Thursday, December 28, 2006

Dia 24 - Bertioga, SP - +/- 1.760km (68)

E aí, Galera

Saindo da LAN, em Iguape, fui jantar no restaurante aparentemente mais malandrinho da praça, e surpreendentemente consegui um maravilhoso sanduíche tipo xis, com presunto e queijo e muitas saladinhas malandras, mais um suco natural de limão (para a vertigem... não sei se tem a ver uma coisa com outra, mas é azedo!) por míseros cinco reais. Saí dali muito satisfeito, até por ter visto algumas beldades circulando por ali (até uma que lembrava as dançarinas do Faustão, inclusive no figurino...), fiz algumas fotos noturnas do clima de cidade pequena da cidade, e fui pra pousada dormir, ou melhor, tentar.





Como disse, o quarto não tinha ventilador, e era misteriosamente muito mais quente do que o corredor da pousada, que possuía muitas janelas (todas fechadas àquela hora, mas cobertas de frestas. Coisa inédita: às três da manhã, tive de me levantar, coberto de suor, e ir pé ante pé até a bicicleta. Não foi possível, pois a porta interna estava chaveada (onde já se viu??). Peguei uma aparentemente limpa toalha de rosto, e tomei aquele banho gelado, voltando para dormir refrescado, deixando a porta aberta (na rua estava um vento fresquinho). Pronto, melhorou. Um senhor que dormia em algum quarto próximo, entretanto, continuou por um bom tempo resmungando e suspirando e se revirando, o que me prejudicou um pouco o sono (azar o dele, o mundo é dos versáteis).
Acordei sem grandes pretensões de sair cedo, afinal iria somente até Miracatu, na BR-116, a uns 65km de distância. Tomei um nescau com pão, servido pela senhora da pousada, e ainda passei no banco e em uma oficina de bicicleta para limpar a corrente, que tinha bastante areia da praia e sal. Apesar de eu me dispor a fazer todo o serviço, o cara da oficina foi lá e escovou, esfregou, pincelou e areou a corrente, me entregando ela depois de um tempo como limpa. Eu, que já carregava uma garrafa de Gatorade junto, pedi por favor que eu fazia questão de colocar a corrente ali com diesel limpo, que minha religião não permite recolocar a corrente sem sacudir no diesel. Ao fazer isso, obviamente, a corrente tida como limpa tornou o diesel translúcido tão escuro quanto água de esgoto, e mais uma sacudida com mais diesel limpo, dessa vez sim, fez com que a corrente ficasse de fato limpa, pois o diesel manteve sua translucidez. Eu já havia limpado a coroa e a pinha durante a escovação, de modo que logo remontei tudo. O cara não quis cobrar, mas dei lá pra ele uns quatro pila para tomar um refri depois.
Segui em direção à estrada, e depois lembrei que precisava de água, que obtive em um comércio meio com cara de fechado, mas o senhor que cuidava me atendeu muito bem (tentou me dar água gelada, mas era de poço e continha bichinhos e folhas, então foi normal mesmo, que estava boa. O trecho ali tem bastante curvas, provavelmente para desviar de alguns banhados que permeiam a planície local. Na beira da estrada, há muitas tendas vendendo maracujá, banana, jaca, compotas de frutas. Depois de uma determinada ponte, começa uma subida infernal, especialmente se estiver um calor infernal como estava. Tive de parar várias vezes, mas em uma delas pude ficar um tempo embaixo de uma bica, mas uma senhora de uma bica, com um cano de PVC de quatro polegadas jorrando água purinha, embora não geladinha (apenas fresquinha). Depois disso, foi melhor prosseguir pedalando, e pouco depois já começou a descida, que foi longa, me rendendo uns três ou quatro quilômetros de distância.
Ao sair na BR 116, logo parei em um posto, onde bebi dois sucos de pêssego em lata. Não adianta, são caros, mas tem hora que tem que recorrer a algo bem doce e gelado, para poder prosseguir. Nestes dias quentes, isso acontece muitas vezes ao dia, mesmo fazendo trechos relativamente curtos. A BR 116, como não poderia deixar de ser, é domínio quase absoluto dos caminhoneiros, ou como diria Frank Zappa, "those masters of the road with their own secret language, and their giant oversized mechanical transcontinental hobby-horses" (quem quiser que traduza). Eles passavam zunindo, embora o vento a favor que gerassem estivesse meio abaixo da média (acho que eu estava fraco, já).
A idéia de dormir em Miracatu foi abortada por dois motivos: cidade com cara de beira-de-faixa, e horário adiantado que eu cheguei lá. Pensei então em ficar em Peruíbe, e segui o baile para tomar o outro trecho de asfalto, para o litoral.
Esse trecho, entretanto, foi o pior trecho da viagem até agora, pois o movimento é intenso e não há acostamento, existindo um degrau bem significativo separando o asfalto meio irregular de uma pista coberta de areião duro e grama. Graças ao espelho retrovisor (recomendo!), precisei sair da estrada várias vezes para dar passagens a carretas e caminhões tanque que vinham embalados ocupando toda a largura da pista.
O calor, a fome, a fraqueza, o desânimo e a angústia me fizeram decidir por encurtar a viagem e ficar em Pedro de Toledo, mas a cidade também não foi suficientemente aconchegante. Acabei (felizmente) ficando em Itariri. No acesso à cidade, um providencial transeunte me informou que lá havia o hotel três meninos, para onde fui.



