Monday, December 25, 2006

Dia 21 - Iguape, SP - 1.520km

E aí, galera

A ceia estava realmente boa: comi filé ao molho madeira (com champignons e tudo), arroz, farofa, salada malandra (com palmito) e o Caldo (preto dos cães do norte). Depois de me satisfazer, logo fui dar uma volta a pé pela beira-mar, para ver o tão sonhado movimento. Devido a enrolações na pousada, saí pouco depois da meia-noite, a noite estava quente, e havia algum movimento de pedestres e alguns de bicicleta em direção ao centro, as casas (algumas) exibiam grupos de familiares terminando com os festejos natalinos. Em Cananéia, alguns dos hexágonos de cimento que compõem a pavimentação das vias têm um coração em baixo relevo, coisa muito meiga. Ao chegar mais perto do centro, o movimento e a concentração de pedestres foi aumentando, a maioria das meninas, coitadas, sendo vítimas do salto-alto, não precisa dizer que a roupa também era em nível de festinha de quinze anos. Fui caminhando em velocidade lesma, vendo a fauna circular, tinha gente de tudo que é tipo, a maioria jovens (adolescentes inclusive), e a praça estava bem animada. Tinha um ou dois lugares tipo boate com música tipo "pancadão". Alguns guardas municipais estavam lá para garantir qualquer coisa, mas se não estivessem provavelmente tudo continuaria na santa paz, apesar de ter figuras ali que, fora daquele contexto festivo, teriam me levado a atravessar a rua caso os encontrasse por aí (alguns até a dar meia-volta). O dimorfismo sexual é algo muito presente na espécie humana no sul de São Paulo: enquanto a maioria das meninas é bonita, a maioria dos caras é um espanto (ou são meus olhos, me corrijam se eu estiver errado...). Fiquei lá até umas duas, e voltei em velocidade sub-lesma para a pousada, que na volta pareceu ficar muito mais longe. O quarto estava quente, e eu ainda fui tomar um arzinho na piscina, dando um rápido mergulho para esfriar o corpo, antes de ir dormir.

No dia seguinte, acordei dez para as dez, com o ogro dono da pousada batendo na porta, avisando que o café estava prestes a parar de ser servido. Levantei me sentindo meio cansado, e fui lá, onde comi dois pães, um recheado com duas fatias de queijo e duas de presunto, duas xícaras de café com leite, uns pedaços pequenos de panetone, e um copo e meio de suco de (provavelmente) goiaba. Terminei de arrumar as coisas sem pressa, e desenvolvi uma técnica de passar protetor solar nas costas sem ajuda alheia, já que a camisa de dry-fit não tem sido suficiente para segurar sol forte, e eu iria sair a pedalar (sim, amigos, eu sei que não é a melhor idéia, mas...) às ONZE E MEIA DA MANHÃ...
Terminei os trâmites, paguei a janta e a interneteada da véspera (mais barato que eu imaginava, sinceramente), e fui em velocidade tartaruga-plus até a balsa para Ilha Comprida, não sem antes passar na farmácia para comprar um creme dental, que o meu havia acabado em Eldorado.



Novamente uma cênica travessia de balsa, e três quilômetros e meio de areia menos fofa do que eu imaginava, até chegar no tão sonhado litoral.



Confesso que a expectativa que criei não foi merecida, pois as ondinhas estavam baixas, o vento fraco, o mar mais ou menos escuro, e a farofada já se manifestava de forma tênue. Peguei meu rumo para o norte, no início com bastante empolgação, mas a velocidade se estabilizou em aproximadamente 17,4km/h (sim, era esse o valor, chatos). Para a fama de praia deserta até que a ilha comprida não serve muito, pois a todo o momento eu cruzava com banhistas, automóveis, motos, algumas casas perdidas, pescadores. A todo o momento, haviam gaivotas (ou aves semelhantes a gaivotas) correndo pela beira da água. Percebi que algumas eram mancas, devem ter machucado a pata em alguma coisa (lixo?).



Ao chegar em uma tenda que demarcava o povoado de Pedrinhas, no meio da Ilha Comprida, parei para tomar e comer alguma coisa. Optei por pedir uma porção de camarão frito, que um salzinho e uma graxinha são necessárias ao bom pedal, pelo menos ao meu bom pedal.
Sentei à sombra (depois descobri que ao abrigo do vento, também), comecei a suar, vi que havia uma duchinha ali do lado, tirei a sapatilha e entrei de roupa e tudo, ô, beleza, melhorou bastante o mal-estar. Quando vieram os camarões, me espantei, era uma travessa gigante, com algumas rodelas de cebola à milanesa, e uns limõezinhos. Pedi um garfo e um pouco de maionese, e mandei ver. Tive de tomar duas latas de maravilhoso e gelado guaraná para conseguir empurrar tudo aquilo goela abaixo, credo. Para fazer a digestão, consegui ganhar numa partida de sinuca de um piá lá da tenda (que deve ser viciadinho, mas eu sou mais), já que a mesa ficava na sombra E no vento.
Segui viagem já em meio a pingos de chuva, mas esses pingos duraram uns 200m, apesar de a paisagem em volta estar rodeada de nuvens negras e paredões azulados de chuva, em minzinho nunca cai nada, droga!



