Cananéia, SP - 1.455km (80)

Olá, pessoas

Hoje o dia foi de pedal meio sacrificado em alguns momentos, mas valeu cada gota de suor, pois vim parar numa "praia" que é demais! Vejam só (novamente em modo resumido, podem me chamar para a ceia a qualquer momento):

Acordei mais ou menos cedo e subi para tomar café da manhã. O Hotel Eldorado, além de não ser muito limpo (havia barata), tem um café da manhã meio fraco. Durante o café, minha dúvida a respeito da viabilidade de ir a Cananéia se dissipou, pois assim o fizeram também as nuvens, e o dia ficou bastante ensolarado. Terminei de comer uns pães com margarina e café com leite, paguei com algum sacrifício (a camareira sumiu para dar um recado e demorou a aparecer com o troco, na verdade eu poderia ter saído sem pagar que só teriam notado no dia seguinte...), e me mandei pela estrada afora. Estrada com subidas e descidas leves, exceto uma um pouco maior, 25km até Jacupiranga. Lá, passei um trabalhinho para achar a agência do Banco (que, tenho de admitir, estava na minha cara), reabasteci a carteira, e me mandei, cruzando a BR, para Pariquera-Açu, por mais 12km de asfalto ondulado com sol um pouco mais forte já. Parei para comer um xis até bem saboroso, e tomei uma garrafa de Gatorade genérico (Energil, é bom até, e mais barato), e duas latas de Del Valle sabor manga, que delícia. Enchi a garrafa, peguei as informações, e me mandei.
A estrada que vai de Pariquera até Cananéia é um asfalto suficientemente bom, não muito movimentado, mas tem um trecho que é uma sucessão de baixadas leves sem uma única curva, eu pedalando sob o sol via aquelas ondas de calor sobre o asfalto, já com sede e cansado e de saco cheio, com dor nas mãos (que, como disse Enrique Calvo, paradoxalmente são a parte do corpo que mais sofre em uma cicloviagem - assino embaixo!), e o velocímetro tava de mal comigo, os quilômetros passavam lentamente, até que finalmente saí do meio daquele forno de mata atlântica rasteira e asfalto, e avistei a balsa, que tinha acabado de atracar e que levaria meia hora (contada no relógio, no caso) para partir para o outro lado. Emborquei mais duas garrafinhas de Kuat, na sombra de um abrigo de cimento amplo, tipo parada de ônibus.
A travessia de balsa, como sempre, foi de grande beleza cênica, aquelas balsas a motor, com funcionários uniformizados, as margens ao longe, o reflexo do sol na água, a esteira que o barco deixa...