Lá, pude ficar em um quarto limpo, com chuveiro bom (onde tomei um longo banho), sendo muito bem atendido pela dona. Já reconstituído, fui à pizzaria Gomes, onde pedi uma pizza que continha bacon, calabreza, queijo, azeitona, catupiry... Consegui comer só a metade, levando o resto embrulhadinho para o hotel. Assistir o especial "LU", com a dona Piovani, foi decepcionante e não valeu o sono perdido.

Em hotel sempre se acorda mais cedo, pois o café da manhã tem horário. Fui lá, tomei o meu, que foi servido em uma bandeja por uma bela e tímida mulata bem representativa da beleza feminina do sul de São Paulo (beleza que se tornaria infelizmente bastante rarefeita a partir de então). Voltei para o quarto e arrumei com vagar meu material, pois estava decidido a ficar por Mongaguá, nesse dia, e seriam pouco mais de 60km.

Trecho entre Itariri e Peruíbe, com muitas plantações de banana
Tomei meu rumo já passavam das onze horas, e por sorte logo depois de começar, apareceu um generoso acostamento. A idéia de ficar em Peruíbe teria sido péssima, acredito, pois a cidade definitivamente não tem uma cara acolhedora aos ciclistas, ou ao menos é essa a impressão que se tem ao contornar sua periferia, pois - sejamos justos - a estrada não atravessa a cidade. Depois de passar pela entrada principal, a estrada se transforma em um tapete de asfalto com largo acostamento, praticamente reta e com invisíveis subidinhas. Mesmo assim, passei ali me arrastando, que o calor era algum, o mormaço existia, o vento era meio abafado e o cansaço dos dias anteriores pesava. Parei em uma lanchonete (são raras as lanchonetes simpáticas por ali, perto de Itanhaém), onde comi uns pedaços da pizza, acompanhados de quase dois litros de refrigerante.
Segui e dei graças que chegou logo Mongaguá. A pousada onde já havia ficado estava mais cara, então finalmente fui a um camping, pra estrear a barraca na viagem, não sem antes comprar agulha e linha para costurar a bermuda, e um pão para tomar café da manhã.
Lá no camping, montei a barraca sobre uma grama meio úmida, e o banho de piscina (que era infantil) foi menos aliviante que o imaginado, já que o clima era de quase garoa e estava meio friozinho. Depois disso, fui nas mesas da churrasqueira para compenetradamente costurar o forro da bermuda (forro anti-bacteriano funciona mesmo, ela não fica muito fedida), e nesse meio tempo chegaram famílias com as quais fiz amizade. Resultado: pão, carne assada, salsichão, espaguete, refrigerante... de grátis!! O pai de uma dessas famílias, no caso o William, de Piracicaba, dois anos mais velho que eu, depois que a galera saiu fora pra dormir, ficou duas horas conversando comigo sobre a vida, o mundo e as coisas, com umas teorias muito loucas, meio místicas, que não cabem neste blog, outra hora eu conto pra vocês. O fato é que é isso que vale a pena em uma viagem como a minha, e não tive absolutamente remorso algum, pelo contrário, de trocar minha nanada das nove pela nanada da meia-noite.