Assim fui indo, contando quilômetros, tomando água cada vez mais morna, lutando para levar adiante os camarões no tubo digestivo, e outras distrações necessárias quando se está em uma paisagem monótona. Não digo que não tenha valido, foi muito zen essa pedalada, mas confesso que faltou a brisa fresca marinha e sobrou o mormaço abafado do verão do centro do país, e isso interfere muito na percepção ciclista das belezas naturais.
Quase chegando na Ilha Comprida (centro), avistei uma tendinha minúscula vendendo coisas, e a bicicleta automaticamente foi até ela, e eu pedi uma água com gás. Não tinha, só sem gás. Sem gás, então. Quando ela abriu o isopor, vi reluzindo entre as pedras de gelo aquelas latas vermelhas do caldo preto (coca, COCA!!), e na hora todos aqueles anos de propaganda subliminar afloraram das profundezas do meu tronco cerebral (sim, a coisa é arraigada), e eu pedi COCA!!! AAAAAAAHHHH, aquela foi a melhor coca da minha vida, cada gole, cada bolhinha de gás carbônico estourando contra meu palato, cada grau Celsius que minhas papilas linguais e meu esôfago perderam naquele momento, nossa, credo, duvido que alguma viagem de LSD possa reproduzir esses momentos sublimes de deleite e satisfação intensa que senti naquele momento. Quando terminei (a galera lá devia achar que eu era meio louco), entreguei a latinha vazia (resisti à idéia de trocê-la para extrair até a última gota), com aquela expressão de "era exatamente disso que eu precisava", e prossegui. Pergunta: e se não tivesse tenda nenhuma ali, eu ia proseguir, até quando? Veja bem, esse gozo transcendental significa um grau tal de hipertermia e desidratação, e a gente só nota porque aparece uma banca? Estranha a mente humana, não? Viva o tálamo! (chega de neurofisiologia por hoje).
Logo em seguida, com tudo mais claro e vívido devido ao maldito/maravilhoso caldo preto, a multidão se avolumou, os comércios atrás das micro-dunas se multiplicaram, e resolvi sair da beira-mar em direção à AVENIDA beira-mar, onde logo parei em uma mercearia para comer dois picolés Jundiá (a marca da hora por aqui) de tangerina. Obviamente artificiais, mas tão geladinhos... Ilha Comprida é o paraíso do farofeiro, só dá turista de carro pra lá e pra cá, com todos os clichês do comportamento do urbano na praia no verão (ainda bem que fui no supermercado em Curitiba, e não aqui, não sei se sobreviveria). Lembra muitíssimo Tramandaí-RS. Logo adiante, a rótula para Iguape, um trecho com ciclovia (sim, uma para cada lado), uma ponte, uma bela paisagem da cidade, que lembra até Paraty, guardadas as proporções, tomei as ruas que indicavam "centro". Nova semelhança com Paraty: o calçamento irregular, com os mesmos hexágonos de Cananéia, mas ao invés do coraçãozinho um IN, ou NI, não tenho idéia do que signifique. Parei num hotel "quanto é" "cinqüenta" "tem quarto mais simples?" "Posso te fazer por quarenta" "até logo". Fui perguntar ao vendedor de cachorro-quente da outra rua, e ele me indicou uma pensãozinha escondida. Fui até a praça, de frente à igreja, ambas rodeadas de casinhas pintadas de várias cores, com cal, bem ao estilo colonial comum em Minas Gerais (a igreja eu nem fotografei, de tão manjada, mas ao mesmo tempo encantadora). Entrei em uma rua tão estreita que se entram duas Towner, uma em cada ponta, ao mesmo tempo, uma tem que dar ré. Achei a tal pousada "tem quarto?" "tem" "quanto?" "doze" "onde eu coloco a bicicleta?". Fui tomar banho, e durante o banho senti bastante vertigem. Novamente, durante o banho, senti aquele fenômeno de lavar o sovaco, a virilha, a nuca, e senti-los quentes, mesmo com o chuveiro correndo água fria. Aproveitei para lavar a roupa, e fiquei lá um tempão, um pouco de cócoras, deixando a água correr. Saí de lá ainda com vertigem, cansadão, e me deitei para tirar um cochilo, zonzo. Levantei meia hora depois, para procurar um lugar que vendesse salada de fruta, o súbito novo desejo.
A praça já estava mais movimentada, com um clima totalmente familiar. Passou um turista de carro, e alguém de dentro do carro jogou uma garrafa de água mineral vazia EM PLENO MEIO DA RUA, NA PRAÇA CENTRAL, NA FRENTE DE TODO MUNDO!!!! Fui lá, peguei a garrafa, joguei no lixo (se estivesse de bici, jogaria dentro do carro, como já fiz certa vez), senti desgosto pelos turistas chatos, e entrei numa lanchonete. Não tinha salada ou suco de frutas, mas tinha sorvete de frutas, e isso me pareceu praticamente a melhor opção possível. Pedi quatro bolas de sorvete em um copo, sentei no cordão da calçada, e apreciei o clima sossegado da cidade, em meio a manchas de desgosto turístico que passavam sobre quatro rodas de tempo em tempo.




Enquanto vinha para a lan, algumas aceleradas de moto e sons de pneu, enfim, nem tudo é perfeito. Na lan, deu pra ver novamente que Iguape (ao contrário de Ilha Comprida) preserva as características da fauna e flora feminina do sul de São Paulo: muitas meninas adolescentes morenas, cabelos lisos, pele bem bronzeada (ao natural, claro) e, obviamente bonitas. Antes que me acusem de pedofilia, advirto: sou um observador antropológico, e olhar não engravida.

Agora, vou lá, que tá acabando meu tempo, minha paciência, e a pracinha deve estar bombando, que a missa deve ter acabado já. Um abração a todos, e durma-se com um calor desses (o quarto não tem ventilador).

1 comment:

FarAmiR said...

O ano nem acabou e você já pedalou mais de 1000km. Usando alguns algebrismos simples (e soluções elegantes de equações diferenciais por Séries de Fourier [toma essa, neurofisiologia!!]), você vai ficar varejando pelo Sudeste um baita tempo.. Ou não ?

Abraço, te cuide com essas comidas aí e juízo com a preservação das reservas de gordura animal estrogenada da região