Travessia de balsa chegando em Cananéia. Ao fundo, montanhas da Ilha do Cardoso
Do outro lado, mais um pouquinho de asfalto e chegava a Cananéia. Logo nos primeiros metros depois do belo pórtico com uma caravela em cima, vejo uma placa "Hotel sei lá o que". Parei, vi que tinha LAN (onde estou agora), pátio amplo, restaurante, ajeitado o negócio. Apareceu a dona, uma senhora bem jovem, e me disse que o quarto era 45 reais (argh, pensei, vou adiante). Perguntei por uma opção mais econômica, e ela logo falou que tem também o albergue coletivo (leia-se, só meu, quem é o idiota que viaja no domingo véspera de natal?), com banheiro e ar-condicionado no quarto, e piscina livre 24h. Uhu, é aqui mesmo.
O marido dela é um cara tipo alemãozão, alto, olho claro, natural de São Paulo capital, que optou por vir para Cananéia para curtir melhor o astral, etc. É o dono da pousada e pelo que vi não está mal de vida não. Me convidou para fazer um passeio de lancha para a Ilha do Cardoso, por um valor promocional, e eu aceitei, queria tomar banho de mar enfim, vamos lá.
Entrei no jipe dele, e fomos indo em velocidade de lesma, dando um tour pela cidade, vimos a beira-mar, a pracinha, o boteco, o restaurante, belas meninas morenas, como sempre, estacionamos o jipe (um caco, diga-se de passagem, ideal para praia), descemos ao trapiche, e começamos a desamarrar um barco meio graúdo, que tinha um motor com o número 150 escrito, quem manja de barco não precisa dizer mais nada... O lugar dos trapiches era um braço de mar de quilômetro e meio de largura, mais ou menos, e do outro lado já era ilha comprida. Havia muitos barcos de pesca e escunas ancorados por ali, visual bacana.
Já começou que o troço não quis pegar, não queria pegar, e o cara dizendo "ih, nem desamarra", e eu com a CARA já meio amarrada (não consigo esconder esse tipo de frustração quando estou prestes a dar um passeio de barco e tomar banhos de mar num dia muito quente), quando vê o rapaz que cuida lá conseguiu fazer pegar, e saímos. Antes disso, porém, o dono do bote, seu André (não esqueçam, o alemão dono da pousada), já havia olhado o tanque de gasolina, e viu que andava meio vazio. Me perguntou ele: "cê trouxe dinheiro?" e eu "não" e ele "ih, nem eu, bicho, então, sem dinheiro, sem gasol, sem condição..." Eu, imaginando que, como da vez do arranque do motor, o problema iria se resolver como mágica, continuei la proa do barco, aproveitando o movimento.
Após a manobra de saída do trapiche, o barco havia tomado uma certa velocidade tranquila. Então o André deu uma aceleradinha, e agora sim, dava pra ver que a proa subiu um pouco (tanto que fui lá bem na ponta), e que a água realmente PASSAVA por sob o bote. Mas, meus amigos, um 150 pintado em um motor realmente significa algo: o marvado deu lá um pisão na manivela, e o bicho deu um pulo pra frente, de modo que agora a lancha não passava, ela VOAVA pela água, numa velocidade que chegava a dar medo (literalmente de deitar o cabelo, e no meu caso a barba também), estimo algo em torno dos 70km/h. Minha felicidade e alegria em contemplar aquela visão de 360° de braço de mar, ancoradouro, outros barcos, morros altos com nuvens de chuva, reflexos marinhos, só não foi maior, porque o acelerador foi desenroscado, demos meia volta, e o maluco falou "é, bicho, com essa gasolininha aí não dá pra arriscar não, vamos voltar". Bom, aí sim eu me frustrei de vez. O ápice da minha frustração, que estava bastante evidente na minha expressão facial, foi quando, de volta ao jipe, o André falou "vamos ali no bar, tomar uma água, tomar um suco" e eu "sem dinheiro?" e ele "ah, mas aqui eu estou entre amigos..." AAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH. A vontade era de sair correndo pegar a bike, mas ele garantiu que era jogo rápido. E foi mesmo, desceu ali no bar, falou com um e com outro, e trouxe uma galera de encachaçados para dentro do jipe, e eu "ai, meu Deus", lá fomos nós a uns 8km/h até a pousada, de volta, eu vendo o ar puro, as beldades no calçadão, os minutos de luz solar, se esvaindo enquanto estava imerso em uma atmosfera de barulho de motor diesel e cachaceiros fumantes com cheiro de asa... Quando avistei a pousada, comecei a recuperar a esperança, e o ébrio anfitrião me olhava detrás de uns óculos escuros quase escondidos na aba do boné, um sorrisão no rosto "acho que meu hóspede vai me abandonar, hehehe, ainda bem que pagou adiantado, hehehe" e eu "com certeza, meu velho, te larguei!".
Não menos que rapidamente, tirei as bagagens da bike e me mandei pela principal, chinelo e calção de banho, mais nada. Ao chegar ao calçadão, obviamente, diminuí a velocidade e fui estilo "lowrider", só tirando uma onda e avaliando as belezas locais, que não eram poucas. Toquei direto ao trapiche onde estava a lancha brocha, e dei umas braçadas para aliviar o calor e a frustração. Ambos sumiram instantaneamente, que beleza... O visual de qualquer ancoradouro, de DENTRO da água, sempre é algo reenergizante, desde que a água não seja imunda, e aquela não era, apesar de praticamente parada. Saí então para prosseguir o rolé, e ver se encontrava novamente um grupo de minas que ficaram olhando, e eram obviamente de fora da cidade. Após umas três voltas em torno de um polígono que envolvia a beira-mar, a praça (onde elas estavam) e umas ruas secundárias, vi que haviam saído e seguiam a beira-mar. Me fiz de louco e dei uma volta a mais, ligeirinho, para vê-las de pé, e realmente, todas se salvavam e muito. Mas como queria tomar mais banho e falar com mais gente, fui até um outro trapiche, mais ajeitado, onde uma turma tomava banho, puxei o clássico assunto se era fundo, se tinha perigo, onde era melhor pra pular, e me mandei água adentro, contornando um barco a uns 50m e voltando. As gurias ficaram na delas (desceram até o trapiche acompanhando uns magrões), mas já puxei assunto com uns locais, e novamente pude ver que a turminha daqui tem outra cabeça, são muito amistosos, receptivos, e não ficam falando bobagens ignorantes sobre viajar de bicicleta e todos os outros assuntos da vida (quem pedala por cidades do interior sabe do que estou falando...). O visual do pôr do sol estava mágico, mesmo que ele estivesse ocorrendo para o outro lado, atrás da cidade: os barcos e a margem oposta brilhavam ao ser iluminados, enquanto a água e as nuvens ao fundo continuavam escuras. Havia chovido já, um pouco, e um enorme arco-íris emoldurava a cena, que eu obviamente não fotografei, e que ficará para sempre em minha memória.
Saindo dali, vim pedalando lentamente pela principal, vendo as pessoas já se preparando para a ceia de natal, saindo dos mercados, se usa muito a bicicleta por aqui. Na pousada, fui direto à piscina, onde nadei mais um pouco e fiquei lá de molho olhando as nuvens no céu, bastante negras na direção da Ilha Comprida. Saí da piscina, tomei banho de chuveiro com direito a sabão e musculação na hora de pentear a crina. Agora, espero que as donas retornem para jantar algo que espero seja uma boa ceia de Natal.

Um abraço a todos, Feliz Natal, e aguardem as novas aventuras.

1 comment:

Anonymous said...

Grande Helton!! A minha pedalada ficou parecendo uma volta na quadra quando comparada a essa "épica" jornada.

Definitivamente estou deixando de ler os resumos das novelas da globo ;-) para acompanhar o teu blog.

Tu podia colocar um contador de visitas no blog, acho que iria se surpreender!

Que venha 2007!

Abraços

Kieling