Levantei meio cedo, com calor, mas a amarração que foi desempacotar o kit café da manhã, desarrumar tudo, arrumar tudo, barraca, colchãozinho, etc. (não quis apressar o corpo cansado) me levou a sair já depois das onze.

Deixando o fundo da barraca secar ao sol
Fui indo mansamente, com todos os olhos atentos à rodovia, já que a travessia do trecho urbano de Santos era uma coisa que me preocupava... Fui indo, indo, tudo tranqüilo (ou sossegado, como dizem por aqui), até o trecho onde tem a entrada para Praia Grande. Apesar da ciclovia, e por considerar a mim mesmo uma ameaça aos demais usuários da malha cicloviária, preferi seguir pela linha branca da via expressa. As placas de Praia Grande, Boqueirão, me fizeram lembrar de uma música do Joelho de Porco ("...que tragédia, sexta-feira aluga a kombi/vai lotada pra Imigrantes/prum pique-nique em Praia Grande/que é gigante...") e uma dos Mamonas ("só de lembrar nós na Kombi no Domingo/ Nosso amor era tão lindo/ nós descíamos pro Boqueirão"). Como vêem, não é à toa que a fama da praia farofesca se justifica. Chegando na beira-mar de Praia Grande, me surpreendi, pois ela é bonita, com vários jardins, praças à beira-mar, até lembra um pouco o Rio de Janeiro em alguns pontos, e o trânsito foi totalmente conciliável. Tirando o fato de que um motorista quis parar para conversar comigo (eu obviamente falei que não queria parar, ainda mais na beira de uma via expressa), e depois me achou na beira-mar dizendo (enquanto dirigia ao meu lado) que achava que o cicloturista era um ser amistoso, que já tinha lido vários relatos, que se eu pedia água e alguém negava, era bom, né?, ficou me tirando pra antipático, não entendeu que eu estava VINDO DE LONGE, CANSADO, EM UMA METRÓPOLE DESCONHECIDA, NO HORÁRIO MAIS QUENTE DO DIA, COM TRÂNSITO FORTE, E COM UMA META DISTANTE EM VISTA. Bom, nem Cristo agradou a todos, azar o dele. Ao menos me despedi dele com um sorriso, retribuído (talvez ironicamente).
Perdi a oportunidade de tirar uma foto com um monumento representando uma bicicleta amarela derretendo ao sol, mas quando o movimento diminuiu, no final da beira-mar, tirei ao menos uma foto com o horizonte coberto de arranha-céus, ao fundo da praia.



Andei mais um pouco, cruzei a balsa para Guarujá, e almocei uma esfiha de carne com dois XTAPA, algo que pode ser um suco de açaí misturado com guaraná, coisa muito boa. Segui e, ao pedir informação em um posto, me disseram que não valia a pena pegar a outra balsa para Bertioga, sendo mais negócio ir pela Rio-Santos mesmo. Fui até ela por uns 6km de via expressa com vento a favor, e segui então finalmente pela Rio-Santos, livre da mancha urbana que, sinceramente, me rendeu bem mais prazeres visuais e bem menos desagrados do que eu havia imaginado.
Pela Rio-Santos, a coisa muda bastante: pista simples, bom acostamento, e muitas curvas e alguns desníveis, o que torna o prognóstico do GPS bastante questionável em termos de distância prevista.
Foi bom chegar cedo, e a técnica de pedir informação ao frentista do maior posto de gasolina ao alcance sempre funciona: em instantes, soube que a Pousada do Zequinha, ou do Pedrinho, ou algo assim, era a mais em conta (de segunda a quinta, promoção para viajantes!), e ali perto há restaurante mineiro que serve PF, Banco do Brasil e LAN, onde estou.

Era isso galera, escrevo novamente em breve, agora vou lá, que quero voltar cedo pra pousada, pra ver o especial da Elis Regina. Ao menos não vai ser apresentado pela Lady Piovani, o que já é um sinal de melhor prognóstico.

1 comment:

JorgeOK said...

Ai Helton
Estou acompanhando o teu cicloturismo.
Grande abraço, muitas felicidades por todo o trajeto.
Desejo uma ótima virada de ano.

JorgeOK
Caxias do Sul
http://www.serrabikers.blogspot.com/